sexta-feira, 9 de março de 2018

O que a árvore mais solitária da Terra pode revelar sobre a humanidade

Há um movimento na comunidade acadêmica para escolher um marco para a chamada “grande aceleração”, período em que os impactos humanos no mundo se intensificaram repentinamente e se tornaram globais. Isso aconteceu depois da 2ª Guerra Mundial (1939-1945) e um dos exemplos mais marcantes é a produção de plástico em larga escala.
Chirs Turney, da Universidade de New South Wales, na Austrália, argumenta que a árvore neozelandesa capturou essas mudanças de forma requintada na composição química de seus anéis de crescimento.
“Estamos colocando a árvore como uma séria candidata para marcar o início do Antropoceno. Tem que ser algo que reflita um sinal global”, diz.
“O problema com qualquer registro do Hemisfério Norte é que eles refletem um lugar onde a maior parte da atividade humana aconteceu. Mas essa árvore é um registro de longo alcance da natureza em relação a essas atividades, e nós não podemos pensar em nenhum lugar mais remoto”, avalia Turney.
Além disso, a ilha neozelandesa localizada no Pacífico Sul não é o habitat natural dessa árvore. Ela é originária de latitudes mais elevadas na parte norte do oceano. Mas foi plantada na ilha do subártico em 1905, possivelmente com a intenção de se começar uma plantação.
A árvore mais próxima está a 200 quilômetros, em outra ilha a noroeste, de acordo com os especialistas.
Elemento radioativo
Turney e os colegas da universidade australiana fizeram um furo fino para acessar a parte central do tronco da árvore, que possui anéis de crescimento bem largos e delimitados, para examinar a composição química da madeira.
Eles encontraram um aumento significativo na quantidade de carbono-14, elemento usado para determinar a idade de fósseis, na parte do anel que representa a segunda metade de 1965.
Identificaram um pico da forma radioativa do elemento e, para eles, isso se trata de um sinal inequívoco dos testes nucleares que ocorreram no período pós-guerra.
O radioisótopo radioativo (núcleo atômico instável que emite energia) teria sido incorporado na árvore como dióxido de carbono por meio da fotossíntese.
Mark Maslin, da universidade britânica UCL (University College London), afirma que a data identificada é posterior à proibição de testes nucleares na atmosfera, em 1963. Mas, segundo ele, é um indicador de que as consequências das detonações anteriores realmente alcançaram o mundo inteiro e foram absorvidos pela biosfera do planeta.
“Se você quer representar o Antropoceno com o início da Grande Aceleração, então esse é o registro perfeito para defini-lo. E o que é realmente bom é que nós plantamos a árvore onde ela não deveria estar. E isso nos dá um lindo registro do que fizemos no planeta”, observa Maslin.
Revisão da linha do tempo da Terra
A comunidade geológica está, no momento, avaliando como a atualização da linha do tempo oficial da história geológica da Terra, chamado de diagrama cronoestratigráfico de Wheeler e que aparece em livros de ciências.
Um grupo de trabalho encarregado de liderar a discussão sobre esse novo marco concluiu recentemente que a atual escala de tempo geológico, chamada de Holoceno iniciada há 11,7 mil anos, não poderia mais englobar as imensas mudanças que ocorreram na Terra como resultado da atividade humana.
Esse grupo diz ser necessário intensificar a busca por um marcador adequado para o início desse novo momento da linha de geológica do tempo.
Para comparação, o início do Holoceno, por exemplo, o marco é a perfuração do manto de gelo da Groelândia – ela mostra o quanto planeta já se aqueceu desde a última Era do Gelo.
Já o período Cretáceo-Paleogeno remonta a 66 milhões de anos atrás, quando um asteroide atingiu a Terra e eliminou os dinossauros – o marco é um afloramento de rocha na Tunísia, que contém um forte vestígio de irídio e surgiu pelo impacto do asteroide.
Especialistas dizem que é fundamental escolher um marco duradouro para delimitar a barreira entre o período Honoceno-Antropoceno. Seria preciso um marco para o qual os geólogos pudessem apontar daqui um milhão de anos e dizer: “lá está o início do Antropoceno”.
“O radiocarbono persiste em quantidades mensuráveis na ordem de 50 mil a 60 mil anos. Depois disso, outros radioisótopos associados aos testes de bombas, como o plutônio, ainda estariam lá no ambiente natural, preservando o sinal”, explica Chris Turney.
Segundo ele, arquivos da madeira coletada da árvore solitária podem ser consultados na universidade em que trabalha em Sidney, na Austrália, em um museu e em uma galeria de arte em Invercargill, na Nova Zelândia.
“As pessoas podem visitar e colocar o dedo no marco que estamos sugerindo para começar o Antropoceno.”
Turney é um dos autores de um artigo sobre a árvore, da espécie Picea sitchensis, na revista científica Scientific Reports.
Fonte: BBC

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