sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Mudanças climáticas devem intensificar impactos de tsunamis.

Em 2011, um tsunami devastou a costa nordeste do Japão e causou a morte de aproximadamente 28 mil pessoas
Após os tsunamis de grandes proporções desencadeados por terremotos no Oceano Índico, em 2004, e no Japão, em 2011, uma série de filmes apocalípticos como O Impossível (Lo Imposible, 2012) retrataram cenários catastróficos de ondas gigantes.
Tal medo foi revivido nesta semana com o tsunami que até agora causou a morte de cerca de mais de 1.400 pessoas na Indonésia. Apenas algumas semanas antes do desastre, um grupo de cientistas previu que os impactos de tsunamis devem ser intensificados devido ao aumento do nível do mar relacionado às mudanças climáticas.
“Nossa pesquisa mostra que o aumento do nível do mar pode ampliar significativamente o risco de tsunamis, o que significa que pequenos tsunamis no futuro podem ter os mesmos impactos adversos que os grandes tsunamis atuais”, disse Robert Weiss, professor associado do Departamento de Geociência da universidade americana Virginia Tech, em entrevista à DW.
Weiss foi um dos vários autores de um estudo publicado na revista científica Science Advances no mês passado que, de forma um tanto quanto profética, analisou os impactos de tsunamis em meio ao aumento do nível dos mares.
Intitulado “Um modesto aumento de 0,5 metro no nível do mar duplicará o risco de tsunamis em Macau”, o estudo teve também a coautoria de Adam Switzer, professor associado do Earth Observatory de Cingapura.
“O tsunami como o que ocorreu em Palu na sexta-feira poderia ter sido pior daqui a 50 anos porque o nível do mar está subindo naquela parte do mundo. Trata-se de uma planície muito baixa e é provável que tenha começado a experimentar inundações crescentes”, disse Switzer à DW.
Após recente tsunami, autoridades da Indonésia temem que centenas de pessoas ainda estejam soterradas devido ao colapso de estruturas
Por muito tempo, cientistas presumiram que os tsunamis e a subida do nível do mar eram fenômenos completamente separados. Apesar do monitoramento de como o aumento do nível do mar fará com que as comunidades costeiras sejam inundadas – especialmente em países insulares como as Ilhas Salomão – poucos tentaram entender como esse sintoma das mudanças climáticas poderia agravar desastres climáticos e naturais extremos.
“Nós realmente queremos olhar para os extremos, para os piores cenários”, disse Switzer. E segundo Weiss, ao usar uma modelagem computacional de ponta, que não estava disponível há cinco anos, esta última pesquisa pôde analisar os impactos de tsunamis com a elevação dos níveis dos mares.
Neste contexto, áreas litorâneas como Macau, que atualmente são consideradas seguras em relação a tsunamis, deixarão de o ser no futuro caso as previsões de aumento do nível do mar se mantiverem.
“Áreas que são consideradas seguras contra tsunamis e onde hoje somente um tsunami de dois a três metros causaria inundações, precisarão apenas de um tsunami de 1,5 a dois metros para isso”, disse Switzer.
O problema será ainda mais exacerbado, uma vez que a previsão agora é que os aumentos do nível do mar sejam muito maiores do que os anteriormente esperados.
“O que pensávamos ser o pior cenário absoluto há cinco ou dez anos é considerado atualmente apenas uma previsão média”, afirmou Weiss.
Maiores aumentos do nível do mar significam que pequenos tsunamis, que ocorrem com maior frequência, também serão mais destrutivos.
De acordo com Weiss, terremotos e tsunamis menores são muito mais frequentes do que o tipo de evento que causou o tsunami de Tohoku, em 2011, no Japão. Assim sendo, o tsunami desencadeado pelo terremoto de 9,1 graus na escala Richter poderia ser criado por tremores menores com o aumento do nível do mar.
Atualmente, seria necessário um terremoto de magnitude 8,6 graus na escala Richter para inundar Macau, mas daqui a 50 anos, os aumentos do nível do mar induzidos pelo clima fariam com que um terremoto de magnitude 8,2, que é quase seis vezes menos potente, bastasse para inundar a ex-colônia portuguesa.
Assim como o típico cenário de filmes catastróficos de ondas gigantes, em que paredes maciças de água destroem cidades costeiras de grande envergadura, Macau é uma das megacidades asiáticas construídas sobre planícies que ficarão mais vulneráveis num mundo mais quente.
Com o aumento do nível do mar, cidades costeiras podem ficar cada vez mais vulneráveis a tsunamis originários de climas distantes. Isso é em parte porque os tsunamis podem viajar por grandes áreas. O tsunami de Tohoku viajou do Japão para a Califórnia em apenas dez horas, a uma velocidade de 700 quilômetros por hora, segundo Weiss.
O pesquisador também tem implementado sua modelagem computacional para analisar como um futuro tsunami pode afetar a Califórnia após um terremoto no Alasca, por exemplo; ou como a costa do Atlântico poderia ser inundada em consequência de grandes tsunamis desencadeados pela placa tectônica da Groenlândia. No segundo cenário, segundo Weiss, ondas de 8 a 10 metros podem atingir a costa francesa.
Grande parte da pesquisa realizada na Virginia Tech contribuirá para a construção de sistemas de defesa costeira apropriados para proteger melhor as cidades e as comunidades contra ciclones e grandes inundações. Mas tais medidas terão pouco efeito se o aumento do nível do mar duplicar, triplicar ou até mesmo quadruplicar a frequência e o impacto dos tsunamis. Sendo assim, a defesa definitiva contra esses cenários apocalípticos é a mitigação das mudanças climáticas.
“O aumento do nível do mar é impulsionado principalmente pelo uso de combustíveis fósseis e pela produção contínua de dióxido de carbono”, disse Switzer. “Você não pode separar essas coisas, estão todas ligadas.”
Fonte: Deutsche Welle

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Projeto reduzirá tempo de levantamento do perfil do subsolo marinho.

