domingo, 4 de agosto de 2019

Empresa alemã desenvolve instalação urbana com musgo para reduzir poluição nas cidades.

Quando Peter Sänger, de 26 anos, e Liang Wu, de 34, se juntaram, perceberam imediatamente que tinham algo em comum. Ambos firmes defensores da luta contra a poluição do ar na Alemanha, eles acreditam que, se você não pode medi-la, não poderá vencê-la.

É por isso que eles fundaram a Green City Solutions — uma solução para quantificar a poluição e purificar o ar das cidades por meio de instalações urbanas com musgos.
Sua invenção, a CityTree, atua tanto como purificador de ar quanto como um display de plantas. Produzidas com base na ciência, as “árvores” verticais de painéis planos espalhadas por cidades da Europa “comem” a poluição do ar e ao mesmo tempo servem de assentos para pedestres. O relato é da ONU Meio Ambiente.
Quando Peter Sänger, de 26 anos, e Liang Wu, de 34, se juntaram, perceberam imediatamente que tinham algo em comum. Ambos firmes defensores da luta contra a poluição do ar na Alemanha, eles acreditam que, se você não pode medi-la, não poderá vencê-la.
É por isso que eles fundaram a Green City Solutions — uma solução para quantificar e purificar o ar das cidades por meio de instalações urbanas com musgos.
Sua invenção, a CityTree, atua tanto como purificador de ar quanto como um display de plantas. Produzidas com base na ciência, as “árvores” verticais de painéis planos espalhadas por cidades da Europa “comem” a poluição do ar e ao mesmo tempo servem de assentos para pedestres.
A visão de Sänger e Wu é de um mundo em que as pessoas nas cidades possam viver de forma saudável. Eles esperam criar condições de vida que permitam a todas as pessoas no mundo ter permanentemente ar limpo para respirar.
O musgo naturalmente filtra os poluentes do ar com muita eficácia. Usando tecnologia remota, a CityTree combina esse fator purificador de ar com essa tecnologia para aumentar o fluxo de ar através das “árvores”. Isso permite que elas “suguem” e limpem mais ar do que o normal, e a quantidade de ar filtrado pode ser aumentada dependendo dos níveis de poluição em diferentes momentos do dia.
A empresa alemã de tecnologia verde é agora financiada pela Comissão Europeia para criar e testar cientificamente uma rede CityTree de 15 unidades em pontos críticos de poluição em Berlim no próximo ano.
O chefe do Departamento de Água Doce, Terra e Clima da ONU Meio Ambiente, Tim Christophersen, disse que especialmente no período que antecede a Cúpula sobre Ação Climática de 2019 — que se concentrará nas cidades, em soluções baseadas na natureza e na resiliência às mudanças do clima — as árvores são cada vez mais reconhecidas como recursos vitais.
“A natureza pode nos ajudar a superar muitos problemas ambientais criados pelo homem, e precisamos de soluções criativas. A CityTree pode ser implantada em pontos críticos de poluição do ar, como uma adição interessante para árvores urbanas e espaços verdes, em que as cidades também devem investir.”
Conversamos com os co-fundadores da empresa Green City Solutions e os inventores da CityTree, Sänger e Wu, para descobrir o que os inspirou em sua missão de combater a poluição do ar e quais são seus planos para o futuro.
ONU Meio Ambiente: O que te inspirou a combater a poluição do ar e por que você acha que isso é um problema?
Todos os dias, 90% dos habitantes das cidades respiram ar poluído, causando mortes e doenças. Os principais componentes da poluição do ar são o óxido de nitrogênio, o ozônio e especialmente a poeira fina, ou partículas, que encurtam nossa vida útil. Ao mesmo tempo, nossa população global está se mudando para áreas urbanas em números sem precedentes.
ONU Meio Ambiente: Como começou a Green City Solutions?
A Green City Solutions é baseada em nossa amizade de longa data. Em viagens para a Ásia e para o sul da Europa (…), vivenciamos as consequências negativas do ar poluído e a acumulação maciça de calor nas regiões metropolitanas, e começamos a procurar soluções ecológicas e econômicas. Fundamos a Green City Solutions em março de 2014 com uma equipe de especialistas em arquitetura, informática, engenharia e horticultura. Nossa ambição era e ainda é melhorar a qualidade do ar em ambientes urbanos com uma solução altamente eficiente e sustentável para melhorar a qualidade de vida das pessoas nas cidades.
ONU Meio Ambiente: Quais desafios você enfrentou ao longo do caminho e como você os superou?
Inventar e introduzir uma nova tecnologia sempre requer muita energia, convencer as pessoas e uma paixão interminável — junto com financiamento e apoio suficientes de parceiros e instituições. Isso só pode ser bem sucedido quando você realmente acredita em sua solução e quando você tem uma visão que é grande e importante o suficiente para impulsionar você e sua equipe.
ONU Meio Ambiente: Você pode compartilhar os impactos positivos da implementação do seu projeto até agora?
Produzimos e vendemos com sucesso 50 unidades da primeira geração da nossa CityTree para cidades e empresas em toda a Europa. Este foi um tremendo sucesso e nos forneceu muitos insights valiosos e dados extremamente úteis.
ONU Meio Ambiente: Para onde mais você pretende levar sua invenção?
As CityTrees já podem ser encontradas em Noruega, França, Alemanha, Bélgica, Macedônia e Hong Kong. Nosso produto também foi temporariamente implantado em muitas conferências, feiras e eventos nas cidades alemãs graças ao seu design móvel e independente.
ONU Meio Ambiente: Como você mede o impacto das árvores? Quanta poluição do ar elas estão “limpando”?
A CityTree, que foi patenteada, é um filtro de musgo com ventilação integrada, um sistema de irrigação e sensores para capturar dados ambientais. As culturas de musgo literalmente comem material particulado e dióxido de nitrogênio do ar — compensando muitas toneladas de CO2 equivalentes por ano. Medimos e testamos nosso filtro em cooperação com muitas instituições científicas, como o Instituto de Manuseio e Refrigeração de Ar em Dresden, para medir sua eficiência.
ONU Meio Ambiente: Qual é a sua esperança para o futuro em termos de combate à poluição do ar?
Melhoramos e desenvolvermos permanentemente nossa tecnologia e, a partir deste mês, nossa nova geração de produtos — agora escalável e adaptável — está disponível. Esperamos encontrar em breve os clientes e parceiros certos para ampliar nossa solução para que ela se torne um componente natural de qualquer prédio ou infraestrutura.
Nosso filtro de musgo pode ser adaptado a qualquer ambiente. A construção contém sensores que coletam dados ambientais e climáticos para regular e controlar a unidade e garantir que o musgo sobreviva. Graças às nossas inovações e melhorias técnicas, a nova geração de filtros exigirá apenas algumas horas de manutenção por ano. Mas serão necessários mais esforços dos governos, das empresas e de cada um de nós para mudar a situação. Nossa solução só pode ser uma pequena peça do quebra-cabeça.
Fonte: ONU

sábado, 3 de agosto de 2019

Quem são os wajãpi, guardiões de terra cobiçada por garimpeiros ilegais e mineradoras.

