sexta-feira, 31 de maio de 2019

O pequeno arquipélago que lidera a corrida global para usar hidrogênio como combustível.

Eu já vi milhares de bombas de gasolina na minha vida, mas este é meu primeiro encontro com uma estação de reabastecimento de hidrogênio.

Ele fica na beira de uma estrada nas Ilhas Orkney, um arquipélago na costa nordeste da Escócia, onde os moradores querem que seus carros, balsas e caldeiras funcionem com este tipo de combustível.
Quando nos aproximamos da estação, ela parece ser impressionantemente normal. Não há atendentes com trajes de proteção que cobrem o corpo inteiro, ruídos dignos de ficção científica ou sinais de néon para alerta. Apenas uma bomba comum à espera de ser usada.
Mas Adele Lidderdale, uma oficial do projeto de hidrogênio da prefeitura das ilhas Orkney, está um pouco nervosa: um dos sensores de sua van tem apresentado defeito ultimamente, diz ela, e pode não aceitar a mangueira de combustível. Ela conecta o bocal em sua van e volta a olhar a tela na outra extremidade. Parece ficar aliviada quando vê a indicação de que o processo de abastecimento começou.
Três minutos depois, o tanque está cheio, e nós partimos – tudo isso sem usar uma única gota de gasolina.
Desde que as Ilhas Orkney começaram a planejar sua economia baseada em hidrogênio, em 2016, nem sempre tudo correu tão tranquilamente. Quando cinco vans, incluindo esta, chegaram, em 2017, o arquipélago não tinha hidrogênio para abastecê-las, já que a produção ainda não estava em andamento.
Depois de conseguir carregar os tanques de abastecimento, os responsáveis encontraram outro problema: quem poderia consertar um veículo a hidrogênio quebrado em uma comunidade de 21 mil pessoas?
Em resposta aos desafios, os moradores contrataram um especialista para treinar um mecânico local, criaram novos programas educacionais para operadores de balsas e elaboraram regulamentos para atualizar a lei marítima para permitir o uso de hidrogênio em embarcações.
E não para por aí. Se tudo correr conforme o planejado, até 2021, estas ilhas terão a primeira balsa para carros e passageiros do mundo movida apenas por hidrogênio.
O arquipélago pode parecer um lugar improvável para tais aspirações de vanguarda. Mas, se conseguir fazer isso, pode inspirar outras comunidades a também dependerem menos de combustíveis fósseis. “Se podemos sonhar com dirigir um navio a hidrogênio, não há razão para que outros não sigam pelo mesmo caminho”, diz Lidderdale.

Uma fonte de energia limpa

Ao contrário da gasolina ou do diesel marítimo, a queima de hidrogênio não produz, por si só, quaisquer subprodutos prejudiciais ao meio ambiente.
Agora, enquanto dirigimos pela capital de Orkney, Kirkwall, o hidrogênio se combina com o oxigênio dentro da van para produzir uma reação elétrica que aciona o motor. A única emissão é água pura. Em outras palavras, não há poluição do ar nem emissões de gases de efeito estufa (como o dióxido de carbono), que contribuem para o aquecimento global.
Além dos carros, o hidrogênio poderia ser usado para aquecer edifícios, alimentar instalações elétricas, mover trens, balsas e navios de carga e em processos industriais.
Outro benefício é que se você produz muito hidrogênio, pode armazená-lo e transportá-lo em grande escala com relativa facilidade.
Como um consultor do instituto de pesquisa Bloomberg New Energy Finance escreveu em uma coluna publicada no ano passado, o hidrogênio “é uma das formas mais promissoras de se lidar com armazenamento de energia a longo prazo, muito além dos minutos, horas ou dias de autonomia que poderiam ser fornecidos por baterias”.
Mas produzir hidrogênio é complicado. Embora seja a substância química mais abundante no Universo, muito pouco dela está disponível como gás. Em vez disso, forma fortes ligações com outros elementos, como por exemplo, com o oxigênio, para criar água.
Você precisa quebrar essas ligações para “liberá-lo” para ser usado. Esse processo requer uma grande quantidade de eletricidade, que pode não vir de fontes “limpas” em si e que poderia estar sendo usada para outros propósitos, como em veículos elétricos.
Uma maneira mais barata de produzir hidrogênio envolve a captura e armazenamento de metano e carbono. Alguns especialistas argumentam que isso pode fazer mais sentido em larga escala, mas pode não ser tão simples.
No entanto, uma pesquisa publicada em fevereiro de 2019 na revista Nature aponta que o hidrogênio produzido usando eletricidade renovável pode ser competitivo em termos de custo em relação a metano e carbono em uma década.
Mas, para as Ilhas Orkney, o hidrogênio via eletricidade funciona bem. O arquipélago já possui uma das maiores frotas de veículos elétricos do Reino Unido.
E, mais importante, graças a fontes como energia das marés e das ondas, as Ilhas Orkney geram mais eletricidade limpa do que seus habitantes precisam. Mesmo depois de exportar o excedente para a rede nacional britânica, os ventos, ondas e marés das ilhas geram cerca de 130% da eletricidade de que sua população necessita.
Como é difícil armazenar eletricidade em grande escala – ainda não há baterias gigantescas para comunidades inteiras -, algumas turbinas eólicas precisam ser desligadas em certas ocasiões para evitar danos às linhas de energia do continente, que não podem ser modernizadas a um baixo custo.
Este corte irrita os moradores das ilhas, e também sai caro para as comunidades que investem em energia limpa. Eles preferem manter as turbinas em movimento ou, alternativamente, encontrar uma forma de usá-las. Então, os moradores tiveram uma ideia: e se usarmos energia limpa excedente para produzir hidrogênio?