Iniciativa do Research Center for Gas Innovation usará novas tecnologias de software para diminuir intervalo entre a captação de dados no oceano e a obtenção de informações para a exploração de óleo e gás (foto: Pixabay)
Um grupo de 65 pesquisadores e desenvolvedores vai investir os próximos anos na resolução de um problema conhecido na indústria de óleo e gás: a obtenção mais rápida de um perfil do leito marinho onde possam ser localizados possíveis reservatórios e áreas mais propícias à perfuração.
O novo projeto do Research Center for Gas Innovation (RCGI) – um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) financiado pela FAPESP e pela Shell, com sede na Escola Politécnica da USP – consiste em criar um software aberto que diminuirá o tempo entre a captação de dados no campo e a transformação deles em informações que geólogos e geofísicos possam utilizar na exploração offshore de petróleo e gás. Atualmente, esse intervalo é de até dois anos.
O projeto, o 46º iniciado desde que o RCGI entrou em operação há dois anos e meio, foi anunciado na abertura do evento 3º Sustainable Gas Research and Innovation – Transforming gas to transform the future, ocorrido nos dias 26 e 27 de setembro no Centro de Difusão Internacional da USP.
“Em qualquer levantamento de reservatórios de óleo, gás ou mesmo de sítios para fazer armazenamento de carbono, é preciso esse tipo de análise”, disse Bruno Souza Carmo, professor da Escola Politécnica da USP e coordenador do projeto, uma parceria com a Shell e o Imperial College, de Londres.
Para fazer o levantamento, são disparadas ondas acústicas na direção do leito oceânico, por meio de pistolas de ar embarcadas em navio. Uma série de hidrofones boiando na água captura o sinal de resposta, gerando uma enorme quantidade de dados.
Após processados, esses dados se convertem em imagens utilizadas por geofísicos e geólogos, que apontam onde é mais provável que haja reservatórios de óleo e gás e conseguem ter boa ideia da dificuldade de perfurar uma determinada região.
“O processamento desses dados é muito custoso em termos de computação. Nossa ideia é criar softwares totalmente abertos, que possam ser usados por qualquer interessado e que se adaptem aos avanços da computação”, disse Carmo à Agência FAPESP.
“Os computadores ficam mais rápidos a cada dia. O hardware está sempre aumentando em performance, mas reescrever os códigos para fazer uso desses novos computadores leva tempo. Por isso, um elemento do projeto é tornar os softwares mais portáteis, de forma que não seja preciso reescrever os algoritmos toda vez que os computadores são atualizados”, disse Aly Brandenburg, gerente-geral de tecnologia de subsolo da Shell, que coordena o projeto do lado da empresa.
Nova fase
Júlio Meneghini, coordenador do RCGI, explicou que o novo projeto vai utilizar tanto as tecnologias de hardware e software existentes como ferramentas de programação que vierem a surgir.
“Usaremos inclusive inteligência artificial e aprendizado de máquina (machine learning), porque a quantidade de dados que é gerada nessas prospecções sísmicas é gigantesca e os algoritmos que existem agora não são capazes de processá-los. Por isso, serão desenvolvidas ferramentas com novas arquiteturas de supercomputação em mente, que estão sendo consolidadas nesse momento”, disse Meneghini à Agência FAPESP.
Além do novo projeto, o evento apresentou uma série de trabalhos desenvolvidos no âmbito do RCGI. Uma novidade do encontro deste ano são os primeiros resultados do programa de abatimento de emissões de CO2, iniciado em novembro do ano passado. Este é o quarto programa em operação no centro, além dos de engenharia, físico-química e política energética e economia.
Só no novo programa, são 16 projetos focados no abatimento de gás carbônico, que incluem captura do CO2 da atmosfera, utilização para produção de combustíveis sintéticos, produção de eletricidade, monitoramento de vazamentos de metano em poços onde foi injetado gás carbônico, entre outros.
“Temos mais de 300 pessoas trabalhando no RCGI atualmente e teremos cerca de outros 50 pesquisadores no novo projeto. O número está crescendo e a produção científica vai aumentar exponencialmente. A FAPESP, mas também a Shell, cobra resultados na fronteira do conhecimento nas áreas dos 46 projetos. E nós estamos cumprindo”, disse Meneghini.
Os projetos de captura e utilização de CO2 respondem não somente à demanda climática global de redução de emissões, mas também à criação de novas fontes energéticas.
“Pode demorar muitas décadas para concluir essa transição energética [de combustíveis fósseis para fontes renováveis]. Se analisarmos a história, veremos que sempre estivemos em transição energética. São sempre processos muito lentos”, disse David Torres, vice-presidente de tecnologia de abatimento integrado de CO2 e gás da Shell.
Torres lembra que a indústria de óleo e gás não se resume à queima de combustíveis. Ela inclui a fabricação de produtos químicos, fertilizantes, plásticos e outros produtos que ainda não têm substitutos. Por isso, mesmo com o pico da produção previsto para 2030, a Shell tem um horizonte para seus negócios até pelo menos 2070.
“A produção vai começar a decair a partir daí [2030], mas vai continuar presente. O petróleo vai continuar sendo parte do mix [de fontes energéticas]. Então, acho que temos que pensar em horizontes bem longos”, disse Torres.
Fonte: FAPESP

terça-feira, 2 de outubro de 2018

A gigantesca planta de carvão convertida em energia verde.

