sábado, 31 de março de 2018

Para cultivar a água na natureza

Ao redor do planeta, rios estão sendo poluídos, florestas estão sendo destruídas, e recursos hídricos estão sobrecarregados — o que significa que, até 2050, quatro bilhões de pessoas poderão ainda estar sem acesso a água potável e saneamento.
Por muito tempo, nós confiamos predominantemente em infraestruturas construídas pelo ser humano para a gestão dos recursos hídricos, mas um novo relatório das Nações Unidas propõe uma solução complementar que, de fato, tem milhares de anos: trabalhar com a natureza, e não contra ela. O Relatório Mundial sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos deste ano — um Relatório do UN-Water (ONU-Água) produzido pela Unesco — propõe combinar a engenhosidade do ser humano com a engenhosidade da natureza para uma abordagem mais sustentável e harmoniosa quanto à gestão da água.
O Brasil tem dado seu exemplo há mais de dez anos na Bacia do Paraná, no sul do país. O programa Cultivando Água Boa não apenas melhorou o meio ambiente, como também aumentou a qualidade de vida dos habitantes.
Do reflorestamento das florestas ao uso de fertilizantes naturais, da limpeza dos equipamentos agrícolas para que os pesticidas não cheguem aos rios à utilização de técnicas tradicionais de terraceamento para prevenir que solos ricos desapareçam nos rios, o programa mostra de que forma técnicas simples podem fazer uma grande diferença.
Vinte e quatro milhões de árvores foram plantadas, vinculando o mundialmente reconhecido Parque Nacional do Iguaçu, um sítio do Patrimônio Mundial Natural da Unesco, a outras florestas, estimulando o desenvolvimento da diversidade local de espécies. O Canal da Piracema agora segue um curso natural, contornando a Represa de Itaipu e permitindo que os peixes migradores desçam pelo rio até comunidades pesqueiras locais. Fazendeiros que usam métodos mais orgânicos têm visto seus meios de subsistência melhorarem, e as crianças que estudam em escolas locais estão tendo refeições mais saudáveis.
Tudo isso é o resultado de se posicionar a importância da água no centro das políticas. Ao redor do mundo, ocorre uma mudança nas abordagens: das autoridades da cidade de Nova York que protegem as reservas naturais adjacentes, pelos benefícios tanto econômicos quanto ambientais, às estruturas de captação de água de pequena escala no Rajastão, na Índia, que levam água de volta a mil povoados atingidos pela seca.
O uso sustentável dos recursos hídricos é essencial para garantir paz e prosperidade no longo prazo, e esse tema se tornará ainda mais importante com o crescimento populacional e a mudança climática. A Unesco — como a agência da ONU responsável pela cooperação intelectual nas ciências, na educação e na cultura — tem trabalhado há mais de 50 anos na gestão da água.
Nós trabalhamos com os outros membros do UN-Water (ONU-Água) para entender o mundo natural e o nosso lugar nele. Os rios, lagos e oceanos do planeta atravessam fronteiras nacionais, e nós trabalhamos junto aos países para assegurar que tais recursos sejam divididos de forma equitativa. As culturas humanas são profundamente moldadas pelo nosso meio ambiente, e a Unesco trabalha para proteger paisagens de grande importância. Acima de tudo, a educação sobre a mudança climática e o desenvolvimento sustentável são fundamentais.
As lições do Cultivando Água Boa no Brasil têm sido reproduzidas por todo o país, assim como em outros locais na América Latina e na África. Agora, é o momento de repensar os nossos recursos hídricos mundialmente, para então equilibrarmos as necessidades humanas com o futuro do nosso planeta.
Fonte: Audrey Azoulay, diretora-geral da UNESCO

