Mudança climática também gera terreno fértil para o terror
Alau-Kofa fica a apenas 12 quilômetros da metrópole Maiduguri. Lá, na capital do estado de Borno, estão bases militares e policiais. O grupo terrorista islâmico não poderia ter escolhido forma mais clara de refutar a alegação do Exército nigeriano de que a milícia teria sido derrotada.
O Boko Haram matou entre 20 mil e 25 mil pessoas na última década. A destruição material causada pelos terroristas islâmicos também é enorme: o Banco Mundial estima a soma do dano em quase seis bilhões de dólares. Dois milhões de pessoas tiveram de fugir ou foram expulsas de seus lares. No estado nigeriano de Borno, 30% de todas as casas privadas teriam sido destruídas, além de milhares de edifícios públicos.
Pecuaristas contra agricultores
Mas o Boko Haram não é o único problema de segurança na região do Sahel. Cada vez mais frequentemente, pecuaristas e agricultores se enfrentam. Isso ocorre, em parte, porque uns são principalmente cristãos e os outros, muçulmanos e, além disso, pertencem a diferentes tribos. Mas isso também acontece muitas vezes porque as mudanças climáticas tornam a água escassa, e as pessoas passam a temer por sua subsistência.
A conexão entre mudanças climáticas e conflitos também é tema a ser discutido na Conferência de Segurança de Munique, evento de três dias que começa nesta sexta-feira (16/02) na capital bávara.
“Embora os conflitos não sejam atribuídos a apenas uma causa, podemos dizer, com certeza, que a mudança climática é uma das causas dos conflitos violentos. E em algumas regiões de conflito também há uma relação direta com o terrorismo”, afirma, em entrevista à DW, Patricia Espinosa, secretária-geral da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). Ela fala neste fim de semana em Munique, em um debate intitulado Securing the Sahel (protegendo o Sahel).
Recentemente, Espinosa discursou diante do Conselho de Segurança da ONU sobre “os efeitos negativos das mudanças climáticas e mudanças ambientais, entre outros fatores que afetam a estabilidade da África Ocidental e da zona do Sahel”.
Exemplo negativo do Lago Chade
A região em torno do Lago Chade é considerada um exemplo clássico de como as mudanças climáticas destroem os meios de subsistência das populações, abrindo caminho para conflitos violentos. Cerca de 30 milhões de pessoas dependem das águas do Lago Chade, que abastecem Nigéria, Chade, Níger e Camarões. Mas o lago encolheu 90% nos últimos 40 anos. Isso não foi causado somente pelas mudanças climáticas, mas tem muito a ver com elas.
“Cerca de 90% da população na região depende das águas do lago para sua subsistência, como pescadores, agricultores e fazendeiros”, estima Janani Vivekananda, especialista em mudanças climáticas do think tankberlinense Adelphi. Mas ela não menciona as mudanças climáticas como única fonte de conflito.
Segundo a cientista política, a marginalização de determinados grupos, a pronunciada mentalidade tribal, o mau gerenciamento governamental e a falta de serviços públicos contribuíram significativamente para o problema.
“À medida que a mudança climática reduziu os meios de subsistência, preparou o terreno para a violência e a deterioração dos serviços públicos”, diz. Segundo Vivekanda, os jovens com poucas oportunidades para garantir sua subsistência passaram a ser, então, alvos fáceis para o recrutamento de grupos armados .
Terroristas pelo dinheiro
Um estudo de 2016 da ONG Mercy Corps corrobora essa tese. A organização entrevistou 47 ex-combatentes do Boko Haram para saber os motivos para se juntarem ao grupo terrorista. Enquanto as razões religiosas quase não desempenharam papel, motivos econômicos, como o desejo de possuir renda, empréstimos e dinheiro para se casar, foram fator decisivo na maioria dos casos.
A especialista em mudanças climáticas Janani Vivekananda explica que comunidades já enfraquecidas por conflitos ou por governos sobrecarregados seriam particularmente vulneráveis. “Os efeitos das mudanças climáticas fazem com que essas sociedades se desestabilizem politicamente, criam insegurança alimentar e causam grandes fluxos migratórios”, sublinha. Essas migrações também teriam um efeito desestabilizador adicional, podendo levar a conflitos violentos.
Vivekananda também vê essa cadeia de efeitos em outras regiões, como Mali e Sudão. Mesmo em países aparentemente estáveis, como a Jordânia, os efeitos de uma seca prolongada, combinados com a chegada maciça de refugiados da Síria, podem levar à instabilidade.
Oito milhões de pessoas em torno do Lago Chade dependem de ajuda humanitária
Mudança climática e a guerra síria
A guerra na Síria também está ligada à mudança climática. Tal ideia foi defendida em 2015 pelo então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Um estudo de 2016 do Escritório da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários ilustra de forma impressionante essa conexão: secas extremas na década de 2000, uma redução de 40% na afluência do rio Eufrates, uma gestão falha da água na Síria e várias perdas em colheitas levaram a um êxodo em massa, que teve como consequências o desemprego em massa, a desigualdade social, pobreza e criminalidade.
Quando a Primavera Árabe chegou à Síria em 2011, as demandas reprimidas eram enormes – a opressão brutal da oposição finalmente levou à explosão da violência.
Já em 2012, um documento conjunto das agências de inteligência americanas profetizou “que muitos Estados importantes para os EUA sofrerão escassez de água ou inundações durante os próximos dez anos”. Isso, segundo o texto, aumentará o risco de instabilidade e de falência de Estados, levando, assim, a tensões regionais.
Problema detectado, mas ainda não combatido
O fato de que dois dos cerca de 30 debates da Conferência de Munique são sobre a área de Sahel e sobre as mudanças climáticas como um risco de segurança é considerado pelo diretor do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Sipri), Dan Smith, uma clara indicação de que a discussão deixou o estreito círculo de especialistas.
Mas Smith aponta que ainda falta a implementação dos conhecimentos obtidos. “Ainda não há nenhuma reação focada e operacional, seja na região do Sahel e ou no Oriente Médio, onde se poderia dizer ‘isto é o que precisamos fazer para ajudar as pessoas e as comunidades a se adaptarem às mudanças climáticas, para que o risco de conflitos violentos seja reduzido’”.
Encontrar tais respostas a tempo não só ajudaria as pessoas, como provavelmente também pouparia dinheiro. Cortar o problema do terrorismo pela raiz, pelo menos em parte, seria significativamente mais barato do que as respostas exclusivamente militares.
Fonte: Deutsche Welle
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