No trem para visitar um dos últimos lugares da Grã-Bretanha que queima carvão para [gerar] eletricidade, eu passo por três fazendas solares absorvendo a luz do sol. Também passo por uma fábrica de carvão chamada Eggborough que praticamente cessou as operações. Nenhum vapor sobe de suas gigantescas torres de resfriamento. Ela será fechada em setembro.

Mas a usina de carvão que estou visitando é diferente. Ela é chamada de Drax, depois de uma aldeia local, e é considerada a maior usina de energia da Europa Ocidental. Até 2023, seus proprietários planejam parar de queimar carvão completamente. Eles esperam que, em vez disso, sua usina consuma apenas gás natural e biomassa – briquetes de madeira.
Briquetes de Madeira
A União Europeia tem alguns alvos chave para reduzir a poluição nas próximas décadas e as usinas à carvão foram carimbadas para fechamento por muitos países em busca de atingir esses objetivos. No Reino Unido, os planos do governo planejam extinguir a geração de eletricidade à carvão até 2025.
Uma história semelhante está se desdobrando em outras partes do mundo. Muitas nações, incluindo os EUA, estão se afastando do carvão à medida que outras energias se tornam mais baratas e os regulamentos ambientais esfriam o mercado para este tipo de combustível fóssil.
Mas isso deixa uma grande questão: o que fazemos com todas essas usinas antigas?
Pelo último século, essas instalações foram grandes atores no mercado de energia do mundo. As fábricas possuem complexas e custosas conexões para as redes nacionais – o que significa que simplesmente retirá-las pode não ser tão inteligente. Muitos, incluindo a gerência da Drax, estão insistindo que há outro caminho.
A biomassa só reduzirá as emissões de carbono se as árvores caídas forem substituídas por novas mudas que absorvam o CO2 do ar (Créditos: Getty Images)
O tamanho da instalação da Drax é imediatamente perceptível. Em ambos os lados da enorme construção que abriga suas caldeiras e turbinas situam-se seis torres de resfriamento bege. A fumaça branca flutua para o céu. No meio do complexo há uma chaminé de 259 metros de altura. E na parte de trás da instalação há uma enorme pilha de carvão – mas membros da equipe me dizem que é muito menor agora do que era antes.
O carvão é deixado aqui até ser levado para a estação de energia através de correias transportadoras, onde é triturado e queimado a temperaturas exorbitantes. O forno aquece a água, transformando-a em vapor, que por sua vez passa por um complexo sistema de tubulações até chegar as turbinas, fazendo-as girar a uma velocidade constante de 3.000 rotações por minuto. É uma maneira fácil de produzir energia, mas também com maior impacto.

Troca de energia

Esta é uma das principais razões pela qual aqui os dias da produção de energia por queima de carvão estão realmente contados. Em abril, a Grã-Bretanha passou mais de três dias sem qualquer queima de carvão – um declínio que aconteceu muito mais rapidamente do que o esperado. Essa tendência fez com que, desde o início de 2018, o país tenha ficado um total de 1.000 horas sem energia do carvão, um marco que já ultrapassou o do ano passado.
“Em 2012, a geração de energia através da queima do carvão foi de 45% do mix de energia”, diz Matthew Gray no Carbon Tracker, um galpão de ideias, e acrescenta “Hoje isso está em patamares muito inferiores.”
Da perspectiva de um operador de fábrica, no entanto, substituir o carvão não é fácil. Isso porque a biomassa é um material muito menos tolerante do que o carvão, diz o executivo-chefe Andy Koss.
“Isso entope as coisas”, diz Koss, lembrando como os primeiros experimentos em movimentar a biomassa em transportadores de carvão levaram os briquetes a se desintegrarem e criarem poeira. A biomassa também tem que ser mantida seca o tempo todo, ao contrário do carvão, para evitar que ela se infle em uma mistura inutilizável parecida com mingau. Ela também está sujeita a estourar em chamas à medida que oxida lentamente, então pilhas dela tem que ser constante verificadas quanto a elevações de temperatura. A Drax gastou cerca de 700 milhões de libras em sua conversão e se certificando de que a biomassa pudesse ser manuseada cuidadosamente e ao longo de caminhos protegidos da chuva através da instalação.
A usina investiu também em quatro cúpulas, cada uma com 50 metros de altura, para armazenar a biomassa no local. Todo dia, 16 trens cobertos chegam e depositam mais briquetes de madeira para manter o estoque em sua capacidade máxima. Os vagões passam por um galpão e se abrem automaticamente, acionados por ímãs, enquanto rolam por uma grade no chão. Os aglomerados de madeira se espalham pela grade, passando por um compartimento inferior, antes de serem levados para as cúpulas para armazenamento temporário.
A conversão da usina da Drax – de carvão à biomassa – custou 700 milhões de libras (Créditos: Chris Baraniuk)
Em termos de produção de energia usando a biomassa, “eu diria que é o maior do mundo”, diz Koss. No momento da minha visita, a Drax tinha a capacidade de gerar dois gigawatts (GW) de potência por carvão e o mesmo para biomassa. Atualmente, concluiu a quarta unidade geradora por biomassa. Os dois remanescentes irão eventualmente queimar gás.
A Drax tentou se reinventar como um garoto-propaganda para o que se pode ser feito com uma antiga usina à carvão – onde há vontade suficiente e, certamente, dinheiro para pagar pelas conversões. Muitas pequenas instalações de carvão nos Estados Unidos tem recentemente convertido para queima por gás – uma forma de transição mais barata.
E a Drax pretende ainda construir grandes baterias no local para armazenar a eletricidade para os momentos de maior necessidade da rede. Há projetos semelhantes ocorrendo em todo o mundo, a exemplo uma empresa canadense, Hydrostor, que projetou meios para transformar velhas usinas de carvão em baterias de ar comprimido, onde o ar é liberado quando houver demanda por eletricidade, forçando as turbinas da usina a funcionarem.
Existe também uma porção de outras ideias para reinventar antigas instalações de queima de carvão. Em 2016, a China anunciou que planeja converter algumas de suas usinas de carvão em usinas nucleares – embora não se tenha muitas notícias sobre as propostas desde o pronunciamento. E a Drax está longe de ser a única com projeto que substitui o carvão para biomassa, mesmo que seja a maior. Na Dinamarca, uma usina de carvão em Copenhague será transformada em uma instalação 100% por biomassa. Um novo incinerador nas proximidades irá contar com uma pista de esqui no telhado.
Nem todas as conversões de usinas à carvão são empreendimentos de produção de energia. A Google está transformando uma antiga instalação no Alabama em um centro de processamento de dados.