Produzindo hidrogênio

O hidrogênio que Lidderdale bombeava para dentro do tanque de sua van vem da ilha de Eday, onde vivem cerca de 130 pessoas.
Eday tinha muita energia limpa e nenhuma maneira de usá-la A população havia investido em uma turbina eólica, na esperança de vender eletricidade à rede nacional do Reino Unido e lucrar com a revolução da energia verde.
Mas, no final daquele ano, a empresa operadora da rede anunciou que muitas novas turbinas haviam surgido no norte da Escócia e que não poderia absorver toda a energia limpa produzida, diz o prefeito das Ilhas Orkney, James Stockan.
A ilha também é o local onde o Centro Europeu de Energia Marinha (EMEC, na sigla em inglês), a principal instituição global de energia de marés, testa novas turbinas do tipo nas águas escocesas.
Com duas fontes confiáveis de energia limpa, a ilha se tornou um lugar ideal para começar a fabricar hidrogênio. Mas, antes de mais nada, os moradores do arquipélago queriam saber se poderiam produzí-lo em primeiro lugar.
Em setembro de 2017, uma pesquisa apoiada pelo governo escocês deu a resposta. Dentro de um contêiner verde do tamanho de um trailer, os cientistas passaram eletricidade através da água para dividir suas moléculas em hidrogênio e oxigênio em um processo chamado eletrólise.
O oxigênio foi liberado de volta à atmosfera. O hidrogênio foi cuidadosamente comprimido e armazenado em cilindros, usados primeiramente para uma aplicação bastante modesta: seu conteúdo foi convertido em eletricidade por meio de uma célula de combustível no porto de Kirkwall, para acender luzes em alguns dos navios do porto, bem como aquecer um salão frequentado por marinheiros.
Foi a prova de que se você tem muito vento em uma sexta-feira, pode criar hidrogênio com ele e usá-lo para ligar as luzes, aquecer um quarto ou ligar seu carro no domingo.
Depois disso, novos projetos começaram a surgir rapidamente. Uma segunda estação de eletrólise foi instalada na ilha de Shapinsay, bem como uma caldeira para uma escola e plantas para criar uma balsa híbrida. Enquanto isso, havia várias estações de recarga e cinco caminhões adaptados a hidrogênio. Mas havia metas ainda mais ambiciosas à frente.

Tecnologia pode ‘limpar’ uma indústria poluidora

Quando nossa balsa saiu do porto, o motor movido a diesel e pistões fez barulho, mas ninguém a bordo parecia se importar. Os cerca de uma dúzia de passageiros permaneceram conversando entre si ou navegando em seus telefones.
A ausência de incômodo diante desse ruído metálico toda vez que um motor é acionado significa que normalizamos a poluição sonora?
Inicialmente, vim às Ilhas Orkney por causa deste navio. Empresas e governos em todo o mundo estão pesquisando como usar o hidrogênio para limpar a poluidora indústria de transporte marítimo, que é responsável por mais de 2% de todas as emissões globais de dióxido de carbono.
Quando perguntei a um especialista da Fundação Europeia do Clima, uma organização sem fins lucrativos dedicada a políticas ambientais no continente, sobre a fronteira da navegação limpa, ele me disse para visitar o arquipélago.
Como um arquipélago de ilhas dispersas, Orkney depende do sistema de balsas. Médicos, bens, professores e membros de famílias viajam diariamente entre os portos, permitindo que exista um senso de comunidade.
Mas as balsas também consomem cerca de um terço dos combustíveis fósseis das Ilhas Orkney, dificultando sua ambição de se tornar um lugar mais verde. “Se você está procurando como livrar o setor marítimo do carbono, esta é uma ótima forma de fazê-lo”, diz John Clipsham, gerente para hidrogênio da EMEC.
A ilha de Shapinsay, para onde estamos indo, abriga pouco mais de 300 habitantes entre costas e colinas impressionantes. Ao lado do píer, Steve Bews, o presidente do Fundo Comunitário de Desenvolvimento de Shapinsay, espera por mim em uma van branca movida a gasolina.
Seguimos através do campo montanhoso até a turbina eólica que fica no topo de uma encosta. Construída em 2012, a turbina da comunidade criou renda suficiente para fornecer subsídios educacionais, comprar um táxi elétrico para serviços comunitários (não há táxis na ilha) e fundos para uma viagem extra da balsa para Kirkwall todas as noites.
Mas seu funcionamento é restringido, assim como sua lucratividade, porque Bews diz que, de outra forma, 36% de seu potencial seria desperdiçado.
Quando várias organizações se aproximaram há alguns anos atrás, procurando excedente de eletricidade para produzir hidrogênio em Shapinsay, o fundo concordou. “Temos muita eletricidade de fonte limpa, e isso faz sentido”, diz Bews.
A estação de eletrólise estava em construção em dezembro de 2018 e deve ficar pronta em 2019. Será capaz de produzir 500 kg de hidrogênio por dia, aproximadamente a demanda diária do serviço de balsa de Kirkwall para Shapinsay, caso ele se torne operacional.
As pessoas em Shapinsay conseguem vender o excedente de eletricidade e recebem um aquecimento mais barato para seus filhos: uma caldeira de hidrogênio ao lado da escola local aquece suas salas de aula.
Um tempo depois, Bews me deixa novamente no cais. Uma vez a bordo, a balsa sai de Shapinsay com seu ruído metálico do transporte do século 20. Eu me pergunto se seus dias são contados.

