Himalaia já sofria impacto da ação humana antes da nossa chegada por lá. Na foto, especialistas retiram amostras da geleira de Dasuopu (Foto: Vladimir Mikhalenko/Universidade de Ohio)
Muito antes da cordilheira do Himalaia ser escalada pela primeira vez, em 1953, a atividade humana já alterava sua atmosfera da cadeia montanhosa ao longo do século 18. É o que mostra uma nova pesquisa publicada no PNAS, que sugere que os subprodutos da queima de carvão na Europa atingiram a região durante a Revolução Industrial.
Para realizar a pesquisa, a equipe de especialistas utilizou amostras retiradas da Shishapangma, que com cerca de 8.020 metros de altura é a 14ª montanha mais alta do mundo. O material analisado pertence mais especificamente à geleira Dasuopu, que faz parte do monte, e é o local de maior altitude do mundo, onde os cientistas obtiveram um registro climático extraído a partir de um núcleo de gelo.
Ao estudar a parte interna das geleiras através desses núcleos, os cientistas conseguem estimar registros de queda de neve, circulação atmosférica e outras mudanças ambientais ocorridas ao longo do tempo. Como explicam os pesquisadores, devido às pistas ambientais, é possível deduzir até mesmo o ano em que uma camada da geleira se formou.
A amostra estudada pelos cientistas foi coletada em 1997 e se formou entre 1499 e 1992, o que permitiu à equipe notar a presença de níveis elevados de diversos metais tóxicos nas amostras a partir do início da Revolução Industrial, em 1780. “A Revolução Industrial foi uma revolução no uso de energia”, explicou Paolo Gabrielli, líder do estudo, em comunicado.
“E assim o uso da combustão de carvão também começou a causar emissões que acreditamos terem sido transportadas pelos ventos até o Himalaia”, disse o especialista. Dentre as substâncias encontradas na amostra estão o cádmio, cromo, o níquel e o zinco, que são subprodutos da queima de carvão.
Eles também acreditam que é possível que alguns dos metais, principalmente o zinco, tenham ido parar nas montranhas por conta de incêndios florestais em larga escala. Apesar de ser difícil dizer se essas queimadas ocorreram de forma natural ou não, a época em que os registros foram encontrados no núcleo de gelo corresponde aos anos 1800 e 1900, quando incêndios florestais eram causados para derrubar árvores e dar lugar a fazendas.
A montanha Shishapangma, que com quase 8.020 metros é a 14ª mais alta do mundo (Foto: Wikimedia Commons)
“O que acontece é que, além da Revolução Industrial, a população humana explodiu e se expandiu”, afirmou Gabrielli. “Portanto, havia uma maior necessidade de campos agrícolas — e, normalmente, a maneira como eles obtinham novos campos era queimando florestas.”
A equipe de pesquisadores fez questão de destacar que a poluição causada pelos humanos atingiu os Himalaias antes mesmo de nós chegarmos por lá: os primeiros alpinistas chegaram ao cume do Shishapangma só em 1964. “Os níveis de metais encontrados foram maiores do que o que existiria naturalmente, mas não são altos o suficiente para serem extremamente tóxicos ou venenosos”, pontuou Gabrielli.
Ainda assim, o pesquisador ressalta que a descoberta é um alerta sobre a forma como lidamos com o meio ambuiente. “No futuro, a bioacumulação pode concentrar metais da água que se fundem [derretem] em níveis tóxicos e perigosos para os tecidos de organismos que vivem em ecossistemas abaixo da geleira”, exemplificou o especialista.
Estamos acostumados a ver fotografias de animais, paisagens e retratos. As imagens nos cercam em anúncios publicitários, notícias e mídias sociais. Dentre os registros da natureza estamos acostumados a ver imagens do mar, tanto da superfície quanto subaquáticas. Mas o ponto de vista escolhido por Tobias Friedrich para essa fotografia é um tanto inusitado.
Friedrich é apaixonado pelo mundo subaquático desde criança. Ele mora na Alemanha e começou a fotografar sob a água em 2007. A fixação por icebergs teve início em 2012, quando mergulhava em Tasiilaq, sudeste da Groenlândia. Enquanto navegavam, em agosto, ele percebeu que o movimento da água era irregular na superfície, com ângulos e planos. Mas, sob a água, era redondo.
O fotógrafo voltou três vezes para o local, da última vez em março, o fiorde estava congelado. Isso fez com que centenas de icebergs ficassem imobilizados. Por duas semanas percorreu o local com outro mergulhador em busca de formações impressionantes.
Friedrich e o companheiro de mergulho abriram triângulos de gelo de 20 polegadas de espessura, um para entrar e dois para sair, perto da base de cada iceberg. Apesar de se proteger com camadas de roupa, o rosto ficou exposto e os lábios de Friedrich ficaram dormentes em cinco minutos.