O povo wajãpi é guardião de uma terra rica em ouro e ferro de cerca de 607 mil hectares, uma área equivalente a quatro cidades de São Paulo delimitada pelos rios Oiapoque, Jari e Araguari, no oeste do Amapá.

Chegaram ao local depois de uma travessia épica pelo rio Amazonas. Descendentes dos Guaiapi, falantes da língua da família Tupi, os wajãpi saíram do baixo rio Xingu, no norte do Pará, no século 18 rumo ao território hoje ocupado pelo Amapá e pela Guiana Francesa.
Sempre mantiveram o estilo de vida, tradições, rituais e autonomia. Vivem da caça e da agricultura e tentam defender sua terra como podem – com arcos, flechas, lanças e até armas de fogo, estas devidamente registradas e autorizadas pela Polícia Federal, segundo eles, e com a ajuda de organizações governamentais e não governamentais.
Homologada e registrada em 1996, a terra indígena wajãpi, localizada entre os municípios amapaenses de Pedra Branca do Amapari e Laranjal do Jari, é cobiçada por garimpeiros e caçadores de peles de animais e tem sido alvo de invasões frequentes.
Desde os anos 1970, os wajãpi têm uma relação conturbada e traumática com garimpeiros e mineradores. No início dos anos 1970, uma epidemia de sarampo, disseminada após contato com homens brancos, causou a morte de quase cem indivíduos wajãpi, incluindo adultos e crianças.
Na semana passada, a morte do cacique Emyra Waiãpi e duas invasões relatadas pelo Conselho das Aldeias Wajãpi colocaram em evidência o alto nível de tensão na região no momento.
Em nota divulgada no domingo, 28 de julho, o Conselho das Aldeias Wajãpi disse que um grupo de invasores armados entrou na sexta-feira (26) na aldeia Yvytotõ, ocupou uma casa e ameaçou os moradores, que fugiram no dia seguinte do local.
No sábado, moradores de outra aldeia, a Karapijuty, teriam avistado um possível invasor nos arredores.
O cacique Emyra Waiãpi havia sido encontrado morto no dia 22 – a Polícia Federal, que foi ao local com representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do batalhão de operações especiais da polícia do Amapá, abriu inquérito para investigar a morte dele.

Bolsonaro põe em dúvida assassinato de líder indígena

Ao comentar a morte do cacique no Amapá, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse não haver indício forte de que ele tenha sido assassinado.
Foi a primeira vez que o presidente se manifestou sobre o incidente. “Não tem nenhum indício forte que esse índio foi assassinado lá. Chegaram várias possibilidades, a PF está lá, quem nós pudermos mandar nós já mandamos. Buscarei desvendar o caso e mostrar a verdade sobre isso aí”, afirmou o presidente, ao deixar o Palácio da Alvorada na manhã desta segunda-feira (29).
De acordo com a nota do conselho wajãpi, não houve testemunhas, mas parentes examinaram o local e “encontraram rastros e outros sinais de que a morte teria sido causada por pessoas não indígenas”.
Além de colocar em dúvida o assassinato, Bolsonaro também reiterou que sua intenção é regulamentar o garimpo e autorizar a exploração de minérios dentro de território indígena.
“É intenção minha regulamentar garimpo, legalizar o garimpo. Inclusive para índio, que tem que ter o direito de explorar o garimpo na sua propriedade. Terra indígena é como se fosse propriedade dele. Lógico, ONGs de outros países não querem, querem que o índio continue preso num zoológico animal, como se fosse um ser humano pré-histórico”, afirmou o presidente.
Para Bolsonaro, as demarcações indígenas estão “inviabilizando o negócio” no Brasil.

História de resistência

Segundo Fiona Watson, pesquisadora da ONG Survival International, a história dos wajãpi é de resistência, resiliência e sobrevivência. “Eles são os guardiões da floresta. Dependem da floresta e mantêm uma relação espiritual com ela. Por isso, resistem a tudo que pode destruí-la”, diz.
Watson declara não se opor à mineração em terras indígenas desde que seja uma escolha dos guardiões da terra, que pertence à União. “Tem que ter o consentimento dos índios, a decisão tem que ser deles porque a terra é deles”, afirma, argumentando que o governo deveria se empenhar mais em proteger as terras indígenas uma vez que a legislação atualmente proíbe mineração em terras ocupadas por indígenas.
Os wajãpi, por exemplo, são contra a exploração mineral em seu território. Apesar de serem considerados um povo festivo e amistoso, eles declararam guerra aos garimpeiros e às mineradoras depois de colecionarem experiências traumáticas.