A jornada à frente

Mesmo que os dias de diesel marítimo tenham um prazo de validade, não prenda sua respiração esperando por isso. O plano de Orkney é um protótipo. O resto do mundo levará anos ou décadas para seguir pelo mesmo caminho.
Ainda assim, os primeiros passos são promissores. O trabalho no projeto de balsa já está em andamento em Port Glasgow, onde fica o estaleiro parceiro Ferguson Marine. Enquanto isso, um projeto californiano chamado Water-Go-Round promete ter uma balsa de hidrogênio funcionando ainda este ano.
Um programa conjunto sueco-norueguês está explorando como a tecnologia de célula combustível pode mover embarcações maiores, e uma gigante japonesa anunciou planos de ter um navio de 200 metros de comprimento com emissões zero até 2050.
No nível político, a Organização Marítima Internacional (OMI) concordou, em abril de 2018, em reduzir as emissões de gases de efeito estufa do setor. Os países reunidos na sede da OMI em Londres prometeram fazer cortes de 50%, até 2050, em comparação com os níveis de 2008.
É uma grande mudança para qualquer comunidade fazer. Da casa em que fiquei em Stromness, a segunda cidade mais populosa das Ilhas Orkney, pude ver Flotta, uma pequena ilha conhecida por seu terminal de petróleo. A certa altura, foi o segundo maior a atender o Mar do Norte britânico.
Comparado ao otimismo da ilha em relação à energia limpa, o terminal é uma presença sinistra – tanto uma relíquia do passado quanto uma lembrança de como os combustíveis fósseis estão entrelaçados no tecido social atual.
Caron Oag, diretora de marketing para hidrogênio da EMEC, contou que seu pai trabalhou no terminal de petróleo durante anos. É uma história ouvida em todas as ilhas. “Muitas pessoas da minha geração cresceram em lares onde a renda vinha da indústria de petróleo”, disse Oag.
Como muitos jovens do arquipélago, ela sentiu que sua terra natal oferecia poucos caminhos profissionais e se mudou para o exterior para trabalhar e estudar.
Mas isso mudou. A indústria de energia limpa está agora dando aos jovens das Ilhas Orkney novas opções profissionais além da agricultura e dos combustíveis fósseis. “Meu trabalho é um bom exemplo de como estamos criando novas oportunidades”, diz Lidderdale, que trabalhou para o EMEC entre 2012 e 2016.
Muitas pessoas das Ilhas Orkney parecem orgulhosas da sofisticação de suas tecnologias. Mas parecem ter ainda mais orgulho da capacidade de fornecer empregos de qualidade para seus jovens profissionais. O potencial da indústria até mesmo está atraindo pessoas de fora dali.
Talvez as Ilhas Orkney possam fornecer um rumo para outras pequenas comunidades que estão vagamente conectadas a capitais nacionais ou regionais. Talvez a transição para longe dos combustíveis fósseis abra uma janela de oportunidade para estas regiões.
“Existem milhares de ilhas no mundo”, diz o prefeito Stockan. Ele sonha com um mundo livre de carbono, onde as ilhas assumam a dianteira, em vez de ser um reflexo tardio de novas políticas.
“Temos uma commodity exportável (com o hidrogênio) que podemos compartilhar com elas para que não sejam as últimas – mas as primeiras – a conseguir fazer isso.”
Fonte: BBC

As memórias da antiguidade presas nas geleiras ao redor do mundo.

Em meio ao zumbido de máquinas em um laboratório abarrotado na Suíça, François Burgay fala do “céu aberto” sobre o Mont Blanc, o monte mais alto dos Alpes e o maior da Europa. “A 4.200 metros acima do nível do mar, você nunca imaginaria que a noite fosse tão clara”, diz ele. É a ausência de poluição luminosa da Terra que dá ao céu essa característica única.

“Acho que posso falar por muitos dos meus colegas quando digo que para fazer este trabalho você precisa ser essencialmente um explorador”, diz Burgay sorrindo.
O homem é glaciologista, ou seja, um estudioso de geleiras na Universidade Ca’ Foscari de Veneza, na Itália. Ele acampou durante uma semana em agosto de 2016 no icônico pico que separa o país da França. Foi a primeira missão de campo que fez na carreira.
Como parte de um projeto chamado Ice Memory (ou Memória de Gelo, em tradução livre), ele esteve no local para coletar amostras de gelo do glaciar Col du Dome, posteriormente armazenadas no laboratório em Grenoble, na França.
Um dia, esperam os pesquisadores, parte desses núcleos de gelo será levada à Antártida, onde cofres feitos sob medida com neve vão preservar por séculos o conhecimento contido neles.
Após esta primeira missão, a equipe encarou a montanha Illimani na Bolívia, desta vez alcançando uma geleira ao lado de um pico de 6.300 metros de altitude e coletando núcleos que precisaram ser transportados a pé, já que não havia helicópteros disponíveis.
O monte Kilimanjaro, na Tanzânia, é o próximo da lista, com uma expedição planejada para o final deste ano, e mais geleiras ameaçadas virão em seguida, à medida que novos parceiros internacionais aderirem à iniciativa franco-italiana.