sexta-feira, 30 de março de 2018

“Temos obrigação moral de preservar os oceanos”, diz enviado especial da ONU

O chamado ODS14 é um dos 17 objetivos para o Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, ratificada por 150 países em 2017, durante a Conferência sobre os Oceanos, quando o próprio Thomson presidia a 71ª Assembleia Geral das Nações Unidas. E o ODS 14 é exatamente a meta dedicada à preservação dos mares.
Enviado especial da ONU para Oceanos, Peter Thomson, alerta para a preservação urgente dos mares do planetaUN Environment/Divulgação
Em entrevista à Agência Brasil, Thomson lembrou que entre as medidas propostas pelo ODS 14 estão a redução significativa da poluição marinha de todos os tipos, especialmente a derivada de atividades terrestres, incluindo detritos marinhos e a poluição por nutrientes, a proteção dos ecossistemas marinhos e costeiros e diminuição do impacto da acidificação dos oceanos que está entre as grandes ameaças à vida marinha.
“Todos precisam reconhecer que os oceanos têm sido danificados pela atividade humana e nós devemos fazer alguma coisa para reverter essa destruição.”
Ele destaca a necessidade de ações concretas para o cumprimento do Objetivo e lembra que depois da conferência em junho do ano passado, das qual participaram 193 países, foram propostos 1.400 compromissos voluntários, oferecidos por governos, sociedade civil, instituições acadêmicas e de pesquisa, comunidade científica e o setor privado.
“Esses compromissos propõem saídas para problemas como a acidificação dos mares, a proibição da pesca predatória e dos subsídios para essa atividade, ampliação da ciência marinha, proteção dos ecossistemas. Então, países pequenos como os das ilhas do Pacífico e outros países em desenvolvimento aliados a países desenvolvidos podem implementar juntos ações para o consumo e uso sustentável dos recursos do oceano”, disse.
Thomson conta que já existem nove comunidades com ações para preservação dos oceanos, que estão descritas no site da conferência e onde podem ser encontrados esses compromissos voluntários que já estão sendo implementados. ”Junte-se a essas comunidades de ações para os oceanos e você vai ter a oportunidade de fazer algo para mudar a situação dos mares”, pede.
Mas o enviado especial admite que o maior obstáculo para a mudança de atitude em relação aos oceanos é a falta de vontade da sociedade. “Porque se tivermos o poder da vontade nós podemos unir a ciência, governos, o mundo dos negócios, das finanças e resolver todos os problemas que temos em relação aos oceanos. E nós podemos fazer isso”.
Mudanças climáticas
Nascido num arquipélago, as Ilhas Fiji, Peter Thomson reconhece que o maior dano aos oceanos têm sido causado pelas mudanças climáticas que, entre outras consequências, está aumentando o nível dos mares principalmente por causa do efeito estufa.
“Os gases do efeito estufa aquecem os mares provocando a redução da vida marinha, a acidificação das águas. Os gases do efeito estufa reduzem o nível de oxigênio dos oceanos, o que vai tornando impossível a sobrevivência da vida marinha. Então, as mudanças climáticas são o pior problema que temos com relação aos oceanos”.
Para evitar uma catástrofe, o plano é simples: cumprir o ODS 14 que tem metas claras: “Por exemplo, remover essa horrível pesca predatória e isso é algo factível, basta que os governos tenham a vontade política de fazer isso”, disse, lembrando que muitos países ainda subsidiam frotas de navios para a pesca ilegal: “Dá para acreditar nisso?”
Ele elogiou a decisão do Brasil de proteger o litoral. O país ampliou a proteção de áreas marinhas com a criação de duas unidades de conservação federais nos estados de Pernambuco e Espírito Santo. Atualmente, 1,5% das áreas marinhas é protegida. Com a novas unidades, o percentual será ampliado para 25%.
Otimista, Peter Thomson diz que o homem precisa pensar no legado para as gerações futuras e acredita na recuperação dos oceanos se soubermos cuidar deles: ”Uma das coisas que me fazem crer nisso é a de que os oceanos são generosos e perdoam”.
Fonte: Agencia Brasil

quinta-feira, 29 de março de 2018

Governo excluiu aos ‘45 do 2º tempo’ áreas mais vulneráveis de reservas marinhas, dizem pesquisadores