A setenta pés de profundidade, Friedrich pode aproveitar vistas deslumbrantes do iceberg. Ele fez centenas de fotografias. Uma delas foi essa acima, que lhe rendeu o 2º lugar na categoria de água gelada no 8º Concurso Fotográfico Submarino Ocean Art. A imagem foi capturada com uma DSLR protegida por case subaquático. No registro o companheiro de mergulho aparece sob o iceberg rodeado pelas luzes de vídeo e na contraluz da claridade externa. [Wired, Below Surface, Ocean Art]
Maloca do povo suruwahá, no Amazonas; missionários já foram expulsos da área ‘em função de atividades proselitistas e discriminatórias’
Membros de uma organização missionária cristã próxima à ministra Damares Alves participarão nesta semana de uma viagem organizada pelo governo federal ao território de um dos povos indígenas com menos laços com a sociedade brasileira majoritária: os suruwahás, do Amazonas.
O governo diz que a viagem busca sanar uma “crise de saúde mental” que teria causado cinco suicídios entre os indígenas em 2019. A etnia, também conhecida como zuruahã, soma pouco menos de 200 integrantes.
Comporão a equipe duas indígenas ligadas à Jocum (Jovens com uma Missão), entidade missionária de origem americana que já foi expulsa do território suruwahá “em função de atividades proselitistas e discriminatórias”, segundo o Ministério Público Federal (MPF).
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, diz que essas indígenas, Muwaji e Inikiru Suruwahá, trabalhão como intérpretes. Ambas foram retiradas da aldeia por missionários da Jocum há 14 anos. Desde então, uma delas se tornou missionária evangélica, e a outra se engajou em campanhas promovidas pela organização.
A viagem, entre os dias 12 e 22 de fevereiro, é uma iniciativa do ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado por Damares, e da Sesai.
Procuradores da República, uma doutora em Psicologia e antropólogos criticaram a presença das integrantes da Jocum na expedição, alertando que a entidade pode deturpar os objetivos da viagem e lhe dar um caráter religioso. Antropólogos questionam ainda a existência de uma crise de saúde mental entre o povo.
Eles argumentam que, para os suruwahás, o suicídio é bastante comum e não tem a mesma conotação que para outras populações, e dizem que a comunidade jamais solicitou qualquer intervenção do governo sobre o tema.
O embate expõe as tensões associadas ao trabalho missionário entre povos indígenas e ocorre dias após a nomeação do antropólogo e ex-missionário evangélico Ricardo Lopes Dias para a chefia do órgão da Funai responsável pela proteção a indígenas isolados e de recente contato. A viagem, no entanto, já estava agendada antes da nomeação de Dias.
O caso também joga luz no debate sobre os limites entre a autonomia dos povos indígenas e o ímpeto do Estado de intervir em condutas dos grupos que considera nocivas.
Mapa mostra as bases da Jocum (Jovens com uma Missão) no Brasil
Perguntas não respondidas
Questionado repetidas vezes sobre a expedição, o Ministério da Saúde enviou uma nota curta à BBC News Brasil na qual diz que uma “uma equipe interministerial dos ministérios da Saúde e da Mulher, Família e Direitos Humanos se deslocará ao território do Povo Suruwahá para avaliação e monitoramento de saúde mental”.
“Trata-se de uma equipe técnica, com dois intérpretes, não sendo composta pela secretária (da Sesai) Silvia Waiãpi”, disse o órgão.
Já o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos disse que nenhum membro da pasta participará da viagem.
Os ministérios não responderam por que duas pessoas ligadas à Jocum trabalharão como intérpretes nem comentaram o controverso histórico da entidade. Tampouco responderam se a comunidade havia concordado com a visita e não se posicionaram sobre a noção de suicídio entre os suruwahás.
Na semana passada, o Ministério Público Federal no Amazonas enviou um ofício à Sesai questionando quais “as medidas adotadas para impedir a prática de proselitismo religioso” na visita. O órgão cobrou ainda a Sesai a seguir os protocolos de quarentena exigidos em atividades junto a indígenas de recente contato, que são mais vulneráveis a doenças contagiosas.
Vida entre missionários
A presença de Muwaji e Inikiru na expedição foi citada em documentos da Sesai sobre os preparativos da viagem, aos quais a BBC News Brasil teve acesso. Os documentos dizem que a viagem busca sanar uma “crise de saúde mental” que seria a causa de vários suicídios recentes no grupo.
As indígenas voarão de Brasília até a cidade de Lábrea (AM), de onde seguirão até o território suruwahá na companhia de outros profissionais.