Corrida contra o tempo

Pesquisas mostram que as geleiras do mundo têm diminuído dramaticamente há algum tempo, provavelmente devido a mudanças climáticas provocadas pelo homem. O Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) das Nações Unidas estima que, se o aquecimento global continuar nesse ritmo, a maior parte da cobertura de gelo do planeta poderá ser perdida até o final do século, com exceção das camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida.
“As geleiras do mundo estão literalmente desaparecendo sob nossos pés”, diz Carlo Barbante, um paleoclimatologista também da Universidade Ca’ Foscari e um dos fundadores do projeto Ice Memory. Para 1,5 bilhão de pessoas que dependem das geleiras para beber água e fazer irrigação, essa é uma situação catastrófica. Mas o gelo também oferece um mundo de informações.
“Nós muitas vezes nos concentramos nas ameaças imediatas trazidas pelo derretimento do gelo, como a falta de água em áreas vulneráveis ​​como o subcontinente indiano”, diz Barbante. “Mas, como cientistas que estudam o gelo como um arquivo, entendemos que também estamos perdendo informações fundamentais. Sentimos que precisávamos fazer alguma em relação a isso.”
Juntamente com climatologistas franceses e glaciologistas, Barbante e sua equipe partiram para resgatar amostras de gelo das geleiras do mundo. Cada núcleo de gelo representa um arquivo precioso da história que se estende por milhares de anos até o passado.
Presos no gelo estão minúsculas bolhas de gás, partículas de poeira, pólen e até minúsculos organismos que podem fornecer uma janela fundamental para o estudo de eventos que aconteceram antes de os registros humanos começarem.
Atualmente, os pesquisadores extraem um metro por vez dos núcleos de gelo, perfurando a superfície da geleira, realizando uma primeira análise visual do núcleo antes de prepará-lo para o transporte em contêineres que normalmente têm 10 cm de largura.
Esse processo é repetido centenas de vezes à medida que os pesquisadores vão cada vez mais fundo para capturar camadas mais antigas de gelo, chegando a atingir profundidades extremas, de até 900 metros.
À medida que eles cavam, cada metro de gelo se mostra mais comprimido pelo peso das camadas de cima, o que significa que conserva produtos químicos e outras partículas acumuladas por períodos mais longos.

Análise detalhada

No laboratório, os núcleos são limpos e as amostras são derretidas lentamente em um ambiente controlado, para que os glaciologistas possam analisar a água e identificar nela metais ou gases, como o dióxido de carbono.
“O gelo também funciona como um paleotermômetro”, diz Burgay. “Ele registra as temperaturas do ambiente onde uma certa cobertura de neve caiu em algum momento.”
Usando essas informações, os pesquisadores podem reconstruir a evolução do clima da Terra ao longo de milênios, fornecendo informações valiosas que os cientistas podem usar para ‘reproduzir’ as mudanças climáticas.
As máquinas no laboratório de Burgay, por exemplo, estão atualmente buscando vestígios de ferro em partes de gelo com 6.000 anos de idade, extraído de um núcleo da Groenlândia. Os níveis mínimos de metal podem dar pistas sobre a atividade vulcânica antiga que lançou poeira metálica na atmosfera.
Após a limpeza, os núcleos restantes são preparados para armazenamento de longo prazo no repositório.
“Pode-se argumentar que os núcleos de gelo estariam seguros em uma geladeira comercial em Veneza ou Paris”, diz Barbante.
“Mas não estamos pensando a curto prazo. Nós não podemos prever se daqui a 200 anos alguém ainda vai poder pagar a conta de energia”. A história, segundo ele, mostra como conflitos e mudanças de prioridade de pesquisas, além dos desastres naturais, dificultam a previsão de futuro de qualquer empreendimento científico de longo prazo.
Isso tem levado os cientistas a buscarem uma solução mais definitiva.
“A Antártica é o lugar mais seguro para armazenar as amostras”, diz Barbante, “Primeiro, porque é uma geladeira natural, com temperaturas médias anuais em torno de -50ºC, e também porque não pertence a nenhum país específico. É a região ideal para empreendimentos científicos pacíficos”.
Assinado em 1959 e em vigor desde 1961, o Tratado da Antártida reúne 53 países ativos na região, estipulando que o território “será utilizado apenas para fins pacíficos” e que “observações científicas e resultados dos experimentos na Antártida serão compartilhados e disponibilizados gratuitamente”.
Enquanto o tratado for mantido, diz Bess Koffmann, geóloga da Universidade do Maine, nos EUA, a Antártica continuará sendo um lugar seguro. O documento, porém, deve ser renegociado daqui a 30 anos.
“Há sempre o risco de um país se recusar a assinar o acordo para tirar proveito dos recursos inexplorados da região, como os minerais”, alerta Koffmann.
Criar um santuário para o gelo que está desaparecendo também pode oferecer benefícios inimagináveis ​​hoje. À medida que novas ferramentas e tecnologias vão ficando disponíveis, isso pode permitir aos cientistas abrir novas janelas para desbravar o passado do planeta, e talvez até estudar vírus e bactérias antigos preservados no gelo.