As reservas – que juntas somam 92 milhões de hectares, o equivalente aos Estados de Minas Gerais e Goiás somados – fizeram com que o índice de águas marinhas brasileiras com algum grau de proteção passasse de 1,5% a 25%.
A criação das duas unidades nos arredores das ilhas brasileiras mais afastadas do continente era uma demanda antiga de ambientalistas e foi classificada como histórica pelo governo.
A configuração final das reservas, porém, foi um balde de água fria para pesquisadores que acompanharam as negociações e ajudaram a elaborar as propostas para a proteção das áreas. Eles afirmaram à BBC Brasil que mudanças nos planos originais feitas “aos 45 do segundo tempo” comprometeram a proteção de vários trechos cruciais para o equilíbrio ecológico das regiões.
Segundo os pesquisadores, a Marinha pressionou o governo a mudar as propostas para poder manter atividades pesqueiras nos dois arquipélagos – argumento rejeitado pela instituição militar, que diz ter buscado conciliar a preservação ambiental aos interesses de defesa nacional.
Image captionMapa mostra as duas maiores reservas marinhas do país, criadas nos arquipélagos de Trindade e Martin Vaz e São Pedro e São Paulo | Imagem: Governo Federal
“O governo deixou de fora boa parte dos ambientes mais ricos em vida marinha e mais sujeitos a ameaças, que eram justamente os espaços que mais precisavam de proteção”, diz à BBC Brasil o biólogo paraibano Luiz Rocha, pesquisador na Academia de Ciências da Califórnia, nos Estados Unidos.
Rocha se refere às águas rasas em torno dos arquipélagos, onde há maior concentração de recifes. No caso de Trindade, ele diz que essas áreas abrigam 80% das espécies marinhas encontradas na região.
Trindade fica em um dos extremos de uma cordilheira com 1,2 mil km iniciada na costa da capital capixaba, Vitória, e composta por cerca de 30 montes submarinos. A formação abriga 270 espécies de peixes recifais – dos quais 24 ameaçados de extinção –, maior índice de diversidade entre todas as ilhas brasileiras e um dos maiores do Atlântico.
Em São Pedro e São Paulo, menor e mais isolado arquipélago tropical do mundo, foram registradas 213 espécies, das quais 19 correm risco de extinção e uma já foi extinta.
A riqueza natural das águas costeiras faz com que sejam especialmente cobiçadas pela pesca, considerada uma das principais ameaças aos dois arquipélagos.
Nas propostas elaboradas pelos pesquisadores e submetidas pelo Ministério do Meio Ambiente a consultas públicas, todas as águas costeiras dos dois arquipélagos ganhariam o status de Monumento Natural (Mona), que confere proteção integral e proíbe qualquer atividade econômica.
As propostas previam ainda que amplas zonas em torno desses trechos ganhariam o status de Área de Proteção Ambiental (APA), categoria menos restritiva, onde atividades econômicas como a pesca e a mineração podem ser autorizadas desde que estejam previstas no plano de manejo das unidades e não causem grandes impactos.
Image captionÁreas mais ricas em espécies marinhas, como as que estão em torno da ilha de Trindade (na foto), foram deixadas de fora pelo governo | Foto: João Luiz Gasparini/Divulgação
O desenho final das unidades, porém, deixou a maior parte das águas costeiras sem qualquer status de proteção. No caso de São Pedro e São Paulo, uma pequena porção das águas costeiras ao sul do arquipélago se tornou Monumento Natural. No de Trindade, foram contempladas a costa ocidental da ilha e uma praia pequena no leste.
Nos dois arquipélagos, os maiores trechos que receberam proteção integral – e que, somados, equivalem a dois Estados da Paraíba – ficam em áreas de mar aberto, assim como os trechos que se tornaram Áreas de Proteção Ambiental, que ocupam a maior parte das unidades.
As águas de mar aberto, segundo o biólogo Luiz Rocha, têm concentração e variedade muito menor de animais. Em artigo publicado no jornal americano The New York Times na terça-feira, ele criticou vários governos – entre os quais o do Brasil – por criar grandes reservas em mar aberto em vez de enfocar zonas costeiras.
“Embora as vastas áreas de oceano sejam importantes, sua proteção não deveria ocorrer antes que as águas costeiras estejam seguras”, escreveu.
Autor do plano de criação da reserva em Trindade e Martim Vaz, o biólogo capixaba Hudson Pinheiro, também pesquisador na Academia de Ciências da Califórnia, diz que a proposta “levou vários anos para ser construída e não sofreu nenhuma contestação no período de consultas públicas, algo raríssimo, até ser alterada na véspera do decreto”.
A consulta pública é uma das últimas etapas no processo de criação de unidades de conservação, quando a proposta é submetida à sociedade e críticos podem se manifestar.
Pinheiro diz que a mudança nos planos “foi uma decisão política tomada de cima para baixo, que não levou em conta os critérios científicos que embasavam a proposta”.
“Fico muito triste, porque isso mostra que o meio ambiente não é uma prioridade para o governo”, afirma.
Para o pesquisador Carlos Eduardo Leite Ferreira, coautor da proposta de criação da reserva no arquipélago de São Pedro e São Paulo, além de abrigarem menor diversidade, as áreas que ganharam proteção integral são muito mais difíceis de fiscalizar.
Image captionA riqueza natural das águas costeiras faz com que sejam especialmente cobiçadas pela pesca | Foto: João Luiz Gasparini/Divulgação
Interesses pesqueiros
Os pesquisadores Hudson Pinheiro e Luiz Rocha dizem que a Marinha pressionou o governo a mudar as propostas para poder manter atividades pesqueiras nos dois arquipélagos.
Em Trindade, onde a Marinha mantém uma base, militares pescam há vários anos como atividade de lazer. Recentemente, além da pesca por linha e anzol, passaram a realizar caça submarina.
No estudo que amparou a proposta de criação da reserva, Pinheiro diz que a prática deixou de ser apenas recreativa e passou a causar grande impacto no equilíbrio ecológico da região. Ele diz que cada marinheiro é autorizado a transportar uma cota de peixes ao regressar da ilha, que varia de 15 kg a 100 kg de peixe limpo por militar.
Pinheiro estima que militares pesquem 2,5 toneladas de bodiões (peixes papagaio) e 2,2 toneladas de garoupa na ilha por ano, níveis “comparáveis ao da pesca comercial”. Ele afirma que entre os peixes capturados pelos marinheiros há “espécies ameaçadas de extinção, espécies raras e espécies restritas à ilha de Trindade, como a garoupa gato e o sargo de beiço”.
A Marinha disse que “é inverídica a informação de que os militares estejam autorizados a levar 100 kg de peixe limpo da ilha de Trindade”, mas não informou qual a cota permitida.
O decreto de criação das reservas garante a manutenção da “pesca de subsistência” e da “pesca econômica na Área de Proteção Ambiental da Ilha de Trindade, quando autorizada, desde que não sejam utilizados métodos predatórios”.