Primeiro contato

Hoje, são aproximadamente 900 wajãpi vivendo em 49 aldeias. Na Guiana Francesa, no alto rio Oiapoque, vivem outros 1.100.
“Mas esse povo quase desapareceu nos anos 1970”, conta Watson, lembrando que os wajãpi foram vítimas de malária e sarampo contraídos depois do contato com não-índios.
O primeiro contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi em 1973, quando a rodovia Perimetral Norte BR-210 começou a ser construída na região onde estavam os wajãpi.
No ano seguinte à chegada da Funai, eram apenas sete dezenas deles, segundo relatou um ex-chefe do posto local da Fundação ao Jornal do Brasil em 1993.
A estrada facilitou o acesso às terras protegidas pelos wajãpi. Chegaram caçadores, garimpeiros e, mais recentemente, empresas de mineração demonstraram interesse em explorar na região jazidas de ouro, cassiterita, manganês e tântalo.
Mas a antropóloga da Universidade de São Paulo (USP), Dominique Gallois, estudiosa do povo wajãpi, relatou no Facebook que “experiências trágicas” dos wajãpi com garimpeiros são anteriores à chegada da Funai.
Entre 1971 e 1973, escreveu Gallois, levas de garimpeiros invadiram a bacia do rio Karapanaty, explorando ouro nas proximidades da aldeia Karavõvõ.
“Prometiam trazer mercadorias e conseguiram apoio dos índios, que os abasteciam com caça, lenha e alimentos. Na verdade, depois de cerca de um ano de convivência conturbada, fugiram e deixaram a população de cinco aldeias da região infectadas com sarampo”, relatou a professora.
Segundo ela, mais de 80 adultos e crianças morreram, “abandonados pelos que se diziam seus amigos”.
Gallois diz que a Funai chegou mais tarde, em 1973, “para afastar os índios do trajeto da estrada Perimetral Norte, construída na época e abandonada em 1976”, depois de ter avançado cerca de 30 quilômetros para dentro da área indígena.

Estratégia de defesa

“Pouco a pouco, os wajãpi encontraram estratégias para se defender e logo que sabiam da presença de invasores, os procuravam, amarravam e levavam à Funai para que fossem entregues à Polícia Federal”, escreveu a professora, dizendo que esses episódios aconteceram várias vezes entre 1985 e 1992.
Em 1994, eles criaram o Conselho das Aldeias Apina para reivindicar direitos e passaram a denunciar de forma mais organizada e sistemática as sucessivas tentativas de ingresso. O Conselho, que tem site e diretoria com mandato, tem também um documento com detalhes sobre as tradições do povo wajãpi.
Eles são reconhecidos por manter o equilíbrio entre o passado e o presente, vivem dos recursos da floresta e mantêm rituais e tradições curiosas – como, na hora do casamento, dar a própria irmã para se casar com o irmão da noiva ou se casar também com a irmã solteira da noiva.
Entre 1971 e 1973, escreveu Gallois, levas de garimpeiros invadiram a bacia do rio Karapanaty, explorando ouro nas proximidades da aldeia Karavõvõ.
“Prometiam trazer mercadorias e conseguiram apoio dos índios, que os abasteciam com caça, lenha e alimentos. Na verdade, depois de cerca de um ano de convivência conturbada, fugiram e deixaram a população de cinco aldeias da região infectadas com sarampo”, relatou a professora.
Segundo ela, mais de 80 adultos e crianças morreram, “abandonados pelos que se diziam seus amigos”.
Gallois diz que a Funai chegou mais tarde, em 1973, “para afastar os índios do trajeto da estrada Perimetral Norte, construída na época e abandonada em 1976”, depois de ter avançado cerca de 30 quilômetros para dentro da área indígena.

Estratégia de defesa

“Pouco a pouco, os wajãpi encontraram estratégias para se defender e logo que sabiam da presença de invasores, os procuravam, amarravam e levavam à Funai para que fossem entregues à Polícia Federal”, escreveu a professora, dizendo que esses episódios aconteceram várias vezes entre 1985 e 1992.
Em 1994, eles criaram o Conselho das Aldeias Apina para reivindicar direitos e passaram a denunciar de forma mais organizada e sistemática as sucessivas tentativas de ingresso. O Conselho, que tem site e diretoria com mandato, tem também um documento com detalhes sobre as tradições do povo wajãpi.
Eles são reconhecidos por manter o equilíbrio entre o passado e o presente, vivem dos recursos da floresta e mantêm rituais e tradições curiosas – como, na hora do casamento, dar a própria irmã para se casar com o irmão da noiva ou se casar também com a irmã solteira da noiva.
Quem escolhe o nome da criança wajãpi são os avós e os pais. “Nós usamos os nomes de nossos antepassados para colocar nome nas crianças”, explicam. Crianças podem se chamar pelo nome, mas quando se é jovem ou adulto, não. “É impossível chamar a pessoa pelo nome próprio, senão ela fica brava”, explicam – os wajãpi se chamam pelo grau de parentesco.
Há palavras que só as mulheres falam e outras que apenas os homens pronunciam.

‘Não fazemos festa sem beber’

Os wajãpi são festeiros. Celebram a pesca, a colheita, têm 57 celebrações diferentes. “Não fazemos festa sem beber. A festa é uma troca, de quem dá caxiri e quem vem cantar e dançar”. O caxiri, bebida fermentada à base de mandioca, é preparado pelas mulheres da aldeia.
Ele é usado também em rituais mais doloridos. As meninas, depois da primeira menstruação, recebem picadas de formigas “para ficar forte”. A mãe dá à filha o caxiri para não sentir dor e o pai – ou alguém que trabalha, é caçador e fala bem – busca e aplica a formiga.
“Eles mantêm o estilo de vida e os rituais. Mas também interagem, em especial os mais jovens”, diz Fiona Watson, da ONG Survival International, dizendo que eles são conscientes de que precisam se defender como podem.
Os wajãpi também têm escolas, postos de saúde e salas de reuniões.
Muitos falam português e, os que têm direito a usar armas de fogo fizeram em 2018 testes de tiro, avaliação psicológica e comportamental, sob a supervisão da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

Uma wajãpi no governo Bolsonaro

Há também wajãpi no Exército e no governo Bolsonaro.
Silvia Nobre Wajãpi, de 42 anos, fez parte da equipe de transição do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e, em abril, foi nomeada secretária de Saúde Indígena.
Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, ela já foi moradora de rua, vendedora de livros, atriz, atleta, fisioterapeuta e primeira índia militar – entrou para o Exército em 2010.
O Ministério da Saúde informa, em seu site, que ela nasceu numa tribo wajãpi, no interior do Amapá. Aos quatro anos, sofreu um acidente e foi levada para a cidade a fim de ser operada.
Como não podia voltar para a aldeia, devido aos graves problemas de saúde, foi criada, inicialmente, por um professor que iniciou a alfabetização de Silvia. “Silvia sempre manteve os laços com o seu pai, cacique Seremete, na aldeia para onde volta uma vez por ano nas férias”, diz o Ministério da Saúde.
Apesar de terem conseguido manter o estilo de vida, tradições e rituais mesmo depois do contato com não-índios e, ao mesmo tempo, interagir com não-índios, Fiona Watson, da Survival International, alerta que episódios como as invasões recentes mostram que o povo wajãpi está em situação vulnerável.
“Ninguém esperava que, tantos anos depois, surgisse novamente o pesadelo das invasões de garimpeiros. Voltou à tona o medo das violências e da contaminação por doenças”, escreveu Dominique Gallois, da USP.
Fonte: BBC *Colaboração Nathália Passarinho

Humanidade já esgotou os recursos renováveis de 2019.