Muwaji e Inikiru foram retiradas da comunidade por um casal de missionários da Jocum, Edson e Márcia Suzuki, em 2006 e 2007, respectivamente. Desde então, passaram a morar com famílias de missionários e perderam o contato com o seu povo.
Inikiru tinha 9 anos quando deixou a aldeia rumo à cidade. Hoje com 22 anos, ela mora com uma família que chefia a base da Jocum na Chapada dos Guimarães (MT) e se tornou, ela própria, missionária.
Em janeiro, Inikiru fez uma vaquinha online para financiar uma viagem missionária à Turquia. No texto em que pede doações, Inikiru diz vir “de um povo isolado, onde eles cometem suicídios por falta de esperança”.
“Esperança, para mim, é falta do Evangelho — eu creio que o meu povo vai ser resgatado pela palavra da verdade do Evangelho”, prossegue a indígena.
Inikiru diz então que, “em busca de levar essa palavra ao meu povo”, frequentou uma Escola de Treinamento e Discipulado (Eted), espécie de curso de formação para missionários. A BBC News Brasil contatou Inikiru, mas ela não quis dar entrevista nem comentar a viagem para o território suruwahá.
Linguistas e missionários
Edson e Márcia Suzuki se aproximaram dos suruwahás pela primeira vez em 1985 para estudar sua língua. Em 1997, segundo um documento da Funai, a dupla passou a realizar “de modo aberto uma nova fase de indoutrinação religiosa de tipo fundamentalista” na comunidade.
Em 2006, os dois foram contratados como intérpretes pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para acompanhar Muwaji e sua filha, Iganani, diagnosticada com retardo de crescimento e desenvolvimento, até Brasília, onde a menina receberia tratamento médico.
No ano seguinte, o casal voltou ao território suruwahá. Desta vez, ao regressar a Brasília, a dupla também levou Inikiru e outro filho de Muwaji, Ahwari, na época com 12 anos. “Tudo, convém destacar, sem qualquer autorização por parte da Funai ou da Funasa”, diz o documento.
Questionada pela BBC News Brasil sobre o motivo da viagem, a Jocum disse que caberia à Sesai responder. “A Jocum tem contato com o povo Suruwahá há mais 25 anos. A instituição trabalhou na tradução da língua e já foi parceira, inclusive da Funai, em alguns projetos, incluindo tradução”, disse uma nota enviada pela chefe da organização em Porto Velho, Cleonice Larsson.
Sobre a presença de Muwaji e Inikiru, disse que “ambas são indígenas suruwahá, falam a língua e certamente a equipe técnica ponderou a necessidade de ambas integrarem a equipe”.
Lei Muwaji
Em entrevistas e textos que publicou na internet, Márcia Suzuki afirma que, se Iganani voltasse a morar na aldeia, seria morta, já que, segundo a missionária, os suruwahás têm o costume de sacrificar crianças que nascem com deficiência. Por isso, diz ela, Muwaji resolveu ficar com a filha na cidade.
A mãe acabou dando seu nome ao Projeto de Lei 1.057/2007 (“Lei Muwaji”), que estabelece penas para agentes públicos que deixem de agir para evitar que crianças indígenas sejam mortas por terem deficiência, serem fruto de gestações múltiplas, terem marcas de nascença ou não serem assumidas por um dos genitores, entre outras situações.
O projeto foi fortemente apoiado pela Jocum e pelo Movimento Atini-Voz Pela Vida, que teve entre seus fundadores Damares Alves e o casal Márcia e Edson Suzuki. Muwaji defendeu a proposta no Congresso, e seu rosto passou a estampar campanhas favoráveis à iniciativa.
O projeto é de autoria do então deputado federal Henrique Afsonso (PT-AC), que disse mirar “práticas tradicionais nocivas, as quais se encontram presentes em diversos grupos sociais e étnicos do nosso país, (e) não podem ser ignoradas por esta Casa (a Câmara)”.
Já organizações de antropólogos e do movimento indígena afirmam que o projeto de lei estigmatiza os povos nativos ao associá-los a práticas extremamente raras e que também ocorrem em outras sociedades, mas não são citadas na proposta.
Indígenas recém-contatados do povo korubo
Damares e o casal Suzuki
Damares abraçou o projeto de lei desde o início e trabalhou pela sua aprovação em duas frentes. No Congresso, a então assessora parlamentar ajudou a angariar apoios ao texto entre congressistas evangélicos.
E, em 2006, Damares ajudou a fundar, junto com o casal Suzuki, da Jocum, o Movimento Atini-Voz Pela Vida, que diz ter o objetivo de “prevenir o infanticídio” em comunidades indígenas. Em seu site, a Atini diz que Damares deixou a organização em 2015.