Image captionCadeia de montes submarinos entre Vitória e a ilha de Trindade guarda ‘floresta tropical no fundo do mar’ | Imagem: Museu Nacional – UFRJ
Pesca comercial
No arquipélago de São Pedro e São Paulo, a Marinha não está diretamente envolvida com a atividade pesqueira, mas mantém um contrato com uma empresa de pesca comercial baseada em Natal.
Em 2017, segundo o Portal da Transparência, a Marinha repassou R$ 1,3 milhão à companhia Transmar – Captura, Indústria e Comércio de Pescados Ltda. como pagamento pelo transporte de pesquisadores que atuam em uma estação cientítica em São Pedro e São Paulo.
A Marinha custeia o transporte dos cientistas por uma questão de soberania nacional: ao garantir que a ilha esteja permanentemente ocupada por civis, o Brasil pode incorporá-la a sua Zona Econômica Exclusiva, conforme a Convenção da ONU sobre os Direitos do Mar.
A estação permite a permanência de quatro pesquisadores, substituídos a cada 15 dias, segundo as diretrizes do programa Proarquipélago. O barco que transporta os cientistas é autorizado a pescar nas águas costeiras.
Segundo o estudo que amparou a proposta de criação da reserva, a pesca comercial ocorrida em São Pedro e São Paulo nas últimas décadas já levou uma espécie à extinção: o tubarão-de-galápagos, cujas nadadeiras eram exportadas para a Ásia para virar sopa.
A Marinha disse em nota à BBC Brasil que sua relação com a empresa pesqueira não afetou a posição do órgão sobre a criação da reserva.
A força diz ter solicitado que parte do arquipélago ficasse fora da área de proteção integral “para garantir a imprescindível permanência de pesquisadores na estação de pesquisa e as atividades relacionadas ao Proarquipélago”.
O órgão diz que os traçados das unidades “resultam de um acordo entre o Ministério do Meio Ambiente e a Marinha do Brasil com o propósito de conciliação da preservação de soberania e defesa nacional e da biodiversidade”.
A Marinha disse que suas atividades seriam limitadas caso todas as águas que circundam os dois arquipélagos ganhassem proteção integral.
Pesquisadores criticaram mudanças em medidas anunciadas pelo presidente Michel Temer nesta semana
A posição é contestada pelo ICMBio, órgão do governo responsável pela gestão de unidades de conservação.
Coordenador geral de Criação, Planejamento e Avaliação de Unidades de Conservação do ICMBio, Ricardo Brochado diz à BBC Brasil que o órgão tentou convencer a Marinha de que a proteção integral não conflitaria com as atividades de defesa nacional, mas que a força não cedeu e fez prevalecer sua posição.
Ele diz ainda que o ICMBio propôs à Marinha assumir o apoio logístico a pesquisadores em São Pedro e São Paulo. O assunto está sendo tratado pelos dois órgãos, segundo Brochado.
O secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, José Pedro de Oliveira Costa, diz respeitar as críticas dos pesquisadores, mas afirma que a criação das reservas “foi um passo extraordinário nunca dado anteriormente”.
Costa diz que compreender as queixas dos cientistas sobre as mudança nas propostas. “Eles têm um conhecimento detalhado dessas áreas, estiveram lá e viram coisas preciosíssimas.”
Mas afirma que os pesquisadores “erram ao partir da premissa de que a Marinha é predadora”.
“O ICMBio não tem condições de tomar conta dessas áreas sozinho. Há ações que podem e precisam ser melhoradas, mas a Marinha está mais do que aberta a tratar dessas questões.”
Fonte: BBC

quarta-feira, 28 de março de 2018

‘Brasil está mal acostumado’, diz gestor do Marrocos, sede do 1º Fórum Mundial da Água; leia entrevista