A humanidade atingiu nesta segunda-feira (29/07) o limite do uso sustentável de recursos naturais disponíveis para 2019. A data, chamada Dia da Sobrecarga da Terra, é calculada pela organização internacional Global Footprint Network (GFN).

A cada ano, a população mundial consome mais terras aráveis, pastagens, áreas de pesca e florestas do que as disponíveis realmente. Além disso, emite muito mais CO2 do que as florestas e oceanos do mundo podem absorver. Por isso, o Dia da Sobrecarga acontece cada ano mais cedo. No ano passado, havia sido em 1º de agosto e, em 1971, o primeiro ano de sobre consumo global, foi em 21 de dezembro.

A Global Footprint Network, sediada na Califórnia, explicou que os custos desse consumo são cada vez mais visíveis, por exemplo, através do desmatamento, da erosão do solo, da perda de biodiversidade ou do aumento do CO2 na atmosfera terrestre. Segundo o GFN, “este último leva a eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes”.
O dia da exaustão de reservas naturais resulta de uma média global, já que alguns países consomem seus recursos mais rápido que outros. A organização de proteção ambiental WWF afirmou que no Catar, por exemplo, o Dia da Sobrecarga foi atingido nos primeiros 42 dias deste ano. Já em Cuba, Nicarágua, Iraque, Equador e Indonésia, só acontecerá em dezembro. A Alemanha havia esgotado em 3 de maio os seus recursos naturalmente disponíveis para 2019. No caso do Brasil, será neste 31 de julho.
De acordo com as organizações ambientalistas, a população mundial consome hoje em dia o correspondente a 1,75 Terra, em termos puramente matemáticos. Se todos os humanos vivessem como os alemães, seriam necessários três planetas iguais ao nosso. Se toda a humanidade tivesse os mesmos hábitos de consumo dos cidadãos dos Estados Unidos, teriam de ser cinco Terras. Nessa mesma conta, os brasileiros precisariam de 1,7 planeta para suprir todas as necessidades.  
Os déficits ecológicos anuais começaram na década de 1970, segundo o GFN, comprometendo a futura capacidade regenerativa do planeta. Em 1993, o Dia da Sobrecarga da Terra caíra em 21 de outubro. Dez anos depois, em 2003, foi em 22 de setembro.
Atualmente, as emissões de carbono da queima de combustíveis fósseis constituem 60% da pegada ecológica da humanidade. Se o Dia da Sobrecarga fosse adiado cinco dias por ano, até 2050, o consumo global poderia se igualar aos recursos disponíveis no planeta, informa o GFN. Substituir, por exemplo, 50% do consumo de carne por comida vegetariana iria mudar o Dia da Sobrecarga em 15 dias (10 dias somente pela redução das emissões de metano pelo gado).
Para ajudar a humanidade a diminuir o consumo para níveis sustentáveis, a GFN oferece uma calculadora de pegada ecológica nos idiomas hindi, inglês, chinês, francês, alemão, português, espanhol e italiano.
“Temos apenas uma Terra – este é o contexto final que define a existência humana”, diz o fundador da GFN, Mathis Wackernagel. “Não podemos usar 1,75 planeta sem consequências destrutivas. Em última análise, a atividade humana será equilibrada com os recursos ecológicos da Terra”, afirma Wackernagel. “A questão é se escolhemos chegar lá por acidente ou por projeto – a miséria de um planeta ou sua prosperidade.” 
Fonte: Deutsche Welle

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Liberação recorde reacende debate sobre uso de agrotóxicos no Brasil. Entenda.

Na última segunda-feira (22/7), o governo aprovou a entrada de mais 51 agrotóxicosno mercado brasileiro, 17 deles são extremamente tóxicos. Já foram liberados 290 pesticidas desde 1º de janeiro. Trata-se do maior ritmo de liberação de agrotóxicos na última década para o período de 1º de janeiro a 22 de julho. O volume superou a taxa de 2018, então a mais alta para o mesmo intervalo de tempo com 229 dos 422 novos produtos liberados no ano. Outras 559 solicitações de registro já foram acatadas pelo governo.

A aprovação de um novo produto agrotóxico requer pareceres positivos do Ministério da Agricultura, Agropecuária e Abastecimento (Mapa), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). De acordo com o Mapa, colocar no mercado mais produtos genéricos, a base de moléculas já aprovadas, estimularia a concorrência e reduziria o preço dos pesticidas, o que poderia refletir na queda do custo de produção. Novas moléculas, por sua vez, representariam “alternativas de controle mais eficientes e com menor impacto ao meio ambiente e à saúde humana”.
“Não existiu um grande concurso público ou o deslocamento de pessoas para aprimorar esse e outros processos dentro da agência”, alerta Marina Lacôrte, coordenadora da campanha de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil. “Acelerar esse tipo de liberação é uma decisão política.”
Atualmente, 425ingredientes ativos têm uso autorizado e 2.356 produtos estão liberados para comercialização no Brasil. Entre os pesticidas aprovados neste ano, 118 (41%) são extrema ou altamente tóxicos e 32% não são permitidos na União Europeia. Foram aprovados ingredientes a base de duas novas moléculas, o sulfoxaflor e o florpirauxifen-benzil. Outros 32 novos ingredientes ativos esperam registro.Entre os pedidos, quatro ainda não foram aprovados em outros países, 19 já estão liberados nos Estados Unidos, 19 no Canadá, 18 na Austrália, 17 no Japão, 16 na União Europeia e 15 na Argentina, segundo a Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef).
Para Marcelo Morandi, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, a inserção de mais produtos no mercado não significa que o uso de agrotóxicos irá aumentar, uma vez que representam em torno de 30% do orçamento dos agricultores. “Os insumos são os principais custos do produtor, sejam agrotóxicos ou fertilizantes. Então ele quer usar o mínimo necessário para produzir e vai buscar aquele com preço e condições melhores.”
Em 2016, quando 277 agrotóxicos obtiveram registro, 541.862,09 toneladas de produtos foram comercializados. Em 2017, ano em que aprovou-se 405 produtos, 539.944,95 toneladas foram vendidas. Os dados são dos boletins anuais realizados pelo Ibama. O relatório de 2018 será divulgado em setembro.
A Anvisa aprovou um novo marco regulatório para agrotóxicos na última terça-feira (23/7). Para a agência, as novas regras atualizam e dão mais clareza aos critérios de avaliação e classificação toxicológica dos produtos, além de adotar informações nos rótulos que alertam e facilitam que o produtor identifique os perigos do produto à vida e à saúde humana. As mudanças adequam o Brasil aos padrões do Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos (GHS, na sigla em inglês).
O marco regulatório altera de quatro para seis categorias de classificação toxicológica. A Anvisa terá de reclassificar todos os agrotóxicos já disponíveis no mercado. Como apenas formulações com potencial de matar serão classificadas como extremamente tóxicas, o número de produtos nessa categoria deve cair de 800 para 300.
“A recomendação de agrotóxicos é uma ferramenta, não é a única forma nem o método que deve ser usado em qualquer situação, apenas quando realmente necessário.
POR MARCELO MORANDIPESQUISADOR EMPRABA MEIO AMBIENTE