Rei do carvão

Também é verdade que, em alguns lugares, o carvão continua sendo dependência.  Embora tenha fechado mais de 100 usinas de carvão, a China continua fortemente depende desse tipo de combustível fóssil para suas necessidades energéticas. E a Alemanha, que decidiu fechar todas as suas usinas nucleares, atualmente gera mais de um quinto de sua energia através do carvão, inclusive com linhito, uma forma ainda mais poluente do combustível.
Um mapa interativo das usinas elétricas à carvão do mundo, do site de notícias climáticas CarbonBrief, revela uma série de fábricas sendo fechadas nos EUA e na Europa Ocidental, mas muitas ainda em construção na Ásia.
Enquanto isso, alguns mercados têm questionado o [não uso do] carvão, e então retornaram a ele. Em 2015, o governo de Nova Gales do Sul, na Austrália, vendeu uma grande usina à carvão por US$ 1 milhão (£570 mil), uma pequena soma. Na época, os políticos acreditavam que a instalação seria fechada em 10 anos mas então os preços da eletricidade atingiram o topo. A usina agora está avaliada em U$ 730 milhões (£ 415 milhões) e seus novos proprietários não têm planos de fechá-la tão cedo.
Entretanto, acreditar no carvão nem sempre é recompensado. Na Polônia, a gigante de energia PGE, tem investido pesadamente em antigas infraestruturas de carvão, na esperança de manter o carvão queimando nos anos vindouros. Mas isto custa centenas de milhões de dólares em um momento em que o preço da energia renovável, especialmente eólica e solar, está caindo rapidamente.
Demora vários anos para novas árvores plantadas absorverem a quantidade de carbono equivalente à liberada através da queima de madeira (Créditos: Getty Images)
Também é justo questionar o quão verdes algumas das opções de conversão de usinas à carvão realmente são.
Pegue a biomassa. Embora os briquetes de madeira liberem carbono quando queimam, elas são consideradas “verdes” porque as árvores cortadas para utilização podem ser repostas ao longo do tempo, sequestrando o carbono novamente mais tarde. Mas nem todos concordam que isso realmente torna a biomassa neutra em carbono. Inclusive a página 33 do Relatório Anual da Drax revela que que a biomassa põe para fora mais CO2 por unidade de eletricidade gerada do que o carvão – um problema sério com o combustível.
Ecoando os principais argumentos pró-biomassa, um chefe da Drax me diz que isso é compensado pela reposição das florestas que forneceram a biomassa em primeiro lugar. A Drax também diz que, depois de contabilizar as florestas reabastecidas e as emissões da cadeia de suprimentos, usar biomassa significa 80% menos CO2 do que seria emitido se o carvão tivesse sido usado.
Mas isso toma novas árvores cada década para crescer. Mais, em uma escala global, florestas estão encolhendo em tamanho total. A capacidade das florestas do mundo para reabsorver o CO2 atmosférico, então, está piorando em vez de melhorar.
“Eu concordo que é uma coisa ruim”, diz Koss. Mas em relação ao desmatamento, ele insiste, “isso está acontecendo em áreas fora das áreas de nossas fontes… não estamos conectados a isso”.
 Para gerar eletricidade pela biomassa, lascas de madeira são prensadas em pó, que é então alimentado no incinerador. (Créditos: Getty Images)
Verdade, mas não o suficiente para convencer alguns ambientalistas. E alguns especialistas apontam que nós precisamos de um corte de emissões agora, não durante a década ou vários [anos] que as novas árvores levarão para crescerem.
A Drax espera mitigar suas emissões de outra maneira: com um piloto de tecnologia de armazenamento de captura de carbono de bioenergia (BECCS). Os gases advindos da queima de biomassa na usina serão, se tudo for adiante, passados ​​por um solvente que reage com o CO2 emitido, capturando-o antes que ele entre na atmosfera. Este CO2 pode então ser recuperado de modo que o solvente possa ser usado para captura de novo e de novo. É uma coisa inteligente e foi apresentada para funcionar comercialmente antes em um ou dois locais, mas a Drax está testando uma nova versão.
Claramente podemos ver vida após o carvão. Mas se quisermos aproveitar ao máximo essas velhas fábricas, nós precisamos ser experientes, ter uma mentalidade verde e estarmos preparados para pagar antecipadamente por resultados significativos.
O carvão alimentou o mundo por muitas décadas. Foi um símbolo da conquista Vitoriana. Em vez de simplesmente esquecê-lo, nós podemos muito bem nos beneficiarmos do uso inovador das estruturas que estas grandes indústrias estão deixando para trás.
Correção: Declaramos incorretamente que a tecnologia BECCS ainda não havia sido usada comercialmente. Nós também esclarecemos o número de unidades geradoras na Drax que atualmente são dedicadas à biomassa. Nós lamentamos os erros.
Fonte: BBC Future / Chris Baraniuk
Tradução: Redação Ambientebrasil com colaboração de Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem completa em inglês acesse:
http://www.bbc.com/future/story/20180821-the-giant-coal-plant-converting-to-green-energy