Ziyad representa uma nação habituada ao clima desértico e baixo volume de chuvas anual. O cenário é bem diferente do Brasil, detentor de mais de 10% da água doce do planeta – e que, mesmo assim, passa por crise hídrica. Uma em cada seis cidades brasileiras corre risco hídrico, segundo estudo apresentado durante o evento.
Mesmo assim, o Distrito Federal sofre cortes no abastecimento por falta de água nos reservatórios. A situação não se repete em regiões marroquinas como Marrakesh, cidade em região semi-árida próxima ao deserto do Saara e que sediou a primeira edição do Fórum Mundial da Água, em 1997.
‘Aprender com a escassez’
Por isso, tanto autoridades como cidadãos brasileiros precisam, para Ziyad, aprender com a “cultura da escassez”. Sem chuvas abundantes, o Marrocos prevê, com anos de antecedência, os sistemas de captação e abastecimento de água.
“Não são apenas obras. Existe um planejamento antecipado para orientar a sociedade civil sobre o uso da água. Empresas e cidadãos pagam tarifas altas se desperdiçam.”
A vantagem é que o brasiliense pode acompanhar diariamente a situação dos reservatórios. A Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Ambiental do DF (Adasa) divulga, todos os dias, os níveis das barragens de Santa Maria e do Descoberto.
O morador de Marrakesh, sede do primeiro Fórum, não tem a mesma facilidade: o órgão regulador da bacia hidrográfica local disponibiliza os volumes das represas apenas para pessoas cadastradas.
Oásis subterrâneos
Dados do Ministério da Água marroquino mostram que metade dos recursos hídricos do país está concentrada em apenas 7% do território – quase sempre, na região mediterrânea. No restante do Marrocos, onde o deserto predomina, a população local é abastecida por aquíferos no subsolo.
A tecnologia remonta à Idade Média. Os povos que viviam na região próxima a Marrakesh perfuravam o solo em busca de água. Construíram canais com os recursos hídricos dos aquíferos da região: os khettara.
Os métodos se desenvolveram, mas o Ministério da Água marroquino ainda destaca as captações nos aquíferos do país. “A água subterrânea continua como uma de nossas prioridades para o abastecimento”, afirmou Zayid, diretor de planejamento da pasta.
Água de reúso
O desafio, segundo o governo do Marrocos, é garantir o abastecimento por outros meios, especialmente para a agricultura. O país tem usinas de dessalinização da água do mar, e o número de reservatórios no país mais do que dobrou desde os anos 1990.
O Ministério da Água local, porém, preferiu exibir os resultados dos investimentos em reutilização durante o Fórum Mundial. Segundo dados publicados pelo órgão marroquino, o número de estações de purificação de água saltou de apenas um, em 2003, para 93 em 2017.
Esse método, no entanto, não deveria atender o consumo humano, ressaltou Zayid. “Nós sempre priorizamos a água potável em nossas políticas”, afirmou. O governo marroquino prevê que a água reutilizada abasteça a agricultura. Hoje, somente 12% desse recurso chega aos agricultores.
Da mais seca, para a mais chuvosa
Em racionamento de água há mais de um ano, Brasília é a cidade mais chuvosa a sediar o Fórum Mundial da Água. Levantamento do G1 com os órgãos de meteorologia das oito nações que receberam o evento mostra que, por ano, o volume médio de chuva é maior na capital brasileira do que em qualquer outra antiga sede.
A cidade menos chuvosa, segundo o levantamento, é justamente Marrakesh, sede da primeira edição do Fórum Mundial da Água, em 1997. Lá, chove apenas 281,3 milímetros por ano, em média – apenas 18% dos 1.525,9 mm esperados anualmente para Brasília
O cálculo envolve o valor acumulado, em média, a cada ano. Assim, mesmo com a estiagem entre meados de maio e outubro, a capital do Brasil registra volume maior por conta das fortes chuvas no período chuvoso. Em outras cidades, como Haia (Holanda) e Kyoto (Japão), chove constantemente ao longo do ano, mas em quantidade menor do que em Brasília.
O que fazer, Brasil?
Diante dos exemplos marroquinos e da crise hídrica, o professor José Francisco Gonçalves Júnior, especialista em ecossistemas aquáticos pela Universidade de Brasília (UnB), admitiu: o Brasil pecou em achar que nunca faltaria água. Segundo ele, o estado não se preparou para estiagens atípicas.
“A maioria da classe política atribui a crise às mudanças climáticas. Até tem uma razão de ser, mas a escassez não se explica só com isso. Falta planejamento para enfrentar os chamados ciclos longos, quando o clima atinge situações extremas vistas a cada dez ou 50 anos, por exemplo.”
Além do planejamento para situações críticas, Gonçalves apontou o descuido com o meio-ambiente como uma das razões para a crise hídrica. “As áreas ao redor dos rios, lagos e nascentes ficaram desprotegidas com o desmatamento das matas marginais”, diz.
Gonçalves cita regiões do DF como Águas Claras, onde, segundo ele, construções foram feitas sobre uma área rica em fontes de riachos. “Os prédios construídos ali selaram as nascentes.”
Fórum Mundial da Água
Esta é a oitava edição do Fórum Mundial da Água, realizado a cada três anos em um país diferente. A primeira edição ocorreu em 1997, em Marrakesh, no Marrocos, e a última em 2015, em Daegu, na Coreia do Sul. O evento ocorre na semana do Dia Mundial da Água, comemorado nesta quinta-feira (22).
O encontro deste ano traz o tema “Compartilhando Água”. O objetivo, segundo os organizadores, é estabelecer compromissos políticos e incentivar o uso racional, a conservação, a proteção, o planejamento e a gestão da água em todos os setores da sociedade.
Em Brasília, o 8ª Fórum Mundial da Água reúne representantes de 175 países, entre cientistas, governantes, parlamentares, juízes, pesquisadores e demais cidadãos. A programação segue até sexta-feira (23).
Fonte: G1

