A proibição da caça do javali em São Paulo e a ditadura dos falsos protetores.
Governador de São Paulo sancionou lei que proíbe a caça de Javalis. Foto: Luiz Guilherme de Sá/Ibama.
Um projeto de lei que proíbe a caça “em todas as suas modalidades, sob qualquer pretexto, forma e para qualquer finalidade” no Estado de São Paulo deve ser sancionado nesta quinta-feira, 28, pelo governador Márcio França (PSB).
De autoria do deputado Roberto Trípoli (PV), o texto tem como objetivo limitar a caça de javalis, espécie exótica e invasora no País, cujo abate foi permitido por instrução normativa do Ibama de 2013. A justificativa é a ocorrência de eventuais abusos e maus-tratos na prática.
O projeto é questionado pelo setor produtivo, que argumenta que o fim da caça pode inviabilizar determinadas culturas no Estado, e a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) pediu veto à lei.
A instrução normativa do Ibama é uma exceção a uma lei federal de 1967 que já proíbe a caça no Brasil, com algumas permissões para peculiaridades regionais, e foi concedida ao se reconhecer o javali como uma espécie invasora nociva. De acordo com o Ibama, o animal hoje se expande por 650 municípios e 12 Estados mais o Distrito Federal e é um problema tanto para o ambiente quanto para a agricultura.
A prática, porém, é controversa. Por um lado, apesar desses números, o País não sabe exatamente o tamanho real do problema nem se o abate hoje realizado de fato está sendo efetivo para reduzir as populações do animal e o seu impacto.
Pela normativa, o caçador autorizado pelo Ibama tem de entregar um documento ao órgão ambiental informando quantos indivíduos foram abatidos. Entre 2013 e o fim de 2016, último dado disponível, foram mortos, segundo esses informes, 17.344 animais - cerca de um quarto em São Paulo. E há 31.136 pessoas cadastradas para fazer o manejo de fauna exótica invasora.
“Sabemos que os números estão subestimados, não mostram a realidade do País. Podem ser muito mais animais mortos, mas os manejadores relatam a burocracia para a entrega desses relatórios”, reconhece João Pessoa Riograndense, coordenador de Gestão da Biodiversidade, Florestas e Recuperação Ambiental do Ibama.
Por outro lado, há a suspeita de que o javali ou a variante “javaporco” (cruzamento da espécie exótica com a doméstica) tenha sido levado de propósito por caçadores para alguns lugares para serem soltos e, assim, haver a permissão de caça nesses locais.
Mensagens de Whatsapp colhidas pela fiscalização do Ibama também mostram uma orientação para não se matar fêmeas nem filhotes, o que aponta para a tentativa de alguns caçadores em manter o estoque de animais para manter a prática da caça. E vários vídeos revelam o uso de cachorros para a caça, o que não é permitido pelo Ibama.
“Muitas vezes também vemos que o controle está sendo usado para abrir a porteira para a caça de espécies nativas. Mas hoje esse controle é a ferramenta que temos”, diz Riograndense.
“Convertidos em alvo de caça, javalis são perseguidos, capturados e abatidos, ou diretamente executados, no chamado ‘manejo de controle’. Com o uso de armamento pesado, muitos são alvejados e agonizam, por dias, antes do óbito. Utilizados na maior parte das caçadas, cães são destroçados por aquela espécie, em uma luta sangrenta e desigual”, pontua o projeto de Trípoli. Pelo texto, esse controle fica limitado e não mais poderá ser realizado por pessoas físicas ou jurídicas não governamentais.
Críticas
“A proibição da caça do javali em São Paulo pode inviabilizar várias culturas”, afirma o agrônomo Rafael Salerno, da rede Aqui tem Javali, que monitora as ocorrências do animal pelo País e relatos sobre seus estragos em especial às culturas de milho, cana-de-açúcar, mandioca e amendoim.
A Faesp enviou um ofício ao governador pedindo o veto. “Restringir apenas aos órgãos governamentais as atividades de controle populacional significaria um retrocesso ao cenário anterior, ou seja, de total descontrole populacional, uma vez que tais órgãos se mostraram incapazes de se incumbir de tais medidas”, escreveu a organização.
Trípoli afirmou que a questão poderá ser resolvida com a regulamentação da lei. “Hoje saem para matar o javali e matam o que veem pela frente, bugio, preguiça, onça. Dei ao Estado o poder de controle, mas não entramos em detalhes, está aberto para discutir. O projeto não é um embate contra o agronegócio, mas a favor da fauna brasileira”, diz.
Projeto federal prevê abate de animais silvestres
Na direção oposta à lei paulista, tramita na Câmara dos Deputados um projeto que prevê a caça no País. Também usando como justificativa a expansão de javalis, o projeto de autoria do deputado Valdir Colatto (MDB-SC), ligado à bancada do agronegócio, institui a Política Nacional de Fauna.
Na prática, libera, além do abate da praga, também o de espécies silvestres - até mesmo dentro de unidades de conservação - quando consideradas uma ameaça à saúde pública ou nocivas à agropecuária. Autoriza ainda a caça esportiva, em fazendas de caça, e legaliza o comércio de animais silvestres.
O projeto, de 2016, começou a tramitar neste ano, mesmo depois de ter recebido um posicionamento contrário do Ministério do Meio Ambiente. Também foi rejeitado pelo relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o deputado Nilto Tatto (PT-SP), e por um grupo de cientistas e ambientalistas, que entregaram um dossiê com estudos mostrando os riscos do projeto. O texto foi retirado de pauta na semana passada e passará por audiência pública na próxima terça, dia 3.