Por que deveríamos comer medusa para salvar os oceanos.

Escondido entre as dunas do sudoeste da província de Buenos Aires, o povoado litorâneo de Monte Hermoso ferve de atividades: é verão, e as praias do local transbordam de turistas. Meninos e meninas correm pelo lugar, construindo castelos de areia, brincando com bolas e rindo. Mulheres e homens repousam sobre espreguiçadeiras, suas peles reluzentes de protetor solar e loções bronzeadoras. Aposentados e pensionistas caminham sem parar ao longo da linha costeira, conversando em animados grupos de dois, três e quatro.

A cena não seria muito diferente de outros destinos de praia ao redor do mundo — por exemplo, Málaga, Rímini ou Piriápolis — exceto por um detalhe específico: por mais que a temperatura suba, as águas azuis profundas permanecem vazias. Banhistas, surfistas, caiaquistas: ninguém está lá. O motivo é simples: sob a superfície do oceano, bancos de criaturas fantasmagóricas e tentaculares aguardam. Em terra, a situação pode parecer sob controle, mas aventurar-se apenas alguns passos dentro da água implica estar até o joelho em território de medusas.
A água-viva
Olindias sambaquiensis é um predador aquático e translúcido. Seu pequeno corpo chega normalmente a 9-10 centímetros de diâmetro e é dotado de 38 tentáculos capazes de provocar uma queimadura dolorosa. É uma das 689 espécies de medusas que habitam a região sudoeste do oceano Atlântico; na Argentina, só se utiliza uma palavra para se referir a qualquer uma delas, sem distinção: água-viva.
Todo verão, entre 500 e 1.000 casos de queimadura de medusa são registrados em Monte Hermoso. É o lugar do país em que a queimadura de medusa é mais provável, mas não é o único. Os bancos de medusas obstruíram redes de pesca, interromperam operações de pesca marinha e provocaram breves momentos de pânico em praias de lugares tão diferentes como Inglaterra, Japão e o mar de Azov.
Em anos recentes, dezenas de usinas nucleares ao redor do globo tiveram de fechar suas operações devido à proliferação espontânea de medusas: os mesmos encanamentos que sugam água de refrigeração podem aspirar medusas em quantidades industriais. Os barcos de grande porte também ficam expostos a elas. Em 2006, o USS Ronald Reagan, um porta-aviões nuclear, ficou momentaneamente fora de serviço depois de atravessar um banco de medusas.
As medusas são um dos poucos vencedores naturais da mudança climática, já que seu ciclo reprodutivo é favorecido pelo aumento da temperatura nos ciclos oceânicos
As razões da explosão
A explosão das medusas em todo o mundo se deve a uma série de fatores inter-relacionados. Uma das principais causas é o excesso de pesca de seus predadores naturais, como o atum, o que ao mesmo tempo elimina a concorrência pelo alimento e o espaço de reprodução. Em paralelo, diversas atividades humanas em regiões costeiras também ajudam a explicar o fenômeno: ali onde enormes quantidades de nutrientes são jogados no mar (em forma de resíduos agrícolas, por exemplo), produzindo grandes explosões de populações de algas e plânctons, que consomem o oxigênio da água e geram as denominadas zonas mortas.
Não muitos peixes e mamíferos aquáticos conseguem sobreviver nelas, mas as medusas sim, e além disso encontram no plâncton uma fonte de alimentação abundante e ideal. Quando as populações de medusas conseguem se estabelecer, as larvas de outras espécies acabam sendo parte do cardápio também, desequilibrando a cadeia trófica.
As medusas são, além disso, um dos poucos vencedores naturais da mudança climática, já que seu ciclo reprodutivo é favorecido pelo aumento da temperatura nos ciclos oceânicos. Mas há mais fatores. Existem evidências de que certas espécies de medusa se reproduzem com mais facilidade junto a estruturas costeiras artificiais, como molhes e píeres. Por isso, é difícil saber se os esforços para deter, ou até reverter a mudança climática, representam uma solução à crescente presença de medusas nos mares, pelo menos enquanto continuem gerando problemas em ecossistemas costeiros e cadeias alimentares marinhas.
Até agora houve várias tentativas para contrapor o efeito das medusas em vários lugares do mundo. Por exemplo, o uso de redes no Mediterrâneo, trituradoras de aço nas quilhas de porta-aviões na China e o uso de robôs assassinos de Coreia do Sul. Mas nenhuma dessas tentativas oferece uma solução real para o problema: as redes acabam prendendo tudo que se move (colocando outras espécies marinhas em risco), e tanto os esforços chineses como os sul-coreanos focam mais na proteção de ativos estratégicos (barcos, usinas de energia) do que em abordar as causas sistêmicas da proliferação das medusas.