terça-feira, 27 de março de 2018

A crise da água doce

A água que você bebe hoje provavelmente existe de uma forma ou de outra desde que os dinossauros vagaram pela Terra, centenas de milhões de anos atrás.
Embora a quantidade de água doce no planeta tenha permanecido razoavelmente constante ao longo do tempo – continuamente reciclada pela atmosfera e devolvida a nossas xícaras – a população explodiu. Isso significa que, a cada ano, a competição por um suprimento abundante e limpo de água para beber, cozinhar, tomar banho e sustentar a vida se intensifica.
A escassez de água é um conceito abstrato para muitos e uma dura realidade para os outros. É o resultado de inúmeras forças ambientais, políticas, econômicas e sociais.
Freshwater makes up a very small fraction of all water on the planet. While nearly 70 percent of the world is covered by water, only 2.5 percent of it is fresh. The rest is saline and ocean-based. Even then, just 1 percent of our freshwater is easily accessible, with much of it trapped in glaciers and snowfields. In essence, only 0.007 percent of the planet’s water is available to fuel and feed its 6.8 billion people.
A água potável é uma fração muito pequena de toda a água do planeta. Enquanto quase 70% do mundo é coberto por água, apenas 2,5% é doce. O resto é salina e oceânica. Mesmo assim, apenas 1% de nossa água doce é facilmente acessível, com grande parte dela presa em geleiras e campos de neve. Em suma, apenas 0,007% da água do planeta está disponível para alimentar e alimentar seus 7,6 bilhões de pessoas.
Por razões geográficas, climáticas, de engenharia, de regulamentação e de competição por recursos, algumas regiões parecem relativamente niveladas com água doce, enquanto outras enfrentam a seca e a poluição debilitante. Em grande parte do mundo em desenvolvimento, a água limpa é difícil de obter ou uma mercadoria que requer muito trabalho e dinheiro para se obter.
Água é vida
Onde quer que estejam, as pessoas precisam de água para sobreviver. Não só o corpo humano tem 60% de água, mas também é essencial para produzir alimentos, roupas e computadores, movimentar nosso fluxo de resíduos e manter a nossa saúde e a do meio ambiente.
Infelizmente, os seres humanos provaram ser ineficientes usuários de água. Um hambúrguer médio, por exemplo, leva 2,4 mil litros de água para ser produzido, e muitas culturas intensivas em água, como o algodão, são cultivadas em regiões áridas.
De acordo com as Nações Unidas, o uso da água cresceu mais do que o dobro da taxa de crescimento da população no último século. Até 2025, estima-se que 1,8 bilhão de pessoas viverão em áreas afetadas pela escassez do líquido, com dois terços da população mundial vivendo em regiões com problemas de água, como resultado do uso, crescimento e mudanças climáticas. O desafio que enfrentamos agora quando nos dirigimos para o futuro é como efetivamente conservar, gerenciar e distribuir a água que temos.
Fonte: Redação National Geographic

segunda-feira, 26 de março de 2018

País tem 917 municípios em crise hídrica; maioria está no Nordeste

O ministro destacou que a crise hídrica não é mais um problema somente do Nordeste, onde estão a maioria das cidades. Do total de municípios, 211 estão na Bahia, 196 na Paraíba, 153 no Rio Grande do Norte, 123 em Pernambuco, 94 no Ceará, 40 em Minas Gerais, 38 em Alagoas, 18 no Rio de Janeiro, 17 do Rio Grande do Sul, além de registros em outros estados.
No fórum, o ministro destacou que é preciso fazer investimentos para ampliar e modernizar o sistema de abastecimento do país.
Segundo ele, o país tem cerca de 11% da água doce do planeta, mas a distribuição territorial não é uniforme. “Temos de intensificar a cooperação entre os órgãos governamentais. É importante que os estados estejam integrados, otimizar as estratégias de uso racional”, disse.
Ela acrescentou que também é “determinante” revitalizar o Rio São Francisco, buscar integração entre baciais das regiões do Brasil e investir em saneamento básico.
“No momento em que constatamos que a escassez hídrica e a insegurança hídrica não mais se reportam apenas ao Nordeste, é fundamental que as intervenções passem por um diálogo federado”, acrescentou o ministro.
Fonte: Agência Brasil

domingo, 25 de março de 2018

BRASIL

Quanto custa a água no Brasil?