Tecnologia

“As tecnologias evoluíram rapidamente nas últimas décadas, e nós agora estamos fazendo medições que nem sonhávamos serem possíveis há 30 ou 40 anos”, diz Koffmann.
Um dia, diz Barbante, as técnicas de imagem serão tão avançadas que “vamos poder analisar os núcleos sem nem precisar tocá-los”.
“Mas, para chegar a esse ponto, é essencial construir repositórios enquanto ainda podemos”, diz Emma Smith, glaciologista e geofísica do Instituto Alfred Wegener, em Bremerhaven, Alemanha. “Estamos perdendo nossas geleiras muito rapidamente, e, sem arquivar as informações que elas contêm, simplesmente não estamos nos dando a chance de entender as mudanças que podem acontecer no futuro.”
Os cientistas geralmente se concentram no gelo polar porque é onde eles podem descobrir os registros mais antigos, diz Smith. “Mas se você observar os núcleos de gelo regionais de geleiras menores, poderá ver mudanças em uma escala muito menor”. Isso significa criar uma imagem detalhada dos climas locais, o que não seria possível analisando somente o gelo polar.
A equipe do Ice Memory espera ter uma grande variedade de amostras prontas para serem armazenadas na Antártida até 2020, em um cofre construído sob medida perto da estação de pesquisa franco-italiana Concordia.
Os pesquisadores planejam empregar um método que foi testado com sucesso na Groenlândia, que envolve escavar um fosso e inserir nele um balão inflável que será usado como molde para o depósito.
“Em seguida, colocamos a neve que havíamos removido para criar o fosso de volta na estrutura e esperamos ela endurecer por alguns dias”, explica Barbante. O balão é então esvaziado nesse ponto e pode ser facilmente removido.
“Dessa forma, criamos uma estrutura natural de baixo custo e sem impacto ambiental.”
Barbante admite que depois de uma ou duas décadas a estrutura provavelmente vai diminuir sob o peso de mais neve caindo sobre ela. “Mas os núcleos podem ser movidos com relativa facilidade para uma nova estrutura construída da mesma maneira”, acrescenta.
O projeto já conquistou o apoio da Unesco, e Barbante diz que um número crescente de equipes, incluindo de países como Rússia, Estados Unidos e China, já está coletando material extra durante suas expedições independentes, para que possam contribuir com o projeto no futuro.
De acordo com projeções atuais, não importa o que façamos agora para reduzir as emissões globais de gases do efeito estufa, muitas das geleiras do mundo têm pouca esperança de sobreviver além de algumas gerações humanas, com parte delas perdendo um terço de seu gelo no próximo século. Logo, essas poucas centenas de metros de núcleos de gelo poderão ser tudo o que restou da informação antiga armazenada no gelo.
Os esforços de alguns destemidos exploradores que se aventuram nas montanhas para coletar esses núcleos estão ajudando a garantir que os segredos contidos neles estejam disponíveis para as próximas gerações decifrarem.
Fonte: BBC

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Huemul, cervo em risco de extinção, é avistado na Patagônia chilena.

Uma equipe de cientistas conseguiu registrar pela primeira vez uma dezena de huemuls, um cervo em risco de extinção, em uma zona do norte da Patagônia chilena onde nunca haviam sido avistados, uma descoberta que dá esperanças para sua preservação.

Moradores da bacia do rio Puelo, na região de Los Lagos, relataram ter observado espécimes de huemul nos últimos meses, um fato que até agora só parecia um mito, já que sua presença no local nunca havia sido confirmada por imagens.
Alertadas por estes relatos, as ONGs Corporación Puelo Patagonia e Tompkins Conservation, junto com a National Geographic Society, organizaram uma primeira expedição em setembro do ano passado na que instalaram câmeras, que uma vez revisadas evidenciaram a descoberta surpreendente.
“Nesta zona nunca se havia falado da presença do huemul, inclusive autoridades punham em dúvida sua existência. É muito relevante ter imagens e poder divulgá-las”, disse à AFP Cristián Saucedo, administrador do Programa de Vida Silvestre da Tompkins Conservation, a organização criada pelo bilionário americano Douglas Tompkins.
Após quatro expedições, a última delas em abril, as câmeras obtiveram imagens de diferentes huemuls adultos, machos, fêmeas e de filhotes sendo amamentados, “uma descoberta muito importante, sobretudo considerando que é uma espécie em perigo extremo”, afirmou Andrés Diez, coordenador de projetos da Puelo Patagonia.
Os huemuls vivem nas montanhas, a uma altitude de entre 1.600 e 1.800 metros, uma zona que não é a ideal para sua sobrevivência. Esta descoberta surpreendeu os especialistas, pois significa que conseguiram se adaptar a este lugar onde há escassez da erva com que se alimentam, sobretudo no inverno, quando devem se mover para zonas mais baixas.
Atualmente, os huemuls (Hippocamelus bisulcus) se encontram principalmente na cordilheira dos Andes, em regiões do centro do Chile. Mas também foram encontrados exemplares em zonas inóspitas da região de Magallanes (2.200 km ao sul de Santiago).
O avistamento dá esperanças aos cientistas, que a partir desta descoberta esperam propor estratégias para sua conservação nessa zona.
Fonte: AFP

O pior acidente nuclear da história transformou Chernobyl em algo que ninguém esperava.

Em 26 de abril de 1986, o reator número quatro da Usina Nuclear de Chernobyl sofreu uma explosão durante um teste técnico na então União Soviética, atual Ucrânia.

Como resultado desse acidente, mais de 400 vezes mais radiação foi emitida na região do que a liberada pela bomba atômica derrubada pelos americanos na cidade japonesa de Hiroshima em 1945.
Até hoje, Chernobyl é o maior acidente nuclear da história. O trabalho de descontaminação começou imediatamente após o desastre. Uma zona de exclusão foi criada em torno da fábrica e mais de 350.000 pessoas foram evacuadas. Elas nunca mais voltaram. Severas restrições ao assentamento humano permanente ainda estão em vigor hoje. Isso pode ser, inclusive, uma das razões pelas quais a área tem prosperado.

O acidente

O acidente teve um grande impacto na população humana. As estimativas do número de mortes variam muito. Embora não existam números conclusivos, a perda de vidas humanas e consequências fisiológicas foram enormes.
O impacto inicial no meio ambiente também foi importante. Uma das áreas mais fortemente afetadas pela radiação foi a floresta de pinheiros perto da usina, conhecida desde então como “Floresta Vermelha”.
Esta área recebeu as maiores doses de radiação – os pinheiros morreram instantaneamente e todas as folhas ficaram vermelhas. Poucos animais sobreviveram aos níveis mais altos de radiação.
Sendo assim, logo após o acidente assumiu-se que a área se tornaria um deserto para a vida. Considerando o longo tempo que alguns compostos radioativos demoram para desaparecer do ambiente, a previsão era de que a área permanecesse desprovida de vida selvagem por séculos.