No entanto — e não muito longe de Monte Hermoso — um cientista elucubra uma ideia mais interessante: se queremos resolver o problema das medusas, temos de parar de vê-las como um mal, e começar a vê-las como comida.
O ‘homem medusa’
“Sim, eu sou o homem medusa”, brinca Agustín Schiariti em seu escritório no Instituto Nacional de Desenvolvimento Pesqueiro (INIDEP).
A sede central do INIDEP fica em mar del Plata, cidade portuária que é também o destino de verão mais popular da Argentina, a algumas centenas de quilômetros a leste de Monte Hermoso. O prédio do instituto se eleva sobre um enorme quebra-mar que separa a base de submarinos da cidade da luxuosa faixa litorânea conhecida como praia Grande. Nele dezenas de cientistas e estudantes de doutorado trabalham em projetos de ciências marinhas aplicadas que vão desde o controle por satélite do mar argentino até o desenvolvimento de programas piloto de pesca para espécies como o peixe-limão e o polvo. Aqui, no âmbito do programa de Ecologias Pesqueiras, Schiariti lidera a investigação sobre medusas.
“As regiões costeiras de todo o mundo viram muito desenvolvimento nas últimas décadas. Instalamos usinas nucleares e fábricas, construímos hotéis e resorts para turistas”, diz Schiariti. “Destinamos recursos a uma infinidade de lugares que antes tinham visto pouco ou nenhum desenvolvimento, e poucos anos depois notamos que quase todos os verões uma enorme quantidade de medusas aparece nestes locais, ou nas proximidades de uma usina de dessalinização que foi instalada há menos de uma década.”
O cientista não considera que a mudança climática sirva de explicação para a proliferação de medusas em todo o mundo e, apesar de o fenômeno ser visto como uma maldição para muitos, também pode ser percebido com bênção. “A proliferação se torna um problema no planeta e, em paralelo, há muitas formas de nos beneficiarmos disso. A produção de alimentos é, talvez, a mais realista e viável de todas”, diz. Schiariti, com sua disposição amável de professor universitário, está estudando há 15 anos as populações de medusas. Sua experiência de campo, no contexto da explosão demográfica global, o levou a promover a medusa como fonte de alimentação.
Para começar, é importante reconhecer que a medusa tem valor nutricional. São, basicamente, “proteínas, água e sal, com quase nenhum conteúdo gorduroso”, explica. “Não as consideraria um prato principal, mas funcionam muito bem como acompanhamento de outros preparos.”
“Tive a oportunidade de experimentar medusa em várias circunstâncias e pratos ao longo dos últimos anos”, continua. “Tem uma textura estranha, pelo menos para os meus padrões: macia e crocante ao mesmo tempo. E isso é possível? Em relação ao sabor, não é tão ruim quanto se pode imaginar. É salgada, com um sabor suave, quase como um broto de soja. Certamente não é o que há de mais inesquecível a se provar, mas também não é o pior.”
“Destinamos recursos a uma infinidade de lugares que antes tinham visto pouco ou nenhum desenvolvimento, e poucos anos depois notamos que quase todos os verões uma enorme quantidade de medusas aparece nesses locais, ou nas proximidades de uma usina de dessalinização que foi instalada há menos de uma década”
Schiariti quer que as pessoas (na Argentina e fora dela) se ponham no lugar de quem já consome medusa, em locais como China, Japão, Indonésia e Tailândia. “No Ocidente os consumidores não pensam na medusa como comida e os pescadores a consideram uma presa inútil, no melhor dos casos. Mas não é assim em todo o mundo”, reforça. “No leste da Ásia a medusa faz parte do cardápio há décadas. É consumida em sopas, petiscos e saladas, entre outras formas. Nem todos na Ásia a consomem da mesma maneira, nem as mesmas espécies que os chineses. Essa é uma prova de que a medusa é capaz de cruzar barreiras culturais e ainda assim ser considerada uma fonte valiosa de alimento em locais muito distintos.” Nem tudo é otimismo; Schiariti suaviza seu entusiasmo e concorda que apenas 20 espécies, das milhares que existem, são demandadas por esses países, e por isso a pesca de medusas estaria limitada pelo gosto dos consumidores.
De qualquer forma, Schiariti argumenta que o desenvolvimento de uma pesca de medusa poderia ajudar os pescadores artesanais do planeta, oferecendo-lhes uma fonte extra de recursos. A Argentina, por sua vez, conta com uma das plataformas marinhas continentais mais extensas do planeta (mais ampla que a do Brasil e cerca de metade do tamanho da dos Estados Unidos) e é nesse tipo de águas que as medusas se proliferam. Os futuros benefícios que a pesca pode trazer, porém, estão ligados à disponibilidade de investimentos e educação na matéria, e é aí, segundo Schiariti, onde se apresenta um dos maiores desafios.