Agricultura tropical

Em países tropicais como o Brasil, o calor e a umidade ao longo do período produtivo das lavouras torna a agricultura mais suscetível a epidemias de pragas, avalia Morandi. Plantações do Hemisfério Norte, como no Canadá, nos Estados Unidos e na Europa, passam meses com o solo coberto por neve e gelo durante o inverno rigoroso e isso interrompe o ciclo de espécies invasoras. “No Brasil, há realmente uma intensidade de pragas na agricultura muito maior. Ao mesmo tempo, temos uma biodiversidade grande que nos ajuda no controle.”
Segundo Marco Von Zuben, engenheiro agrônomo e diretor executivo da Andef, o manejo fitossanitário é importante porque as perdas podem chegar facilmente a 40% da produtividade de uma lavoura. “Os defensivos químicos ainda são a principal ferramenta para controle de pragas, mas já existem outras como a biotecnologia e defensivos biológicos”, observa.
O tipo de agrotóxico mais utilizado no Brasil e no mundo é o herbicida a base de glifosato. Foram comercializadas 173 mil toneladas deste ingrediente ativo em 2017 no país, aplicadas, por exemplo, em plantações de soja, milho, café, arroz, banana, maçã e mamão. Descoberta em 1970 pelo químico John Franz, da Monsanto, a molécula entrou no mercado global em 1974.
Em março de 2015, a Agência Internacional para Pesquisas em Câncer (IARC, na sigla em inglês), da ONU, classificou o glifosato como “provável carcinogênico para humanos”. A Anvisa atualmente reavalia o glifosato. Técnicos da agência concluíram que o produto “não se enquadra nos critérios proibitivos previstos na legislação”, porque “não foi classificado como mutagênico, carcinogênico, tóxico para a reprodução e teratogênico (que causa malformação fetal)”. Por outro lado, identificaram resíduos do agrotóxico em 906 amostras de arroz, manga e uva nos últimos dois anos. Das 22.704 amostras de água analisadas de 2014 a 2016, apenas 0,03% apresentavam níveis de glifosato acima do permitido. Entretanto, o volume da substância aceitável no Brasil (500 µg/L) é 5 mil vezes maior do que na União Europeia (0,1 µg/L).
A consulta pública da Anvisa sobre o tema terminou no início de julho. Das 4,5 mil participações, 50,02% das pessoas ou instituições pediam a proibição do glifosato por causar danos à saúde humana. A agência decidirá se realiza alterações no uso ou proíbe a molécula.
Nas aprovações deste ano, 13 produtos são a base de glifosato.Marina Lacôrte, também destaca o 2,4-Daltamente tóxico, segundo mais consumido no Brasil (57 mil toneladas em 2017) e ao qual a IARC atribui indícios de ser cancerígeno; o acefato, quarto mais utilizado e que pode impactar na fertilidade masculina; o glufosinato de amônio, considerado tóxico em alguns países por afetar a reprodução humana; o tidiocarbe, banido na União Europeia e considerado letal se inalado, além de bastante tóxico para organismos aquáticos; o clorpirifós, que pode causar distúrbios de desenvolvimento infantil e está relacionado à diminuição do QI. Na última leva, dois ingredientes associados à mortandade de abelhas foram aprovados: o sulfoxaflore os neonicotinóides. A ministra da agricultura, Teresa Cristina, admitiu em abril que o sulfoxaflor pode ter sido responsável pela morte de meio bilhão de abelhas no Brasil entre janeiro e março deste ano.
Desde 2006, 16 produtos foram reavaliados e 12 foram retirados do mercado. Dos quatro mantidos, três passaram a ter restrições de dose e uso. Segundo a Anvisa, 97 ingredientes ativos estão banidos no país e um, o paraquate, será proibido a partir de 22 de setembro de 2020.
“Hoje, é possível simplesmente eliminar o agrotóxico da agricultura no mundo? Não. Mas, por natureza, são de fato produtos tóxicos e têm que ser utilizados da forma correta”
POR MARCELO MORANDIPESQUISADOR EMPRABA MEIO AMBIENTE