Para os brasileiros que têm acesso a água e esgoto, tarifa chega a mais que dobrar de um estado para o outro. Desperdício e má gestão prejudicam abastecimento e fazem recurso cada vez mais escasso encarecer.
Morador do sertão pernambucano pega água de canal de transposição do rio São Francisco
Na comunidade rural onde Maria Conceição mora, no sertão de Pernambuco, caixa d'água cheia é luxo. Ainda sob o efeito da seca dos últimos anos e sem abastecimento de caminhão-pipa há três meses, os moradores recorreram a uma fonte clandestina: um canal da transposição do rio São Francisco que corre a poucos metros das casas.
O dono da bomba que tira a água é morador local – o que o faz um dos mais respeitados na comunidade. O abastecimento ilegal funciona só à noite, e é possível contratar o serviço para encher os 16 mil litros da caixa por 30 reais.
"Nem todo mundo pode pagar. Mas dá pra comprar fiado", contou Maria. Os quatro moradores da casa, entre eles um filho especial e o marido doente, consomem os 16 mil litros em um mês. Usam a água, sem qualquer tratamento, para cozinhar, tomar banho e regar a pequena roça atrás da casa.
Para os brasileiros que têm acesso à infraestrutura de saneamento básico e água, o preço do serviço prestado por uma operadora de água pode mais que dobrar de estado para estados. O Pará tem a tarifa mais baixa do país: uma caixa d'água de 16 mil litros cheia sai por 33,44 reais. Goiás é o estado da água mais cara, 83,04 reais. 
O Distrito Federal, palco do 8˚ Fórum Mundial da Água – que teve início neste domingo (18/03) – vem em segundo lugar (75,84 reais). Mas não há dinheiro que garanta caixa d'água cheia em Brasília. Há um ano, a escassez impôs um racionamento que prevê apenas quatro dias de abastecimento normalizado para 85% da cidade.
Mais longe e mais caro
Para abastecer Brasília, a operadora local precisa buscar água cada vez mais longe. "Isso gera uma série de esforços, tanto no dia a dia operacional para fazer o abre e fecha dos registros, como para tocar obras para implantação de novas unidades de captação de água", afirma Maurício Luduvice, presidente da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb).
Colocar água "nova" no sistema encarece a operação. "Como todas as regiões metropolitanas, estamos sendo obrigados a buscar água a uma distância maior", confirma o presidente da Caesb, que agora capta água em Goiás.
Por enquanto, ainda não se sabe quanto isso vai afetar os custos operacionais, tampouco quando o abastecimento voltará à normalidade.
Ao mesmo tempo, o desperdício no sistema, antes de a água chegar
às torneiras dos consumidores, ainda é grande. A média no Brasil é de 38,1%, apontam dados de 2016 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).
Quem usa mais
De toda a água captada no Brasil, 67,2% são destinados à agricultura, segundo informações da Agência Nacional de Águas (ANA). O país está entre os de maior área de irrigação do planeta.
"Esse é o número de pedidos, de autorizações para uso destinado à agricultura. Não quer dizer que consumimos toda essa água", argumenta Nelson Ananias Filho, coordenador de Sustentabilidade da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Sobre a alta participação da agricultura no consumo nacional, Ananias Filho afirma: "A atividade agropecuária não disputa com outros usos que são prioritários: o abastecimento urbano e dessedentação animal."
A água corresponde a cerca de 20% do custo total de produção na agricultura. "Botar água na hora certa no lugar certo é muito caro. A estrutura de bombeamento, energia elétrica e equipamentos custa caro. Se uso mais água do que preciso, o custo aumenta", afirma Ananias Filho, argumentando que o setor não usa mais que o necessário.
"De forma geral, esse percentual de consumo que o setor agrícola tem no Brasil é observado em todas as partes do mundo", comenta Adilson Pinheiro, presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH). "Mas ainda há espaço para ganho de eficiência. Quanto mais tecnológico for o setor da agricultura, menor será o consumo de água."
Onde há mais atraso
No setor de saneamento básico, os atrasos são marcantes e poluentes. "Esse setor é hoje um dos grandes responsáveis pela má qualidade das águas", analisa Pinheiro, da ABRH.
Nas contas de Pedro Scazufca, economista da da GO Associados e parceiro da ONG Trata Brasil, são necessários atualmente 450 milhões de reais para garantir saneamento básico a todos os brasileiros.
"O plano nacional, lançado em 2013, era universalizar os serviços de água e esgoto até 2033. Atualmente, o investimento está 25% abaixo da meta. Nesse ritmo, a universalização só será alcançada em 2054", estima.
O custo da falta de saneamento é alto. Uma pesquisa feita pelo Trata Brasil mostrou que cidades com piores indicadores chegam a gastar cinco vezes mais com saúde.
Água e lucro
Cada vez mais cara, a água vai ficando menos disponível para o consumo. Até 2050, um terço da população mundial sofrerá com a escassez de água, projeta a ONU.
As disputas já deixam diversos grupos para trás, aponta Natália Dias, do comitê USP pela água e integrante do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA).
"Frente às grandes corporações que têm interesses em lucrar com serviços em torno da água, nós formamos uma rede com ONGs, movimentos sociais, sindicatos, ribeirinhos, indígenas que são contra a mercantilização. Água é direito, e não uma mercadoria", diz.
Na visão do fórum, a atuação de corporações nos bastidores limita o acesso à água e aumenta a distância entre os que podem e não podem pagar.
Por outro lado, os custos operacionais não podem ser ignorados, pontua Pedro Jacobi, pesquisador e presidente do Iclei Brasil (Governos Locais pela Sustentabilidade). "Água é um bem. E tem um custo. Mas não queremos que água seja um bem trocado por interesses econômicos", afirma.
Jacobi ressalta que água é um recurso escasso, que precisa de um manejo mais racional e equitativo e deve ser acessível para todos os seguimentos da sociedade. "E quem usa mais tem que pagar mais", considera.
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sábado, 24 de março de 2018

Saiba mais sobre as três maiores bacias hidrográficas do País Água

Outra medida anterior protetiva foi a aprovação, em 2003, da Divisão Hidrográfica Nacional, pelo o Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH). O documento orientou o planejamento e o gerenciamento dos recursos hídricos em todo o País, e que também estabeleceu as 12 Regiões Hidrográficas (RH) brasileiras. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, elas são: bacias, grupo de bacias ou sub-bacias hidrográficas próximas, com características naturais, sociais e econômicas similares.
As doze RH brasileiras são: Amazônica, Tocantins-Araguaia, Atlântico NE Ocidental, Parnaíba, Atlântico NE Oriental, São Francisco, Atlântico Leste, Atlântico Sudeste, Paraná, Paraguai, Uruguai e Atlântico Sul.
Saiba um pouco mais sobre as três maiores bacias hidrográficas brasileiras:
Amazônica
Arquivo/ ANA