Poucos apoios
A missão de Schiariti não é nada simples. Na Argentina é difícil encontrar o tipo de apoio público e privado que a pesca de medusa exigiria. A economia do país atravessa uma crise de grandes proporções, e a indústria pesqueira reflete tanto os erros presentes como os passados: embarcações obsoletas, salários congelados, custos operacionais altos e a concorrência de barcos ilegais se apresentam como os mais fortes. Segundo dados da Câmara das Indústrias Navais de Mar del Plata, a idade média da frota pesqueira é de 40 anos, e os problemas de manutenção são frequentes. Nada parece fácil: qualquer projeto pesqueiro que envolva a medusa teria os mesmos problemas que afetam o conjunto do setor.
Também não é fácil persuadir o resto do mundo a incluir as medusas no cardápio. Mas Schiariti acredita que comer medusa pode ser visto como um ato de empatia cultural, uma forma de nos aproximarmos de outro tipo de cultura, de entender maneiras diferentes de pensar e, mais especificamente, de pensar a comida.
Antes de finalizar a entrevista, Schiariti me entrega um pacotinho de plástico com textos em chinês. Ao tato parece um mini colchão de água cheio de elásticos. “Medusa, para você experimentar”, diz. “É deste ano, então acredito que seja seguro para comer.” Não parece muito confiante.
Sabores estranhos
O gosto é construído, temporal e subjetivo. Fatores sociais, econômicos, culturais e religiosos influem em nossas dietas e contribuem para fazer do gosto um conceito difícil de definir, com infinitas ramificações
Alguns dias depois de minha entrevista com Schiariti, abro o pacote e coloco um punhado de tiras em um recipiente com água. Assim, segundo me disseram, a carne perderá parte do sal. Já decidi como vou comê-la: primeiro, vou experimentar algumas sem qualquer tipo de acréscimo para ter uma impressão limpa do sabor. Depois, se não for grande coisa, acrescentarei o resto a uma salada de tomate e alface, e temperarei tudo com óleo de girassol e redução de vinagre balsâmico.
Enquanto espero a medusa ficar pronta, começo a ler vários artigos de Carolyn Korsmeyer, uma filósofa do gosto e do tato que trabalha na Universidade de Buffalo. Suas ideias sobre comidas estranhas e incomuns são muito enriquecedoras; abordando o famoso jantar anual do Clube dos Exploradores, onde mais de mil pesquisadores e intelectuais se vestem de gala para celebrar o “instinto explorador” degustando comidas como insetos ou testículos de boi, Korsmeyer escreve: “Comer é necessário, prazeroso… e inevitavelmente destrutivo. As comidas estranhas geram não só desgosto, mas outras emoções como simpatia, pena e curiosidade. Essas emoções são úteis como guias gastronômicos?”
Korsmeyer parece referir-se à pergunta mais ampla quanto ao que constitui o gosto. Em princípio, sabemos que é construído, temporal e subjetivo. Fatores sociais, econômicos, culturais e religiosos influem em nossas dietas e contribuem para fazer do gosto um conceito difícil de definir, com infinitas ramificações. O prazer, sem dúvida, também é um conceito flexível, e quando está associado à comida pode assumir diversas formas. Para alguns, estará representado por um tomate livre de pesticidas; para outros, será a costela de um animal caçado por eles mesmos. Korsmeyer argumenta que as comidas incomuns “têm a capacidade de ocupar o tipo de função simbólica ocupado pela arte, a transformação da aversão em prazer, do desgosto em delícia.”
Duas horas se passaram; a medusa deve estar pronta. Vou à cozinha, passo o conteúdo do recipiente por um escorredor de macarrão e fico olhando as tiras de carne espectral, tentando decodificar seu simbolismo. O que isso significa para mim? Pego um pedaço e sustento-o em frente aos meus olhos, e penso nas duras vidas dos pescadores de General Lavalle, um povoado na Baía de Samborombón, ao norte de mar del Plata. Mordo um pedaço. Tem um leve sabor de mar e a textura não é tão fibrosa, graças a Deus. Enquanto mastigo, começo a acreditar que Korsmeyer tem um bom argumento: a curiosidade pode, realmente, funcionar como guia gastronômico. Afinal, é um de nossos mais antigos guias para tudo, de territórios a descobertas científicas, uma força que conecta passado, presente e futuro. Trago o primeiro bocado e lembro de uma das linhas finais de A biblioteca de Babel, o conto de Jorge Luis Borges: “A certeza de que tudo está escrito nos anula ou nos assombra”.
Não há curiosidade possível sem um nível de incerteza, e o pensamento de que estas qualidades emocionais me trouxeram até aqui (a este momento de comida, de vida) me faz sentir bem, em paz. Pego outro pedaço. Não é tão ruim, afinal.
Fonte: Martin Etchegaray – El País