Mitigação de danos

“Hoje, é possível simplesmente eliminar o agrotóxico da agricultura no mundo? Não. Mas, por natureza, são de fato produtos tóxicos e têm que ser utilizados da forma correta”, observa Morandi. Para isso existem as técnicas do manejo integral de pragas, desde o correto preparo de solo e da parte nutricional com fertilizantes a técnicas de controle biológico e químico. Na visão dele, as boas práticas resultam em um risco praticamente zero. “A recomendação de agrotóxicos é uma ferramenta, não é a única forma nem o método que deve ser usado em qualquer situação, apenas quando realmente necessário.”
Desde 2006, a Embrapa aplica esses conceitos na produção integrada de morango em Atibaia e Jarinu, no interior de São Paulo. Geralmente, o morango é praticado por agricultores familiares em pequenas áreas e com alta intensidade. Portanto, é muito suscetível à ocorrência de pragas, explica Morandi. “Nessa região, com educação, formalização, correta assistência aos produtores e normatização dos processos, o morango chegou às prateleiras sem resíduos nem problemas de contaminação. Conseguimos 50% de queda na necessidade de agrotóxicos.”
Para Von Zuben, da Andef, uma forma de mitigar os riscos dos agrotóxicos à saúde é seguir as recomendações de rótulo e bula, em que constam as pragas que determinado produto controla, as culturas onde pode ser usado, condições de aplicação, dose, forma, época, equipamento, frequência, necessidade ou não de aplicação, restrição em termos de período, intervalo de segurança, etc. “Além disso, os produtos só são comercializados e utilizados mediante a emissão de um receituário agronômico”, acrescenta. “A indústria, cooperativas e distribuidores também realizam a capacitação dos produtores.”
Morandi considera que há falhas na assistência técnica aos agricultores, assim como na fiscalização para coibir quem obtém ilegalmente o receituário agronômicoPara o pesquisador, a aplicação inadequada dos agrotóxicos é a principal causa de intoxicações e deriva do produto – quando a substância é transportada pelo vento para além da área-alvo da plantação.
Entre os 290 produtos aprovados neste ano, 139 são muito perigosos (classe II) e 127 são perigosos (classe III) ao meio ambiente. Degradação do solo, contaminação da água e destruição da biodiversidade são os principais impactos ambientais, pontua Lacôrte. Levantamento da Agência Pública e do Repórter Brasil identificou que, nos primeiros três meses de 2019, 500 milhões de abelhas foram encontradas mortas no Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. As abelhas e outros insetos são polinizadores importantes para a agricultura. “Isso vai interferir na nossa capacidade de produzir no futuro, o que pode afetar nossa economia, sobrevivência e bem-estar.”
“Existe uma objeção à presença dessas pessoas [de comunidades rurais] e a dispersão de agrotóxicos serve, muitas vezes, como forma de intimidação”
POR MARIA LAURA CANINEUDIRETORA NO BRASIL DO HUMAN RIGHTS WATCH

Saúde pública

O Ministério da Saúde registrou 4.003 casos de intoxicação aguda por agrotóxicos em 2017 – quase 11 por dia – e 148 mortes. De 2015 a 2017, foram confirmados 1.141 casos de intoxicação crônica. Entretanto, especialistas da saúde reconhecem que os dados são subnotificados, uma vez que 32% dos municípios considerados prioritários não apresentaram casos de intoxicação por pesticidas entre 2007 e 2015. A Organização Mundial da Saúde estima que, para cada caso de intoxicação aguda por agrotóxicos notificado, outros 50 não foram registrados.
Professora na Faculdade de Medicina na Universidade Federal de Cariri, no Ceará, e pesquisadora da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Ada Cristina Pontes Aguiar considera que os profissionais da saúde geralmente não estão preparados para fazer um histórico clínico ocupacional dos pacientes. “Se avaliarmos as doenças crônicas, esse problema é ainda maior. Não perguntam qual é o emprego, a que riscos o paciente está exposto. Sem diagnóstico não há notificação e não se torna um problema de saúde pública”, observa.
Agricultores e moradores de comunidades rurais são os principais impactados pela intoxicação, “mas no Brasil não podemos dizer que algum grupo está isento”, afirma Aguiar. “Mesmo nos grandes centros urbanos, os consumidores também são afetados ao ingerirem água, frutas, verduras e até mesmo produtos industrializados.”
O Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), da Anvisa, monitora a presença de 232 tipos de pesticidas em 25 alimentos. Conforme o último relatório, das 12 mil amostras analisadas de 2013 a 2015, aproximadamente 20% continham resíduos que excederam os níveis permitidos por lei ou apresentavam agrotóxicos não autorizados para a cultura em que foi identificado. O programa, contudo, não analisa resíduos de glifosato e 2,4-D, os agrotóxicos mais utilizados no país, porque demandam métodos de análises diferentes.
Aguiar explica que os sintomas da contaminação aguda surgem de 24 a 72 horas após a exposição à substância: diarreia, febre, mal-estar, vômito, dores na cabeça e abdómen. A intoxicação crônica, por sua vez, é fruto da exposição a doses baixas por um longo período de tempo e também é influenciada por questões genéticas, familiares, alimentares ou predisposições individuais e coletivas. “Depois de cinco a 20 anos, o paciente pode apresentar problemas neurológicos, câncer, doenças no fígado, desregulações endócrinas, malformações congênitas, puberdade precoce. Inclusive, estudos têm mostrado relações dos agrotóxicos com Parkinson, Alzheimer e síndrome metabólica.”
De julho de 2017 a abril de 2018, o Human Rights Watch (HRW) documentou os impactos da deriva de agrotóxicos em sete comunidades e escolas rurais, quilombolas, indígenas no Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Bahia, Minas Gerais e Paraná. “Em todos os lugares, o impacto era o mesmo: intoxicação aguda de uma forma recorrente após a dispersão dos agrotóxicos”, diz Maria Laura Canineu, diretora do escritório do Brasil do HRW. “Documentamos crianças, adolescentes, estudantes, professores, pessoas do campo que realmente sofrem todo dia. Às vezes, várias pessoas da mesma comunidade são internadas. Mas o que impera nessas comunidades é o medo de denunciar, primeiro porque muitas vezes elas dependem do negócio.”
Enquanto os pesquisadores visitavam uma comunidade rural, ocorria uma dispersão aérea de pesticidas a menos de 500 metros de distância – o limite permitido por lei. Moradores também relataram e mostraram vídeos de dispersão sobre suas casas. “Existe uma objeção à presença dessas pessoas e a dispersão de agrotóxicos serve, muitas vezes, como forma de intimidação”, observa Canineu. “O que buscamos com o relatório é expôr essa situação e a responsabilidade do estado de fiscalizar e proteger essas pessoas.”
“Hoje existe uma enorme isenção de impostos para a indústria de agrotóxicos. Temos que dar isenção para alimentos que não usam esse tipo de substânciax”
POR MARINA LACÔRTE, COORDENADORA DA CAMPANHA DE AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO DO GREENPEACE BRASILCOORDENADORA DE AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO GREENPEACE BRASIL