O movimento diz ter salvado várias crianças desde sua criação. Uma delas é Lulu Kamayurá, menina que Edson e Márcia Suzuki retiraram de uma aldeia no Xingu e hoje mora com Damares, que a trata como uma filha.
A mobilização da Jocum e da Atini em favor do projeto de lei virou caso de Justiça após as organizações divulgarem um vídeo encenado no qual crianças indígenas deficientes eram enterradas vivas. O filme, chamado Hakani, dizia retratar uma “história verdadeira” encenada por “sobreviventes ou vítimas resgatadas de tentativas de infanticídio”.
Segundo o MPF, porém, a encenação usou membros da etnia karitiana, “que não tem a prática de infanticídio em sua cultura e que passou a sofrer diversas consequências negativas após o documentário”. Em 2017, a Justiça determinou que o vídeo fosse retirado do ar.
Autoenvenenamento
A expedição do governo até o território suruwahá foi criticada por Antenor Vaz e Adriana Huber, pesquisadores que já trabalharam com o grupo. Hoje coordenadora do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) — órgão ligado à Igreja Católica — em Manaus, Huber viveu entre os suruwahás de 2006 a 2011 e fez uma tese de doutorado em Antropologia sobre a prática de “autoenvenenamento” utilizada pelo grupo.
Segundo Huber, os suruwahás passaram a ingerir timbó — veneno usado em técnicas de pescaria — há cerca de um século. Na época, a invasão do território da etnia por seringueiros havia feito com que vários subgrupos suruwahás se juntassem em uma mesma aldeia. A partir dessa reorganização, a resolução de conflitos internos assumiu outra lógica.
Até então, diz ela, os embates comunitários eram mediados pelos xamãs (líderes espirituais) de cada subgrupo. Com o agrupamento, diz Huber, os xamãs perderam importância, e a ingestão de timbó assumiu o papel de mediação de conflitos.
Ela diz que os suruwahás não tomam veneno necessariamente porque querem morrer, mas para ver quais pessoas tentarão salvá-los e quem se comoverá. “Mas, às vezes, acabam falecendo acidentalmente, o que causa grande comoção na comunidade”, diz a antropóloga.
Hoje, o autoenvenenamento é principal causa de morte entre os suruwahás, responsável por mais de 80% dos óbitos entre os adultos.
Entre 1984 e 2018, segundo a Funai, houve uma média de 3,9 casos por ano no grupo. Segundo Huber, os dados mostram que os cinco casos registrados em 2019 seguem a tendência histórica e não indicam a existência de uma crise de saúde mental.
Folheto distribuído por testemunhas de Jeová entre indígenas do povo xavante, em Mato Grosso
Em artigo publicado na revista Espaço Ameríndio, em 2009, os antropólogos Kariny Teixeira de Souza e Márcio Martins dos Santos dizem que, para os suruwahás, a morte por ingestão de timbó não é interpretada como um ato de covardia nem uma afronta aos desígnios divinos, mas sim um caminho respeitoso e digno para uma vida melhor.
Eles dizem que, na cosmologia do grupo, quem morre envenenado com timbó tem acesso a “um lugar de muita alegria, onde se reencontra com os antepassados e onde as pessoas não envelhecem jamais”. “Todavia, só chegam a este lugar aqueles que morrem pela ingestão do veneno. Quem morre por velhice será privado deste lugar e sua alma ficará vagando sem destino”, afirmam.
Suicídios entre outros povos
Proporcionalmente, o índice de suicídio entre os suruwahás (2.280 por 100 mil habitantes) é 373 vezes maior que a média do Brasil (6,1/100 mil) e 92 vezes maior que a média do país com a maior taxa do mundo, a Guiana (30,2/100 mil).
De maneira geral, o índice de suicídios entre indígenas brasileiros é três vezes maior que a média nacional e atinge cifras especialmente altas em algumas etnias. Um dos casos mais conhecidos é o dos guarani kaiowá, de Mato Grosso do Sul.
Porém, para Huber, o caso dos suruwahás é bem distinto do dos guarani kaiowá. Enquanto estes vivem em territórios pequenos e sob disputa contante com fazendeiros, os suruwahás “têm terra demarcada, têm bom espaço, caçam, têm soberania alimentar completa, grandes roçados, comida abundante, ou seja, têm todos os meios para viver bem na terras deles”.
Tanto é assim, diz ela, que a população suruwahá tem crescido desde que a etnia foi contatada pela primeira vez por missionários católicos, no fim dos anos 1970.
Huber diz que os suruwahás ficam chateados quando são tratados como “suicidas” e rebatem apontando para os problemas da sociedade brasileira majoritária. “Eles dizem: ‘a gente toma veneno quando está com raiva, mas vocês têm um problema imenso de partilha de riquezas e lidam com esses conflitos bebendo cachaça e se esfaqueando.”