A surpresa

Hoje, 33 anos após a catástrofe, a zona de exclusão de Chernobyl, que abrange pedaços da Ucrânia e Belarus, é habitada por ursos marrons, bisontes, lobos, linces, cavalos-de-przewalski e mais de 200 espécies de aves, entre outros animais.
Em março de 2019, diversos grupos de pesquisa que estudam a fauna de Chernobyl se reuniram em Portsmouth, na Inglaterra, para apresentar os resultados mais recentes dos seus trabalhos – cerca de 30 pesquisadores do Reino Unido, Irlanda, França, Bélgica, Noruega, Espanha e Ucrânia.
Estes estudos incluíram trabalhos sobre grandes mamíferos, nidificação de aves, anfíbios, peixes, abelhas, minhocas, bactérias e folhas.
Os resultados indicam que a região abriga atualmente grande biodiversidade. Além disso, os cientistas confirmaram a falta geral de grandes efeitos negativos dos níveis atuais de radiação nas populações de animais e plantas que vivem em Chernobyl.
Todos os grupos estudados mantêm populações estáveis ​​e viáveis ​​dentro da zona de exclusão.

TREE

O projeto TREE (TRansfer-Exposure-Effects, liderado por Nick Beresford, do Centro de Ecologia e Hidrologia do Reino Unido) instalou câmeras de detecção de movimento em diferentes áreas da zona de exclusão, que ficaram ligadas por vários anos.
As fotos tiradas revelam a presença de fauna abundante em todos os níveis de radiação. As câmeras fizeram a primeira observação de ursos marrons e bisontes europeus dentro do lado ucraniano da zona, bem como o aumento no número de lobos e cavalos-de-przewalski.
O trabalho sobre anfíbios em Chernobyl também detectou populações abundantes em toda a zona de exclusão, mesmo nas áreas mais contaminadas.
Além disso, foram encontrados sinais que podem representar respostas adaptativas à vida com radiação. Por exemplo, as rãs dentro da zona de exclusão são mais escuras do que as rãs que vivem fora dela, o que é uma possível defesa contra a radiação.

Efeitos negativos

Vale mencionar que os estudos detectaram alguns efeitos negativos da radiação em um nível individual.
Por exemplo, alguns insetos parecem ter uma vida útil mais curta e são mais afetados por parasitas em áreas de alta radiação. Algumas aves também apresentam níveis mais elevados de albinismo, bem como alterações fisiológicas e genéticas quando vivem em localidades altamente contaminadas.
Mas esses efeitos não parecem afetar a manutenção da população de animais selvagens na área.

Impacto humano x nuclear

A ausência geral de efeitos negativos da radiação sobre a vida selvagem de Chernobyl pode ser uma consequência de vários fatores. Primeiro, a vida selvagem pode ser muito mais resistente à radiação do que se pensava anteriormente.
Outra possibilidade é que alguns organismos poderiam estar começando a mostrar respostas adaptativas que lhes permitiriam lidar com a radiação e viver dentro da zona de exclusão sem ter danos.
Além disso, a ausência de seres humanos dentro da zona de exclusão pode favorecer muitas espécies, grandes mamíferos em particular. Talvez as pressões geradas pelas atividades humanas sejam mais negativas para a vida selvagem no médio prazo do que um acidente nuclear – uma visão bastante reveladora do impacto humano sobre o ambiente natural.

O futuro de Chernobyl

Em 2016, a parte ucraniana da zona de exclusão foi declarada como reserva radiológica e ambiental pelo governo nacional.
Ao longo dos anos, Chernobyl também se tornou um excelente laboratório natural para o estudo de processos evolutivos em ambientes extremos, algo que poderia ser valioso, dadas as rápidas mudanças ambientais experimentadas em todo o mundo.
Atualmente, vários projetos estão tentando retomar as atividades humanas na área. O turismo vem florescendo em Chernobyl, com mais de 70.000 visitantes em 2018.
Há também planos para o desenvolvimento de usinas de energia solar na área e para a expansão do trabalho florestal. No ano passado, houve até uma instalação de arte dentro da cidade abandonada de Prypiat.
Nos últimos 33 anos, Chernobyl deixou de ser considerada um deserto em potencial para se tornar uma área de grande interesse para a conservação da biodiversidade. Pode parecer estranho, mas agora precisamos trabalhar para manter a integridade da zona de exclusão como uma reserva natural, para garantir que Chernobyl continue a ser um refúgio para a vida selvagem. [ScienceAlert]
Fonte: Hypescience

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Fundo agrícola da ONU ajuda Bahia a buscar recursos internacionais para enfrentar mudanças climáticas.

O Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) reuniram-se neste mês (7) com técnicos rurais do governo da Bahia com o intuito de discutir iniciativas de captação de recursos para projetos sobre mudanças climáticas. As duas instituições financeiras querem ajudar o estado a conseguir capital do Fundo Verde para o Clima, que poderá ser investido no desenvolvimento de regiões semiáridas.

O Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) reuniram-se neste mês (7) com técnicos rurais do governo da Bahia com o intuito de discutir iniciativas de captação de recursos para projetos sobre mudanças climáticas. As duas instituições financeiras querem ajudar o estado a conseguir capital do Fundo Verde para o Clima, que poderá ser investido no desenvolvimento de regiões semiáridas.
A proposta do FIDA e do BNDES para o Executivo baiano está sistematizada no projeto Semeando Resiliência Climática em Comunidades Rurais do Nordeste, aberto também a outros estados. A iniciativa tem como base três componentes: sistemas produtivos resilientes à mudança climática; acesso à água; e gestão do conhecimento.
O objetivo do programa é transformar o sistema produtivo rural, para aumentar as capacidades de adaptação às alterações do clima, ampliar a geração de renda dos agricultores familiares e preservar os serviços ecossistêmicos.
De acordo com Hardi Vieira, oficial do FIDA no Brasil, a estratégia receberia recursos tanto do fundo agrícola da ONU quanto do Fundo Verde para o Clima, com contrapartida do BNDES.
“Teremos aí um montante total de 202,5 milhões de dólares, aproximadamente 800 milhões de reais. Este projeto dará um passo a mais, além do aspecto produtivo e do que é renda, para que a gente tenha comunidades resilientes ao processo de mudança climática que vem afetando gravemente o semiárido no Brasil”, afirmou o especialista.
Atualmente, o FIDA já apoia a Bahia na implementação do Pró-Semiárido, iniciativa que executa 176 projetos de fortalecimento produtivo em comunidades rurais de 32 municípios do semiárido. O programa é executado pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional, empresa vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural.
Para o diretor-presidente da estatal, Wilson Dias, o projeto voltado para as mudanças climáticas pode “dar respostas concretas à Lei Estadual de Convivência com o semiárido”. “A Bahia é um estado candidato a fazer captação recurso e dar continuidade às ações do Pró-Semiárido, a partir de 2021”, explicou o dirigente.
O Fundo Verde para o Clima foi criado em 2010 pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). O organismo financeiro apoia países em desenvolvimento a limitar as suas emissões de gases do efeito estufa e a se adaptar às mudanças climáticas. O capital da instituição é da ordem de 10 bilhões de dólares.
“O projeto vai abrir novas frentes de trabalho, a exemplo de como conduzir melhor a criação animal, como ter uma relação mais sustentável com a vegetação nativa, conservação do solo e gestão e armazenamento de água. Essa iniciativa reforça a sustentabilidade ambiental, econômica e social”, afirmou Emmanuel Bayle, coordenador técnico do FIDA.

Semiárido no centro das ações do FIDA

A reunião sobre as parcerias em mudanças climáticas aconteceu durante missão de especialistas do FIDA à Bahia, onde os consultores do organismo internacional puderam avaliar o andamento do Pró-Semiárido. O projeto visa áreas do sertão baiano com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Além de ações de capacitação, para que agricultores consigam ampliar seus empreendimentos agrícolas e torná-los mais produtivos, a iniciativa promove medidas para garantir a segurança hídrica das populações beneficiárias. Outra frente de atuação são os projetos de participação das mulheres nos negócios familiares e de inclusão dos jovens. O objetivo é gerar renda entre os moradores do semiárido do estado.
Durante os encontros da missão do FIDA, o secretário estadual de Desenvolvimento Rural, Josias Gomes, destacou a importância de o Pró-Semiárido “chegar a áreas de difícil acesso e com produção rudimentar, como é o caso da comunidade de Brejo Dois Irmãos, na cidade de Pilão Arcado, onde em breve será construída uma agroindústria para beneficiamento do buriti (fruto típico)”.
Cesar Maynart, coordenador do Pró-Semiárido, defendeu a necessidade de investir em ações que gerem autonomia para as comunidades e famílias de agricultores. Segundo o especialista, também é preciso aportar recursos que garantam o acesso de pequenos empreendimentos a mercados locais, como feiras e vendas na comunidade.
“A comercialização é um desafio permanente porque competir com os grandes conglomerados comerciais é complicado”, ressaltou Maynart.
O acordo de empréstimo entre o FIDA e as autoridades baianas para a execução do Pró-Semiárido segue até 2020.
“A parceria continua muito forte junto ao Governo do Estado da Bahia. Este é o terceiro projeto que o FIDA apoia aqui no estado. São três décadas de cooperação. A gente está muito satisfeito com a implementação, acreditamos que a próxima missão, que será realizada em outubro, possa detectar avanços bastante concretos no campo e no trabalho das famílias agricultoras”, completou Hardi Vieira.
Fonte: ONU

Silvicultura intensiva acelera regeneração da biodiversidade na Mata Atlântica.

Um experimento realizado na Mata Atlântica sugere que a silvicultura intensiva – com uso de herbicida e maior quantidade de fertilizantes – é mais eficaz para promover a regeneração de florestas tropicais e o ganho de biomassa do que o método tradicional, baseado no controle do capim com roçada e menor adubação.