Um projeto de lei que proíbe a caça “em todas as suas modalidades, sob qualquer pretexto, forma e para qualquer finalidade” no Estado de São Paulo deve ser sancionado nesta quinta-feira, 28, pelo governador Márcio França (PSB).
De autoria do deputado Roberto Trípoli (PV), o texto tem como objetivo limitar a caça de javalis, espécie exótica e invasora no País, cujo abate foi permitido por instrução normativa do Ibama de 2013. A justificativa é a ocorrência de eventuais abusos e maus-tratos na prática.
O projeto é questionado pelo setor produtivo, que argumenta que o fim da caça pode inviabilizar determinadas culturas no Estado, e a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) pediu veto à lei.
A instrução normativa do Ibama é uma exceção a uma lei federal de 1967 que já proíbe a caça no Brasil, com algumas permissões para peculiaridades regionais, e foi concedida ao se reconhecer o javali como uma espécie invasora nociva. De acordo com o Ibama, o animal hoje se expande por 650 municípios e 12 Estados mais o Distrito Federal e é um problema tanto para o ambiente quanto para a agricultura.
A prática, porém, é controversa. Por um lado, apesar desses números, o País não sabe exatamente o tamanho real do problema nem se o abate hoje realizado de fato está sendo efetivo para reduzir as populações do animal e o seu impacto.
Pela normativa, o caçador autorizado pelo Ibama tem de entregar um documento ao órgão ambiental informando quantos indivíduos foram abatidos. Entre 2013 e o fim de 2016, último dado disponível, foram mortos, segundo esses informes, 17.344 animais - cerca de um quarto em São Paulo. E há 31.136 pessoas cadastradas para fazer o manejo de fauna exótica invasora.
“Sabemos que os números estão subestimados, não mostram a realidade do País. Podem ser muito mais animais mortos, mas os manejadores relatam a burocracia para a entrega desses relatórios”, reconhece João Pessoa Riograndense, coordenador de Gestão da Biodiversidade, Florestas e Recuperação Ambiental do Ibama.
Por outro lado, há a suspeita de que o javali ou a variante “javaporco” (cruzamento da espécie exótica com a doméstica) tenha sido levado de propósito por caçadores para alguns lugares para serem soltos e, assim, haver a permissão de caça nesses locais.
Mensagens de Whatsapp colhidas pela fiscalização do Ibama também mostram uma orientação para não se matar fêmeas nem filhotes, o que aponta para a tentativa de alguns caçadores em manter o estoque de animais para manter a prática da caça. E vários vídeos revelam o uso de cachorros para a caça, o que não é permitido pelo Ibama.
“Muitas vezes também vemos que o controle está sendo usado para abrir a porteira para a caça de espécies nativas. Mas hoje esse controle é a ferramenta que temos”, diz Riograndense.
“Convertidos em alvo de caça, javalis são perseguidos, capturados e abatidos, ou diretamente executados, no chamado ‘manejo de controle’. Com o uso de armamento pesado, muitos são alvejados e agonizam, por dias, antes do óbito. Utilizados na maior parte das caçadas, cães são destroçados por aquela espécie, em uma luta sangrenta e desigual”, pontua o projeto de Trípoli. Pelo texto, esse controle fica limitado e não mais poderá ser realizado por pessoas físicas ou jurídicas não governamentais.
Críticas
“A proibição da caça do javali em São Paulo pode inviabilizar várias culturas”, afirma o agrônomo Rafael Salerno, da rede Aqui tem Javali, que monitora as ocorrências do animal pelo País e relatos sobre seus estragos em especial às culturas de milho, cana-de-açúcar, mandioca e amendoim.
A Faesp enviou um ofício ao governador pedindo o veto. “Restringir apenas aos órgãos governamentais as atividades de controle populacional significaria um retrocesso ao cenário anterior, ou seja, de total descontrole populacional, uma vez que tais órgãos se mostraram incapazes de se incumbir de tais medidas”, escreveu a organização.
Trípoli afirmou que a questão poderá ser resolvida com a regulamentação da lei. “Hoje saem para matar o javali e matam o que veem pela frente, bugio, preguiça, onça. Dei ao Estado o poder de controle, mas não entramos em detalhes, está aberto para discutir. O projeto não é um embate contra o agronegócio, mas a favor da fauna brasileira”, diz.
Projeto federal prevê abate de animais silvestres
Na direção oposta à lei paulista, tramita na Câmara dos Deputados um projeto que prevê a caça no País. Também usando como justificativa a expansão de javalis, o projeto de autoria do deputado Valdir Colatto (MDB-SC), ligado à bancada do agronegócio, institui a Política Nacional de Fauna.
Na prática, libera, além do abate da praga, também o de espécies silvestres - até mesmo dentro de unidades de conservação - quando consideradas uma ameaça à saúde pública ou nocivas à agropecuária. Autoriza ainda a caça esportiva, em fazendas de caça, e legaliza o comércio de animais silvestres.
O projeto, de 2016, começou a tramitar neste ano, mesmo depois de ter recebido um posicionamento contrário do Ministério do Meio Ambiente. Também foi rejeitado pelo relator do projeto na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o deputado Nilto Tatto (PT-SP), e por um grupo de cientistas e ambientalistas, que entregaram um dossiê com estudos mostrando os riscos do projeto. O texto foi retirado de pauta na semana passada e passará por audiência pública na próxima terça, dia 3.
Fonte: Felipe Pedrosa, Marcelo Osório Wallau e Clarissa Alves da Rosa, O Eco
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