Missionários católicos entre indígenas do Alto Rio Negro, no Amazonas
Mais importante, diz Huber, é que “os suruwahás nunca pediram ajuda externa para lidar com essa prática e não têm ideia do que seja a função da psicologia na nossa sociedade”. Ela questiona ainda a presença das indígenas ligadas à Jocum na expedição e diz que outras pessoas poderiam atuar como intérpretes.
Huber diz que Inikiru e Muwaji “estão fora da aldeia, em processo de formação missionária, há uma década”, e critica o uso de recursos públicos para transportar “pessoas com histórico de proselitismo religioso” até o território.
Estado e missões religiosas
Para Júlio José Araújo Júnior, procurador que coordena o Grupo de Trabalho do MPF sobre Povos Indígenas e Regime Militar, o caso ilustra uma “etapa avançada da tentativa de colocar o Estado a serviço de interesses de missões religiosas”. O procurador diz que missões religiosas “manejam conceitos importantes, como a noção de dignidade humana, para favorecer a imposição de uma visão de mundo”.
Para a psicanalista Vera Iaconelli, doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), a psicanálise parte do pressuposto de que “todo sujeito tem um direito inalienável de acabar com a própria vida”, e a pior forma de lidar com quem está pensando em se matar é tratá-lo “com um discurso moralizante” próprio de várias religiões.
Ela afirma que o suicídio tem sentidos diferentes em cada cultura e que, para abordar o tema em uma comunidade indígena, é preciso “entender onde estão suas feridas e que tipo de sofrimento eles podem estar vivendo coletivamente”.
“Nesses ambientes, o psicanalista tem mais a escutar do que a falar. E não necessariamente ele precisa entrar lá: pode ser um interlocutor de pessoas de confiança da comunidade, ajudando-as a pensar essas questões.”
Para ela, convidar religiosos para lidar com saúde mental “é como chamar veterinários para cuidar de uma crise termonuclear”. “Não tem nada a ver.”
(Dez/2019) Vista aérea da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho
A produção de minério de ferro da Vale registrou uma queda de 21,5% em 2019, devido a interrupções em suas atividades após o rompimento da barragem de Brumadinho, que causou 270 mortes, informou a empresa nesta terça-feira (11).
A Vale, maior produtora mundial de minério de ferro, produziu 301,9 milhões de toneladas deste metal no ano passado, em comparação com 384,6 milhões de toneladas em 2018 (-21,5%), informou a empresa em comunicado.
O rompimento da barragem de Brumadinho, em janeiro de 2019, causou a “interrupção operacional” em pelo menos outras cinco barragens ao longo do ano e isso, somado às variáveis climáticas, teve “grandes impactos na produção”, segundo a empresa.
No quarto trimestre de 2019, a produção de minério de ferro foi de 78,3 milhões de toneladas, uma queda de 22,4% em relação ao mesmo período do ano anterior, e 9,6% a menos que no terceiro trimestre de 2019.
Para o primeiro trimestre de 2020, a empresa reduziu suas estimativas de produção, prevendo entre 63 e 68 milhões de toneladas. A estimativa anual é mantida entre 340 milhões e 355 milhões de toneladas.
O sinal de que a Vale pode limitar a oferta em 2020 tranquilizou os mercados, que temem que a epidemia do novo coronavírus na China reduza a demanda por minério de ferro, de acordo com a agência de informações financeiras Bloomberg.
As ações da Vale subiam 3,6% nesta terça-feira na Ibovespa.
De agosto de 2018 a julho de 2019, o desmatamento mapeado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) no Cerrado foi de 6,4 mil quilômetros quadrados, o equivalente a quatro vezes o território da cidade de São Paulo.
O Mato Grosso, unidade da federação que concentra a maior área do bioma e que é o maior produtor de soja do país, foi o terceiro estado que mais destruiu, sendo responsável por 14% de todo o desmatamento detectado, do qual 88% feito de forma ilegal e concentrado em latifúndios. Os números foram coletados pelo Instituto Centro de Vida (ICV).
Embora a área do Cerrado desmatada no Mato Grosso tenha se reduzido em 6% em relação ao período anterior, o ritmo da abertura de novas áreas no estado continua “alarmante” na avaliação do ICV.
Para o engenheiro florestal e coordenador de inteligência territorial do instituto, Vinicius Silgueiro, a queda não é significativa, até porque reflete em parte o fato de que mais da metade do Cerrado mato-grossense já foi destruído.