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Poluição por plástico pode agravar o aquecimento global.

SARAH-JANE NA PRAIA DE KAMILO POINT, BIG ISLAND, NO HAVAÍ. (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Há mais um motivo para eleger as sacolas plásticas vilãs do meio ambiente. Um estudo divulgado no início de agosto por pesquisadores da Universidade do Havaí comprovou, pela primeira vez, que plásticos feitos de polietileno, a matéria-prima das sacolas de supermercado, liberam metano e etileno durante o seu processo de decomposição no mar e no meio ambiente. Uma vez expostos ao ar, boiando na superfície do oceano ou entulhando praias, a taxa de liberação desses gases é 76 vezes maior que quando submersos. A liberação de gases ganha ainda mais força quando o produto é quebrado em micropartículas.
E o mais preocupante: uma vez expostas aos raios solares, o processo de emissão continua mesmo no escuro. Os pesquisadores agora buscarão meios tecnológicos para quantificar a participação desse lixo no aquecimento global. “Isso pode vincular a poluição da utilização de plásticos à mudança climática mais cedo do que imaginamos”, afirma Sarah-Jeanne Royer, oceanógrafa e pesquisadora de pós-doutorado em detritos marinhos do Centro Internacional de Pesquisa do Pacífico, da Universidade do Havaí. Além de amostras de plásticos virgens, foram coletadas amostras de plásticos no mar na estação Aloha, um site de observação marinha a 100 quilômetros de Oahu, no arquipélago americano do Pacífico. Seis tipos de plásticos foram testados, sendo o polietileno de baixa densidade o que apresentou as maiores taxas de emissões.
Num momento em que previsões alarmantes estão sendo realizadas não mais com foco no fim do século, mas já nos próximos 20 anos, essa informação pode provocar mudanças mais rápidas de comportamento. Um rascunho de um trecho do relatório do IPCC, que será divulgado oficialmente em outubro, vazado pela agência Reuters no início do ano, previa um aquecimento de 1,5 graus em 2040. O Acordo de Paris lutou por negociar meios para evitar que a temperatura suba acima de 2 graus. “Essa pesquisa é confiável. E mostra que não é apenas a vida marinha que sofre com plástico. A conscientização de que os efeitos do aquecimento não afetarão apenas os nossos netos pode sensibilizar as pessoas, que vivem no imediatismo”, diz Heloise de Oliveira Pastore, professora do Instituto de Química da Unicamp.
A tarefa, no entanto, exigirá grandes esforços. A pesquisadora canadense explica que, para avaliar a emissão do lixo de plástico no oceano, será preciso utilizar drones e satélites especiais, uma vez que a quantidade desse produto no ambiente não é possível de ser cientificamente mensurado. Relatório do Fórum Econômico Mundial de 2016, citado na reportagem de capa de Galileu de setembro, estima que há 150 milhões de toneladas de plástico no oceano. E a expectativa é que, até 2050, exista mais plástico nos mares do que peixes.
Royer explica que apenas 1% da quantidade desse produto no mar é conhecido. Os outros 99% podem estar em colunas de água em diferentes profundidades ou no sistema digestivo da vida marinha. “E, desse 1%, nós não temos ainda a tecnologia para fazer uma estimativa apurada de todos os tipos de plásticos que podem produzir gases de efeitos estufa. O que sabemos, com base em nosso estudo, é que o polietileno de baixa densidade é o maior produtor desses gases.”
Segundo ela, é preciso haver melhorias nas tecnologias via satélite, uso de imagens hiperespectrais e utilização de drones com o intuito de estimar de forma mais assertiva a parcela de culpa desse tipo de plástico no aumento da temperatura do planeta. O fato é que, de imediato, ela defende que a indústria desses utensílios seja responsabilizada pela emissão desses gases. “Além da necessidade de um acordo da gestão dos resíduos, há igualmente uma necessidade de melhorias de design do produto e da embalagem para colaborar no processo de recuperação do plástico. Isso pode ocorrer implementando uma responsabilidade estendida do produtor, tornando o produtor legalmente e financeiramente responsável pelo impacto de seus produtos no meio ambiente”, afirma.
Heloise de Oliveira, da Unicamp, concorda. Para ela, assim como os produtores de baterias se tornaram responsáveis pelo descarte desses produtos, a indústria de plástico também deveria. “As empresas de plástico não são menos puníveis que empresas que excedem taxas de emissão de carbono. Elas também têm que pagar, além de ser responsáveis por recolher”, afirma. Questionada pela reportagem sobre esse assunto, a Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (ABIEF) não se posicionou até a conclusão deste texto.
Recolher esse material do oceano também impõe ainda mais desafios. Segundo Royer, pesquisas feitas neste ano mostram que ainda não é possível reciclar o plástico coletado do mar, uma vez que sua exposição à radiação solar altera suas propriedades térmicas e mecânicas, tornando o processo inviável. E criticou as metas determinadas pela American Chemistry Council (ACC) de reciclar 100% das embalagens plásticas nos Estados Unidos até 2040. “Esse anúncio foi muito vago e significa o uso de tecnologias destrutivas de recuperação, como a pirólise. É muito improvável que a ACC garanta que 100% das embalagens plásticas serão recuperadas dos consumidores.”
Oliveira defende o avanço das pesquisas sobre a reciclagem de plástico e o desenvolvimento de tecnologias capazes de capturar dióxido de carbono da atmosfera. Enquanto isso não se aprimora, para ela a saída é a redução do consumo. “É preciso de educação social, de uma mudança de pensamento. O maior problema são as sacolas de supermercado, elas voam e vão muito longe. Isso é fácil de reduzir, pode trocar por papel, e não fica no meio ambiente. É uma questão de mostrar esse perigo para as pessoas, para sensibilizar. Não é mais uma questão da vida marinha, que é importante, mas também da nossa.”
Fonte: Revista Galileu – Roger Marzochi