Mudanças na legislação

“Um produto novo, para ser aprovado no Brasil hoje, leva em média oito anos. Em países como Estados Unidos, Canadá, Austrália e Argentina leva-se em torno de dois anos e meio”, compara Von Zuben.
Para Canineu, a resposta para dar mais celeridade à análise dos produtos consiste no fortalecimento da estrutura da Anvisa e do Ibama. “O processo tem que ser transparente e fortalecido no sentido de que o foco deve ser o direito à alimentação adequada, ao meio ambiente saudável, à água potável, e não o interesse da indústria.”
Ada Aguiar acredita que a legislação, em vigor desde 1989, é protetiva do ponto de vista da saúde humana. No papel, estabelece critérios de corte que impedem a aprovação de agrotóxicos que tenham relação com câncer, malformações congênitas e alterações genéticas. “Mas existe uma distância grande entre o que está na Lei e o que acontece na prática”, pondera. Para Aguiar, não há estrutura para monitorar todos os produtos, o que resulta na intoxicação aguda e crônica da população e contaminação do meio ambiente.
A Anvisa estabelece os limites máximos de resíduos nos alimentos e as doses de ingestão diária aceitável. Lacôrte, contudo, acredita que os mecanismos ainda não são eficazes. “Não dá para dizer que é seguro, porque você não ingere só um morango por dia. Ingerimos o dia todo pela água e por vários alimentos.”
Atualmente há dois projetos na Câmara dos Deputados: o PL 6.299/2002, mais favorável ao uso de agrotóxicos; e o PL 6670/2016, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA). Os dois PLs foram aprovados em comissões especiais e estão prontos para votação no Plenário. Não há previsão de quando entrarão na pauta da casa.
Entre as muitas alterações na legislação atual, o PL 6.299 estabelece um prazo máximo de 24 meses para a aprovação de um agrotóxico. Caso não haja aprovação ou recusa neste período, o produto ganharia um registro temporário se já tiver sido aprovado em três países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. “Isso endereça o tema da demora do processo atual, mas mantém o rigor científico”, acredita Von Zuben. Outro ponto é a adoção da avaliação de risco recomendada pela ONU. Em vez de analisar o perigo intrínseco a determinada molécula – como propriedades cancerígenas –, a Anvisa levaria em conta o impacto que traria em determinadas condições de aplicação. Apenas produtos com “risco inaceitável” não seriam aprovados. “O fato de uma molécula ter inicialmente característica preocupante não significa que o uso não seja seguro”, defende Von Zuben.
Não é possível prescindir do uso de agrotóxicos da noite para o dia, avalia a professora Ada Aguiar. “Muitos agricultores querem produzir alimentos que chegam às nossas mesas sem veneno. Mas, para isso, precisam de financiamento, assistência técnica, apoio do poder público para realizar essa transição.” Para ela, o PL 6.299 visa o oposto e permitiria a “entrada de substâncias ainda mais perigosas à saúde humana, ampliaria o uso e dificultaria o monitoramento e vigilância”.
Já o PNARA estabeleceria uma transição agroecológica gradual, por meio de incentivos à redução do uso de pesticidas por meio de políticas públicas, explica Lacôrte. “Hoje existe uma enorme isenção de impostos para a indústria de agrotóxicos. Temos que dar isenção para alimentos que não usam esse tipo de substância, ou que cuidam e conservam melhor os recursos e, portanto, são sustentáveis de fato.”
Para Morandi, da Embrapa, unificar o processo de registro em um único protocolo, conforme proposto pelo PL 6.299, traria mais celeridade. Por outro lado, considera que “todo projeto que visa racionalizar o uso, seja de agrotóxico ou de qualquer outro tipo de insumo, é muito bem-vindo”. Nesse sentido, avalia que a PNARA contribuiria à agricultura com o avanço do manejo integrado, da legislação de orgânicos e do aumento de registro de produtos biológicos.
Fonte: Kevin Damasio – National Geographic

Como eliminar 100 anos de emissões de carbono? Plantando árvores — muitas delas.

Uma área do tamanho dos Estados Unidos poderia ser dedicada ao reflorestamento com potencial para eliminar quase 100 anos de emissões de carbono, de acordo com um estudo inédito que determinou a quantidade de árvores que o planeta poderia comportar.

Publicado na revista científica Science, o relatório sobre “o potencial global de restauração de árvores” demonstrou que existe área adequada suficiente para aumentar a cobertura florestal mundial em um terço sem afetar as cidades existentes ou a agricultura. Entretanto a quantidade de área terrestre adequada reduz à medida em que aumenta o aquecimento global. Mesmo se o aquecimento global ficar limitado a 1,5 grau Celsius, a área disponível para restauração florestal pode ser reduzida para um quinto até 2050, pois o clima ficaria muito quente para algumas florestas tropicais.
“O nosso estudo mostra com clareza que a restauração florestal é a melhor solução disponível atualmente contra as mudanças climáticas”, conta Tom Crowther, pesquisador do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, principal autor do estudo.
Isso não muda em nada a fundamental importância de proteger as florestas existentes e eliminar os combustíveis fósseis, já que levaria décadas para o desenvolvimento de novas florestas, disse Crowther em uma declaração.
“Se agirmos agora, o dióxido de carbono emitido na atmosfera poderia ser eliminado em 25%, para níveis equivalentes aos de um século atrás”, ele diz.
Mais de cem anos seriam necessários para o desenvolvimento de florestas maduras a fim de se obter níveis aceitáveis de redução de carbono. No entanto, 40 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) provenientes da queima de combustíveis fósseis são liberadas na atmosfera todos os anos, afirma Glen Peters, diretor de pesquisa do Centro de Pesquisas Climáticas Internacionais da Noruega.
“A única forma de manter a temperatura abaixo de 1,5oC ou 2oC é cessar a emissão de combustíveis fósseis”, afirmou Peters por e-mail.
Isso significa que nenhuma infraestrutura que utilize combustíveis fósseis poderá ser construída e que algumas usinas elétricas precisarão ter as atividades interrompidas o quanto antes, com base em um importante estudo publicado na revista Nature em 1o de julho.
Com isso, a remoção de CO2 em grande escala por meio do reflorestamento ajudará a compensar as emissões de setores como a aviação, para os quais ainda não há alternativas disponíveis, e talvez ajudar na redução das temperaturas, segundo ele.