O geólogo, antropólogo e arqueólogo Altair Sales, um dos maiores especialistas em Cerrado do país e que pesquisa o bioma desde a década de 1970, ressalta que a queda “não é nada, porque a destruição do Cerrado no estado já chegou no seu limiar há mais de dez anos”. O que ainda há “são pequenas manchas de vegetação ou de árvores isoladas que não representam comunidades vegetais”.
Somando-se os dados de desmatamento do Cerrado e da Amazônia no estado, o total em 2019 foi de 2.560 quilômetros quadrados, aumento de 10% em relação a 2018, conforme números preliminares do ICV. “Esse cenário mantém o Mato Grosso distante de cumprir o compromisso internacional assumido durante a Conferência do Clima em Paris, em 2015”, diz o relatório da ONG divulgado no início de fevereiro. Na ocasião, o governo estadual se comprometeu a diminuir o desmatamento nesse bioma e atingir 150 quilômetros quadrados ao ano até 2030.
O principal motivo do desmatamento alto, de acordo com o instituto, é o elevado grau de ilegalidade: no período apurado, 88% do desmatamento no Cerrado mato-grossense foi ilegal, uma queda em relação ao período anterior, de 95%, mas ainda um número alto. Em alguns municípios, 100% do desmatamento foi criminoso.
Segundo Silgueiro, chama atenção a crescente concentração do desmatamento ilegal em latifúndios, à medida que foi se reduzindo a fiscalização. Pouco mais de 60% do desmatamento no Cerrado foi em imóveis registrados no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e, do desmatamento ilegal detectado nesses imóveis, 64% se concentrou em áreas maiores que 1.500 hectares, um aumento em relação ao período anterior, quando esse número era de 56%. Apenas 1% ocorreu em terras indígenas, e 1%, em áreas de conservação.
“É caro desmatar, precisa de maquinário, mão de obra; custa em torno de dois ou três mil reais por hectare, então isso está sendo feito por gente com poder, ao mesmo tempo em que há menor fiscalização e maior sensação de impunidade”, diz o engenheiro florestal. Desde 2015 o número de autuações do Ibama vem caindo no estado, passando de mais de mil naquele ano para 411 em 2019.
Segundo a professora do departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), Mercedes Bustamante, que pesquisa o Cerrado desde 1993, a mudança de posicionamento governamental em relação ao meio ambiente também tem impacto no avanço do desmatamento. “O que já vimos no passado é que essas mudanças de discurso, mesmo que não estejam ligadas a uma mudança de legislação, já são suficientes para disparar processos no Brasil profundo. Aqui você encontra órgãos federais e estaduais menos estruturados, e o resultado é este.”
Especulação e agronegócio impulsionam desmatamento
Pela lei, uma porção dos imóveis rurais pode ser desmatada, desde que tenha autorização. No bioma Amazônia, que também está presente em parte do Mato Grosso, apenas 20% de um imóvel rural pode ser desmatado, enquanto o restante deve permanecer como reserva legal. No Cerrado, a relação praticamente se inverte: 35% deve ser reserva legal. Mesmo assim, chama a atenção dos pesquisadores a permanência do alto índice de ilegalidade, apesar das ferramentas disponíveis hoje para monitorar e fiscalizar.
Na avaliação de Bustamante, o padrão de desmatamento ilegal está associado a obras de infraestrutura e ao agronegócio. “Quando você olha os municípios mais afetados, é onde há obras de infraestrutura, como abertura de estradas, para facilitar o escoamento de produção agrícola. Então, tem um braço de infraestrutura, associado à especulação, mas é uma especulação que também está ligada a condições mais favoráveis para a produção agrícola”, explica.
Além de ser um estado com tradição de produção pecuária, o Mato Grosso é o maior produtor de soja do país, tendo respondido por 28% da última safra, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
A Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema) disse, por meio de nota, que a valorização do dólar americano é um dos fatores que impulsionam o desmatamento, ao elevar os preços das commodities e pressionar as fronteiras agrícolas. A nota também cita “problemas sociais ligados à regularização ambiental dos assentamentos e especulações fundiárias”. O levantamento do ICV mostra, contudo, que os assentamentos responderam por apenas 9% da área desmatada no último período.
Segundo a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), nos últimos três anos “todos os frigoríficos que operam no bioma amazônico e cerrado no Mato Grosso assinaram Termos de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, comprometendo-se a não comprar gado de produtores que realizam desmatamento nestas áreas”. A Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja) do Mato Grosso foi procurada, mas não retornou o contato.
O Ministério Público do Mato Grosso (MP-MT) realizou entre 2018 e 2019 a Operação Polygonum, que apurou crimes ambientais, muitos relacionados a fraudes no CAR, com o intuito de esconder áreas desmatadas ilegalmente, por exemplo. Ao todo, 69 infratores ambientais foram indiciados, incluindo funcionários da Secretaria de Meio Ambiente do estado.