O estudo foi coordenado por Pedro Henrique Santin Brancalion, professor de Silvicultura de Espécies Nativas no Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), e teve apoio da FAPESP.
O trabalho contou com a participação de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e do Centro Francês de Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento Internacional (Cirad). Os resultados foram publicados na revista Ecological Applications, da Ecological Society of America.
Como explicou Brancalion, atividades de reflorestamento são consideradas estratégicas para mitigar as mudanças climáticas, pois a vegetação sequestra carbono da atmosfera à medida que se desenvolve.
“Há programas promovidos por países como a Noruega para ajudar a neutralizar as emissões de gás carbônico de suas atividades econômicas. Há empresas que lançam editais de apoio a projetos de reflorestamento para neutralizar parte das emissões de suas fábricas e há inúmeras ONGs internacionais que captam recursos de empresas interessadas em investir nos projetos de reflorestamento de espécies nativas no Brasil”, disse.
Segundo o pesquisador, maximizar o acúmulo de biomassa lenhosa nas áreas reflorestadas, a fim de obter pagamentos antecipados pelo estoque de carbono, é essencial para a viabilidade financeira desses programas promovidos pelos esforços de mitigação climática.
A silvicultura intensiva, usada no cultivo comercial de eucalipto e pinus para aumentar a produtividade e o lucro, é defendida como uma abordagem promissora para aumentar o acúmulo de biomassa lenhosa em plantios de restauração. No entanto, explicou Brancalion, há quem questione se tal abordagem dificultaria a regeneração natural da floresta e a sucessão ecológica devido à alta competição entre plantas colonizadoras e árvores plantadas.
“Em diversas situações é preciso plantar espécies de árvores nativas. Como fazer para que essas áreas de plantação de árvores nativas maximizem o estoque de carbono? Para encontrar respostas, realizamos um experimento controlado de plantio de árvores nativas”, disse. 
O experimento foi conduzido na Estação Experimental de Ciências Florestais, da Esalq, situada próximo ao município de Anhembi. A área foi doada à USP em 1974 pela Companhia Energética de São Paulo (Cesp) para fins acadêmicos e científicos. A partir de então, sob a administração do Departamento de Ciências Florestais da Esalq, a Estação Experimental de Ciências Florestais – Anhembi passou a realizar uma série de pesquisas voltadas à introdução, conservação e melhoramento genético de espécies florestais exóticas e nativas, constituindo-se em um importante banco de germoplasma para o setor florestal mundial.
“Investigamos, nessa área de Mata Atlântica, os impactos de diferentes abordagens de silvicultura aplicadas ao plantio de espécies arbóreas nativas, tanto no que diz respeito ao acúmulo de biomassa lenhosa quanto na regeneração espontânea de espécies lenhosas nativas”, disse Brancalion.
Por ser um trabalho com árvores, muitas de crescimento lento, a pesquisa começou em 2004. O experimento foi montado em uma área de pastagem coberta por capim braquiária.
“Testamos três estratégias principais. A primeira envolveu, na seleção de espécies, a elevação da proporção de espécies pioneiras no plantio, ou seja, aquelas mais rústicas, que demandam muita luz do sol, de pequeno a médio porte, e de crescimento rápido. A composição ideal que buscava encontrar seria aquela que resultasse em um maior estoque de carbono, mas que ainda assim permitisse a regeneração de espécies semelhantes às de uma mata nativa, e não a de um mero bosque de árvores sem regeneração”, disse Brancalion.
De acordo com o pesquisador, são chamadas de espécies pioneiras aquelas que se regeneram inicialmente em uma floresta. São árvores que crescem muito rápido, tem madeira pouco densa e morrem cedo, em torno de 10 anos. “Elas são importantes para reocupar clareiras nas florestas e áreas degradadas, pois rapidamente formam uma estrutura florestal. Já as espécies não pioneiras crescem mais devagar e duram décadas ou séculos”, disse.
No experimento foram usadas 20 espécies arbóreas nativas. Entre as espécies pioneiras havia, por exemplo, cedro, amendoim-bravo, aroeira-vermelha, angico-branco e timbaúva. Entre as árvores de crescimento mais lento constavam mudas de jequitibá-branco, ipê-roxo, jatobá e jacarandá. Havia ainda diversas outras espécies, de crescimento intermediário, como copaíba, pitangueira, jenipapeiro, goiabeira e jerivá, entre muitas outras.
Foram testados plantios com proporção igual de espécies pioneiras e não pioneiras (50% cada) e com relação de dois para um, ou seja, 67% de mudas pioneiras para 33% de mudas não pioneiras.
“A segunda estratégia de plantio jogou com o adensamento na quantidade de árvores por hectare plantado. A questão que se queria ver respondida era se o aumento na quantidade de árvores maximizaria a estocagem de carbono ou se, ao contrário, uma densidade menor reduziria a competição entre as plantas acarretando assim em árvores maiores e um consequente maior estoque de carbono”, disse Brancalion.
Os pesquisadores trabalharam com um espaçamento entre linhas de plantio de 3 metros, e entre mudas plantadas nas linhas de 2 ou 1 metro. Assim, a área com menor adensamento possuía 1.666 mudas, enquanto a de maior espaçamento, 3.333.
A terceira estratégia de plantio envolveu um manejo mais intensivo, com controle de plantas daninhas com herbicida e adubação mais carregada.
“Reunimos diversas medidas ao longo de 12 anos. As diferentes técnicas que testamos resultaram em florestas bem diferentes do ponto de vista do estoque de carbono, variando de 25 até 75 toneladas por hectare”, disse Brancalion.
Regeneração em floresta nativa
O adensamento no plantio de mudas e a relação variável entre espécies pioneiras e não pioneiras não resultaram em alterações significativas na estocagem de carbono. Já o melhor manejo, aliado ao uso de herbicida e adubação diferenciada, foi o que obteve melhores resultados em todos os experimentos.
“A quantidade total de árvores e a maior quantidade de pioneiras não foram fatores que influenciaram significativamente o ganho de biomassa”, disse Brancalion.
“A segunda pergunta que queríamos ver respondida era saber se o plantio de mudas serviria para desencadear um processo de regeneração que desembocaria em uma floresta nativa biodiversa. Ou se, caso isso não ocorresse, a área continuaria sendo um bosque de plantação. Também queríamos saber se o favorecimento da estocagem de carbono prejudicaria a regeneração das espécies nativas”, disse Brancalion.
“O resultado ao qual chegamos foi o melhor dos cenários. Verificou-se uma sinergia entre a estocagem de carbono e a regeneração de espécies nativas, o que é excelente”, disse.
O estudo foi financiado pela FAPESP no âmbito do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA). Também contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Petrobras.
O artigo Intensive silviculture enhances biomass accumulation and tree diversity recovery in tropical forest restoration (doi: https://doi.org/10.1002/eap.1847), de Pedro H. S. Brancalion, Otávio Campoe, João Carlos Teixeira Mendes, Camilla Noel, Gabriela G. Moreira, Juliano van Melis, José Luiz Stape e Joannès Guillemot, está publicado em: https://esajournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1002/eap.1847.
Na parte de cima, o resultado alcançado com a estratégia tradicional de silvicultura; na parte de baixo se observa a evolução da biodiversidade com a adoção da silvicultura intensiva (fotos: Pedro Brancalion
Fonte: FAPESP