As árvores consomem carbono

As árvores — todas as plantas, na verdade — utilizam a energia da luz solar e, por meio do processo de fotossíntese, absorvem o dióxido de carbono (CO2) proveniente do ar e a água que provém da terra. Durante o processo de conversão para madeira, elas liberam oxigênio no ar. Além do CO2 capturado pelas árvores, elas também ajudam o solo a capturar quantias significativas de carbono.
Pesquisadores estudaram cerca de 80 mil fotografias em alta resolução tiradas por satélite de áreas protegidas em diversos ecossistemas para determinar o nível natural de cobertura florestal em cada uma. Essas imagens foram combinadas com o software de mapeamento Google Earth Engine para gerar um modelo preditivo e mapear a capacidade de cobertura florestal em todo o mundo.
O resultado mostrou que mais de metade do potencial de restauração de árvoresexiste em apenas seis países: Rússia (151 milhões de hectares); Estados Unidos (103 milhões); Canadá (78 milhões); Austrália (58 milhões); Brasil (50 milhões); e China (40 milhões). O alto potencial desses países se deve ao fato de eles já terem removido grande parte de suas florestas existentes, afirma o principal autor do estudo, Jean-Francois Bastin, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique.
“Todos podem plantar uma árvore e já podemos começar a fazer isso amanhã. O reflorestamento pode nos permitir ganhar tempo para que eliminemos as nossas emissões de carbono”, diz Bastin.
As plantações de árvores também podem armazenar carbono, contudo, elas não abrigam muitos animais selvagens, como os polinizadores, cujo declínio é preocupante, segundo ele.
“Na minha opinião, o nosso estudo demonstra que precisamos tratar as florestas como as melhores aliadas da humanidade para proteger o clima e nosso sistema de apoio à vida,” diz ele.

O potencial da África para plantação de árvores

Ter uma área terrestre adequada para a ampliação de florestas é apenas um dos fatores. A importância das florestas vai além da sua capacidade de absorver carbono. As florestas tropicais, por exemplo, estão localizadas onde vivem 90% de todas as espécies terrestres, afirma Robin Chazdon, ecologista da Universidade de Connecticut.
As mudanças climáticas não são o único desafio ambiental do planeta. No início deste ano, uma histórica avaliação global da ONU alertou que um milhão de espécies estão em risco de extinção, ameaçando os alicerces das nossas economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida.
Leva-se muito tempo para o desenvolvimento de uma nova floresta, portanto, é preciso oferecer um amplo leque de benefícios para os moradores locais e para a sociedade em geral, e não apenas a captura de carbono, comenta Chazdon. Em colaboração com 11 especialistas, ela utilizou as imagens em alta resolução capturadas por satélite e as mais recentes pesquisas revisadas por pares para classificar as regiões que oferecem os melhores benefícios em termos de captura de carbono, água, vida selvagem e outros benefícios, e que geram menos custos e apresentam menos riscos para o reflorestamento.
No total, eles identificaram mais de 100 milhões de hectares de florestas tropicais espalhadas pela América Central e do Sul, África e Sudeste da Ásia. Seus achados foram publicados em 03 de julho na revista científica Science Advances.
Os principais locais indicados para restauração florestal estão na África: Ruanda, Uganda, Burundi, Togo, Sudão Sul e Madagascar. O reflorestamento de algumas terras de cultivo marginais e áreas de pastagem identificadas gera grandes oportunidades de proteção a uma ampla diversidade de espécies a baixo custo e risco, ao mesmo tempo em que proporciona vários benefícios aos moradores locais com retorno financeiro satisfatório, explica Chazdon.

Diferentes caminhos, mesmo objetivo

A restauração florestal pode ocorrer de diversas formas — incluindo o plantio de árvores em pastos, a plantação de café ou cacau sob o dossel florestal e a inserção de vegetação ribeirinha em parques nacionais e áreas protegidas para desenvolvimento do turismo.
“Muitos moradores locais querem que esse tipo de coisa aconteça, mas eles precisam se envolver e se dedicar, ou não dará certo”, diz Chazdon.
Os povos indígenas e as comunidades locais possuem pelo menos metade do território mundial, incluindo grande parte das florestas tropicais. Os índices de desmatamento são bem menores em florestas onde as terras indígenas são reconhecidas.
“Nós atuamos como guardiões dessas terras há gerações… . Também sabemos como restabelecer a saúde delas,” diz Joan Carling, membro da tribo kankanaey nas Filipinas e um dos mediadores do Grupo Principal de Povos Indígenas para o Desenvolvimento Sustentável.
“Com a proteção das nossas terras e recursos, podemos evitar em nossos territórios o desmatamento, a mineração, o agronegócio, que são destrutivos, e outros projetos desse tipo”, afirma Carling por e-mail.
Essa proteção está ameaçada em diversas regiões, sendo a mais recente no Brasil. De acordo com relatórios recentes, o desmatamento da floresta Amazônica está aumentando sob o novo governo brasileiro. As imagens de satélite revelam que a área florestal desmatada consiste em perdas equivalentes ao tamanho de um campo de futebol a cada minuto. Em junho, a perda florestal foi 88% maior do que no último ano.
Diversos projetos internacionais foram promovidos para proteger as florestas existentes e plantar muitas outras, incluindo o Desafio de Bonn, no qual 59 países concordaram em restaurar 150 milhões de hectares de floresta até 2020 e 350 milhões de hectares até 2030.
Segundo a Declaração de Nova York sobre Florestas, os países se comprometeram em reduzir pela metade o índice de desmatamento até 2020 e cessar o desmatamento até 2030, além de restaurar milhares de hectares de terra degradada. Há também a Campanha de Um Trilhão de Árvores, que está mobilizando crianças em idade escolar e comunidades em todo o mundo e já plantou 13,6 bilhões de árvores desde 2007, ano em que o alemão de nove anos de idade, Felix Finkbeiner, lançou a ideia.
“Se não realizarmos mudanças essenciais, as condições humanas somente irão piorar”, disse Chazdon. “O reflorestamento pode solucionar diversos problemas”.
Fonte: Stephen Leahy – National Geographic