Ocupa 45% do território nacional, abrangendo sete estados (Acre, Amazonas, Rondônia, Roraima, Amapá, Pará e Mato Grosso). Possui uma extensa rede de rios com grande abundância de água, como Amazonas e Solimões. A região concentra 81% da disponibilidade de águas superficiais do País.
Tocantins-Araguaia
Arquivo/ ANA

Corresponde a 10,8% do território brasileiro, abrangendo seis estados: Goiás, Tocantins, Pará, Maranhão, Mato Grosso e Distrito Federal. Na região estão presentes os biomas Floresta Amazônica, ao norte e noroeste, e Cerrado nas demais áreas.
Paraná
Arquivo/ ANA

Ocupa 10% do território brasileiro, abrangendo sete estados: São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, Santa Catarina e Distrito Federal. É a região mais populosa, de maior desenvolvimento econômico do país, e a região com maior aproveitamento do potencial hidráulico disponível.
Fonte: Governo do Brasil, com informações da ANA e MMA

sexta-feira, 23 de março de 2018

Mineração urbana: as riquezas escondidas nas cidades

Concreto, tijolos ou cerâmica, por exemplo, podem ser encontrados em grande quantidade em muitos edifícios. Metais comuns, como aço, cobre e alumínio e materiais como plástico, gesso, asfalto e madeira também são abundantes. Além disso, o lixo doméstico é uma fonte interessante de materiais valiosos.
A chamada mineração urbana tem muitas vantagens em relação à mineração comum: os materiais são armazenados nas próprias cidades onde é provável que sejam utilizados novamente e, portanto, não há necessidade de longas rotas de transporte. O impacto sobre o meio ambiente é obviamente menor que o da mineração de recursos naturais.
“À medida que o uso de combustíveis fósseis se tornar mais complexo e caro, a reciclagem de matérias-primas secundárias ganhará em competitividade”, afirma Jasmin Mangold, da empresa alemã de gerenciamento de lixo Bonn Orange, da cidade de Bonn.
Praticamente tudo é reutilizável
Cada cidadão alemão produz quase 500 quilos de lixo por ano, e os funcionários da Bonn Orange trabalham para separar todos os tipos de resíduos: computadores, televisores, geladeiras, máquinas de lavar roupa, baterias, lâmpadas fluorescentes, entulho, óleos, tintas.
As tintas são aproveitadas para fazer giz, os óleos são usados em cosméticos, e dispositivos eletrônicos contêm materiais recicláveis importantes, como plástico, metais e vidro.
Assim como trilhos ferroviários abandonados, terrenos baldios ou aquele celular esquecido numa gaveta, também fazem parte dos resíduos produzidos pela humanidade edifícios, móveis e eletrodomésticos.
Essas chamadas matérias-primas secundárias podem ser reutilizadas para produção comercial e industrial, limitando as importações e protegendo os recursos naturais e o meio ambiente.
Um carro, por exemplo, representa um grande estoque de matérias-primas – mesmo um carro velho e enferrujado tem valor. Na internet, há vários varejistas à procura de engrenagens, portas e outras peças. Eles usam ou vendem o ferro, plástico, vidro e metal do veículo para produzir novos produtos. Os pneus podem ser transformados em superfícies rodoviárias ou materiais isolantes.
Lixo valioso
“Estamos cercados por um armazém artificial de mais de 50 bilhões de toneladas de materiais”, afirmou a presidente da Agência Alemã de Meio Ambiente (UBA), Maria Krautzberger.
Se na Alemanha toda a infraestrutura industrial, todos os edifícios e resíduos fossem considerados um montante de materiais valiosos, representariam per capita: 317 toneladas de minerais, mais de quatro toneladas de madeira, três toneladas de plásticos e 14 toneladas de metais.
A cada ano, esse estoque urbano cresce em mais de dez toneladas por habitante na Alemanha, de acordo com dados da UBA. O valor dos metais espalhados pelas cidades da Alemanha é estimado em 650 bilhões de euros. Aos poucos, esses materiais estão começando a ser vistos não mais como um fardo, mas como uma fortuna.
Economia circular
“Reciclagem é uma indústria-chave no caminho para uma economia circular eficiente em termos de recursos”, disse Felix Müller, químico industrial da UBA.
A produção de um carro de uma tonelada, por exemplo, exige 15 toneladas de matérias-primas primárias, incluindo minérios e combustíveis fósseis.
“As matérias-primas secundárias têm um alto grau de reutilização, porque não precisam ser refinadas, mas apenas derretidas”, explicou Müller. “Para produzir uma tonelada de aço elétrico a partir de sucata são necessários apenas 0,8 tonelada de matérias-primas primárias e somente um terço da energia”, exemplifica.
Ao menos na Alemanha, esse parece ter sido reconhecido como o caminho a seguir. Por exemplo, 30% dos produtos semiacabados de cobre já são feitos a partir de sucata doméstica de cobre no país, segundo a UBA.
Entre a população, a reciclagem também é bastante popular. Frequentemente as pessoas preferem reciclar que trazer recursos naturais de fora ou enviar grandes quantidades de lixo para a Nigéria ou a China. Na União Europeia como um todo, a economia circular também vem sendo identificada como um importante objetivo.
Fonte: Deutsche Welle