A Sema informou que, em setembro de 2019, a pasta colocou em ação um “intenso monitoramento de todo território” estadual por meio da Plataforma de Monitoramento da Cobertura Vegetal. A meta é autuar remotamente 100% das ilegalidades.
Cerrado é vital para equilíbrio hidrográfico
Apelidado “caixa d’água” do Brasil, o Cerrado é considerado fundamental para o equilíbrio hídrico de todo o continente sul-americano, já que a maioria das bacias hidrográficas da América do Sul nasce e tem seus principais alimentadores na região.
Segundo o geólogo Sales, com o desmatamento, a água da chuva não se infiltra mais no solo como antes, o que provoca a diminuição drástica dos lençóis subterrâneos, por sua vez causando a diminuição da vazão dos rios e fazendo com que eles desapareçam aos poucos.
“A cada ano que passa, a gente constata pelo menos o desaparecimento de dez pequenos rios na região”, diz o professor. Ele ressalta que os pequenos vestígios de Cerrado intacto que ainda existem no país estão sendo preservados em algumas áreas indígenas, mas mesmo estas estão sob ameaça.
A professora da UnB Bustamante ainda lista a mudança local do clima, já que há redução do retorno de água para a atmosfera, erosão da biodiversidade e mais emissões de carbono, combinando efeitos locais e globais.
Segundo Sales, pecuária e monoculturas como a da soja são atividades incompatíveis com a sobrevivência do Cerrado. “Anteriormente, quando o Cerrado ainda estava preservado, isso [cultivar soja e pastagens] seria perfeitamente possível com um planejamento adequado de ocupação do espaço”, afirma.
Para a preservação do que restou do bioma, a estratégia mais aceita é fortalecer e ampliar áreas de conservação e terras indígenas. “Foi uma estratégia que funcionou muito bem para a Amazônia, mas no Cerrado é um pouco mais complicado porque lá a área é majoritariamente privada. Então, parte da solução do problema passa também pelo setor privado”, afirma Bustamante.
Além disso, seria preciso haver fortalecimento da fiscalização, fazer valer a lei ambiental e eventualmente fazer o manejo das áreas já desmatadas e usadas para o agronegócio para melhor aproveitamento e elevação da produtividade.
Pesquisador alemão diz que camada de ozônio sobre o Ártico está mais fina. Fenômeno se deve a massas de ar especialmente frias. Afinamento já havia sido descrito em 2011.
Afinamento da camada de ozônio foi observada em 2011 em artigo da ‘Nature’
Um cientista alemão detectou o que diz ser o primeiro buraco na camada de ozônio acima do Polo Norte. Nas últimas duas semanas, a espessura da camada sobre o Ártico vem mostrando estar menor do que a que define o buraco sobre a Antártida, no Polo Sul. A afirmação foi feita nesta quarta-feira (25/03) por Markus Rex, diretor do departamento de Física Atmosférica no Instituto alemão Alfred Wegner.
“Nas áreas de espessura máxima da camada de ozônio, a perda é de cerca de 90%”, disse Rex. Isso equivale a uma área três vezes o tamanho da Groenlândia. Segundo Rex, o buraco afeta uma área total de 20 mil quilômetros quadrados.
O pesquisador explicou que o afinamento da camada de ozônio na região se deve a um vórtice polar especialmente forte no inverno deste ano no Hemisfério Norte, combinado a baixas temperaturas na estratosfera, onde fica a camada de ozônio.
O vórtice polar é um ciclone persistente de ventos frios ao redor dos polos de um planeta. Esses turbilhões costumam ser mais fortes no inverno e diminuem ou podem até desaparecer no verão – assim como o buraco na camada de ozônio na Antártida, que tende a diminuir no verão do Hemisfério Sul.
“No momento, essas massas de ar ainda estão concentradas por cima do Ártico central – por isso, as pessoas na Europa não precisam se preocupar em se queimar de sol mais rapidamente do que de costume”, afirmou o alemão. Ele não descartou, porém, que essas massas de ar se desloquem do Ártico central para a Europa em abril.
O afinamento da camada de ozônio sobre o Ártico já chegou a ser observada em 2011 e foi detalhado num artigo publicado na revista científica Nature. “Pela primeira vez no período observado, a destruição química do ozônio no Ártico, no início de 2011, foi comparável à do buraco sobre a Antártida”, explicaram os autores, na época.
Eles ainda lembraram que o buraco sobre a Antártida é um fenômeno sazonal. “A remoção praticamente completa de ozônio costuma resultar numa fissura todo ano, enquanto a perda de ozônio no Ártico é altamente variável e, até agora, foi mais limitada”, acrescentaram.
