segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Poluição por plástico pode agravar o aquecimento global.

SARAH-JANE NA PRAIA DE KAMILO POINT, BIG ISLAND, NO HAVAÍ. (FOTO: DIVULGAÇÃO)
Há mais um motivo para eleger as sacolas plásticas vilãs do meio ambiente. Um estudo divulgado no início de agosto por pesquisadores da Universidade do Havaí comprovou, pela primeira vez, que plásticos feitos de polietileno, a matéria-prima das sacolas de supermercado, liberam metano e etileno durante o seu processo de decomposição no mar e no meio ambiente. Uma vez expostos ao ar, boiando na superfície do oceano ou entulhando praias, a taxa de liberação desses gases é 76 vezes maior que quando submersos. A liberação de gases ganha ainda mais força quando o produto é quebrado em micropartículas.
E o mais preocupante: uma vez expostas aos raios solares, o processo de emissão continua mesmo no escuro. Os pesquisadores agora buscarão meios tecnológicos para quantificar a participação desse lixo no aquecimento global. “Isso pode vincular a poluição da utilização de plásticos à mudança climática mais cedo do que imaginamos”, afirma Sarah-Jeanne Royer, oceanógrafa e pesquisadora de pós-doutorado em detritos marinhos do Centro Internacional de Pesquisa do Pacífico, da Universidade do Havaí. Além de amostras de plásticos virgens, foram coletadas amostras de plásticos no mar na estação Aloha, um site de observação marinha a 100 quilômetros de Oahu, no arquipélago americano do Pacífico. Seis tipos de plásticos foram testados, sendo o polietileno de baixa densidade o que apresentou as maiores taxas de emissões.
Num momento em que previsões alarmantes estão sendo realizadas não mais com foco no fim do século, mas já nos próximos 20 anos, essa informação pode provocar mudanças mais rápidas de comportamento. Um rascunho de um trecho do relatório do IPCC, que será divulgado oficialmente em outubro, vazado pela agência Reuters no início do ano, previa um aquecimento de 1,5 graus em 2040. O Acordo de Paris lutou por negociar meios para evitar que a temperatura suba acima de 2 graus. “Essa pesquisa é confiável. E mostra que não é apenas a vida marinha que sofre com plástico. A conscientização de que os efeitos do aquecimento não afetarão apenas os nossos netos pode sensibilizar as pessoas, que vivem no imediatismo”, diz Heloise de Oliveira Pastore, professora do Instituto de Química da Unicamp.
A tarefa, no entanto, exigirá grandes esforços. A pesquisadora canadense explica que, para avaliar a emissão do lixo de plástico no oceano, será preciso utilizar drones e satélites especiais, uma vez que a quantidade desse produto no ambiente não é possível de ser cientificamente mensurado. Relatório do Fórum Econômico Mundial de 2016, citado na reportagem de capa de Galileu de setembro, estima que há 150 milhões de toneladas de plástico no oceano. E a expectativa é que, até 2050, exista mais plástico nos mares do que peixes.
Royer explica que apenas 1% da quantidade desse produto no mar é conhecido. Os outros 99% podem estar em colunas de água em diferentes profundidades ou no sistema digestivo da vida marinha. “E, desse 1%, nós não temos ainda a tecnologia para fazer uma estimativa apurada de todos os tipos de plásticos que podem produzir gases de efeitos estufa. O que sabemos, com base em nosso estudo, é que o polietileno de baixa densidade é o maior produtor desses gases.”
Segundo ela, é preciso haver melhorias nas tecnologias via satélite, uso de imagens hiperespectrais e utilização de drones com o intuito de estimar de forma mais assertiva a parcela de culpa desse tipo de plástico no aumento da temperatura do planeta. O fato é que, de imediato, ela defende que a indústria desses utensílios seja responsabilizada pela emissão desses gases. “Além da necessidade de um acordo da gestão dos resíduos, há igualmente uma necessidade de melhorias de design do produto e da embalagem para colaborar no processo de recuperação do plástico. Isso pode ocorrer implementando uma responsabilidade estendida do produtor, tornando o produtor legalmente e financeiramente responsável pelo impacto de seus produtos no meio ambiente”, afirma.
Heloise de Oliveira, da Unicamp, concorda. Para ela, assim como os produtores de baterias se tornaram responsáveis pelo descarte desses produtos, a indústria de plástico também deveria. “As empresas de plástico não são menos puníveis que empresas que excedem taxas de emissão de carbono. Elas também têm que pagar, além de ser responsáveis por recolher”, afirma. Questionada pela reportagem sobre esse assunto, a Associação Brasileira da Indústria de Embalagens Plásticas Flexíveis (ABIEF) não se posicionou até a conclusão deste texto.
Recolher esse material do oceano também impõe ainda mais desafios. Segundo Royer, pesquisas feitas neste ano mostram que ainda não é possível reciclar o plástico coletado do mar, uma vez que sua exposição à radiação solar altera suas propriedades térmicas e mecânicas, tornando o processo inviável. E criticou as metas determinadas pela American Chemistry Council (ACC) de reciclar 100% das embalagens plásticas nos Estados Unidos até 2040. “Esse anúncio foi muito vago e significa o uso de tecnologias destrutivas de recuperação, como a pirólise. É muito improvável que a ACC garanta que 100% das embalagens plásticas serão recuperadas dos consumidores.”
Oliveira defende o avanço das pesquisas sobre a reciclagem de plástico e o desenvolvimento de tecnologias capazes de capturar dióxido de carbono da atmosfera. Enquanto isso não se aprimora, para ela a saída é a redução do consumo. “É preciso de educação social, de uma mudança de pensamento. O maior problema são as sacolas de supermercado, elas voam e vão muito longe. Isso é fácil de reduzir, pode trocar por papel, e não fica no meio ambiente. É uma questão de mostrar esse perigo para as pessoas, para sensibilizar. Não é mais uma questão da vida marinha, que é importante, mas também da nossa.”
Fonte: Revista Galileu – Roger Marzochi

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