A redução do ozônio na atmosfera que costuma ocorrer na Antártida acontece porque as temperaturas na região são as mais baixas em todo o planeta. No Ártico, as temperaturas não costumam ser tão frias. No inverno polar, surgem concentrações de cloro em nuvens nas camadas mais estratosféricas (altas) da atmosfera. O cloro acelera a destruição do ozônio.
Nos anos 1980, a produção dos chamados CFCs, ou clorofluorocarbonetos, foi proibida em vários países porque os compostos usados como aerossóis e gases para refrigeração contribuíam para diminuir a camada de ozônio. “Sem essa proibição, a situação este ano seria muito pior”, constatou Rex, que lembrou que esse tipo de substância é muito durável.
O buraco na camada de ozônio sobre a Antártida foi descoberto em 1985 e levou à aprovação do Protocolo de Montreal, acordo ambiental internacional com o objetivo de eliminar substâncias que reduzem a camada. Desde a adoção do acordo em 1987 até 2014, mais de 98% dessas substâncias foram eliminadas, diz o site do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Em 2019, o buraco na camada de ozônio registrou sua menor extensão em cerca de 30 anos. O ozônio funciona como um tipo de filtro solar que protege a Terra da radiação ultravioleta. Em seres humanos, os raios podem causar doenças como câncer de pele.
Uma mãe que sustenta os cinco membros de sua família apenas com seu salário. Um sem-teto comparecendo a seu primeiro emprego. Um ex-presidiário recém-libertado, pronto para uma chance de recomeçar. Reciclagem que Transforma é uma iniciativa da Dow que quer mudar a vida dessas pessoas – e o futuro do gerenciamento de resíduos na América Latina.
As cooperativas de catadores no Brasil são responsáveis por separar o lixo e vendê-lo para empresas de reciclagem. Todos os lucros dessas vendas são igualmente divididos entre os trabalhadores cooperados. Conforme as cooperativas têm sucesso ou fracassam, o mesmo acontece com trabalhadores, suas famílias e comunidades.
Reciclagem que Transforma é um programa que muda vidas e o gerenciamento de resíduos.
Financiado pela Dow, o programa Reciclagem que Transforma permite que a startup Boomera e a ONG Fundación Avina tragam qualificação, equipamento, gestão e profissionalismo aprimorados para cooperativas e trabalhadores. Meses depois do lançamento do programa na maior produtora de resíduos do Brasil, a cidade de São Paulo, a produtividade cresceu 70%, as vendas aumentaram 50% e os salários médios mensais subiram acima do salário mínimo.
As cinco cooperativas selecionadas para testar o programa empregam 214 trabalhadores, mas beneficiam também, pelo menos mais 450 familiares que dependem desses trabalhadores. À medida que as cooperativas se profissionalizam, os trabalhadores adquirem um novo senso de dignidade e orgulho do papel que desempenham na ampla cadeia de gerenciamento de resíduos. Com essa nova mentalidade, eles veem seu trabalho como uma carreira com valor social real.
Panorama geral do galpão da Cooperativa Central Tietê, em São Paulo (SP), antes das intervenções do projeto.
A iniciativa também cria um suprimento de melhor qualidade para a produção de resina plástica reciclada pós-consumo. Isso possibilita um maior fluxo de vendas para as cooperativas e se conecta a um modelo de economia circular no qual os resíduos plásticos são reciclados e reutilizados repetidamente, sem nunca chegar ao meio ambiente.
“Graças à cooperativa, pude fazer faculdade e dar esperança aos outros. Eu sou exemplo de como eles podem mudar de vida.”
POR TELINES BASÍLIO PRESIDENTE DA COOPERATIVA COOPERCAPS
Os líderes preveem que muito mais ainda está por vir. Conforme novos equipamentos e processos forem implementados na íntegra, a produção pode dobrar. Em última instância, o programa visa criar um modelo aberto que possa ser replicado em outras cooperativas – dando uma nova vida ao lixo, às famílias e a ambientes ameaçados no Brasil e na América Latina.
Funcionários da Dow conduzem testes laboratoriais de reciclagem de plástico no centro de inovação da empresa, em Jundiaí-SP.
NÃO DEIXE VIRAR LIXO
Os resíduos plásticos não devem estar presentes no meio ambiente nem nos aterros sanitários. Novas opções inovadoras de coleta, conceitos de reutilização, tecnologias de reciclagem e programas de limpeza estão fazendo a diferença em todo o mundo – e provando que o plástico é valioso demais para virar lixo.
Funcionário da Dow segura protótipo de garrafa plástica produzida a partir de material reciclado.
Fonte: National Geographic – Conteúdo em parceria com DOW