sexta-feira, 26 de julho de 2019

Encontrado magma efervescente em vulcão considerado extinto.

Exuberantes colinas contornam as águas paradas do Lago Sfânta Ana, na Romênia, que fica sobre uma antiga cratera resultante da erupção do vulcão Ciomadul. Esse pico explodiu do cume do vulcão há cerca de 30 mil anos e sua longa inatividade levou muitos a deduzirem que ele provavelmente nunca mais entraria em erupção.

As rochas situadas a quilômetros abaixo dessa tranquila paisagem podem estar cozinhando lentamente devido a um calor surpreendente. Um estudo  recém-publicado na revista científica Earth and Planetary Science Letters sugere que o sistema deve abrigar aproximadamente de 20 a 60 quilômetros cúbicos de magma, um volume máximo maior que o de 20 mil grandes pirâmides de Gizé.
Para ficar claro, isso não quer dizer que necessariamente o vulcão entrará em erupção no futuro. Entretanto, o estudo chama atenção aos eventuais riscos de vulcões muitas vezes negligenciados que se mantêm silenciosamente em ebulição por dezenas de milhares de anos.
“Geralmente prestamos atenção em vulcões ativos — obviamente por demonstrarem indícios de um verdadeiro risco”, afirma Mickael Laumonier, autor do estudo, da Universidade Clermont Auvérnia, na França. “Mas não devemos nos esquecer de outros vulcões jovens relativamente recentes, pois eles podem representar um risco que vale a pena avaliar”.
O estudo associa análises geofísicas e geoquímicas a simulações numéricas e oferece aos pesquisadores um vislumbre impressionante sobre o que pode estar fervilhando abaixo do Ciomandul: o que pode ser promissor para ajudar os cientistas a compreenderem melhor a evolução de sistemas vulcânicos semelhantes ao longo do tempo. 
“É um ótimo estudo”, afirma Janine Krippner, vulcanóloga do Programa de Vulcanismo Global do Instituto Smithsoniano, que não participou do estudo. No entanto, ela adverte que desvendar as condições exatas quilômetros abaixo da superfície é uma tarefa incrivelmente difícil.
“Não estamos afirmando que algo vá acontecer. Estamos afirmando apenas que temos muitos dados que demonstram que existe essa possibilidade”, explica ela.

Chamas vulcânicas eternas

A todo instante, ao menos 20 vulcões estão em erupção no mundo todo. Mas muitos outros podem entrar em erupção: o problema é saber quais.
Vulcões como o Ciomadul, que não apresentou nenhuma erupção nos últimos 10 mil anos, são geralmente chamados de inativos. No entanto, a linha que os separa é de certo modo arbitrária, afirma Krippner.
Em termos de vulcões, “‘extinto’ é uma palavra capciosa”, conta ela. Alguns vulcões, como o infame supervulcão de Yellowstone, podem permanecer adormecidos por centenas de milhares de anos entre suas erupções.
Um sinal de que um vulcão aparentemente adormecido pode ter erupções futuras é a presença de volumes de rocha derretida escoando lentamente abaixo dele, e estudos anteriores conduzidos no Ciomadul sugeriram que é o que ocorre no caso em questão. Ao estudar a forma pela qual ondas sísmicas ricocheteiam o solo, os pesquisadores dos estudos anteriores encontraram alguns indícios de um reservatório de magma. Levantamentos da condutividade elétrica de subsuperfície (uma propriedade influenciada por fatores como temperatura e teor hídrico nas rochas) também indicaram que profundidades aproximadas entre 5 e 27 quilômetros podem ter conteúdos mais pastosos do que sólidos.
Contudo não ficou claro ainda se a rocha estava realmente derretida e, nessa hipótese, a quantidade de magma que poderia existir.
Consultando arquivistas de cristais
Para responder a essas questões, Laumonier e seus colegas primeiro recorreram a rochas obtidas a partir de erupções anteriores do vulcão. Conforme a lava escorre para baixo de um vulcão, ela resfria lentamente e forma cristais, alguns dos quais atuam como pequenos arquivistas mineralógicos, identificando as condições em que se formaram.
Por exemplo, uma classe de minerais conhecida como anfibólios altera sua composição química em função da temperatura e pressão durante a cristalização. Procurar esses cristais em rochas de erupções anteriores ajuda os pesquisadores a identificar as condições desse antigo sistema magmático.
A equipe combinou esses dados geoquímicos com as dimensões conhecidas do sistema e fez simulações numéricas para determinar a proporção de resfriamento ao longo do tempo e avaliar a estrutura das câmaras vulcânicas nos dias atuais. O resultado: as rochas na crosta superior abaixo do vulcão estavam, em média, 15% derretidas, sendo que, em algumas partes, o derretimento chegou a até 45%.
A equipe confirmou esse resultado criando um modelo baseado nas medidas de condutividade elétrica obtidas a partir de rochas de erupções anteriores sob diferentes temperaturas, pressões e teor hídrico, o que os ajudou a interpretar o que foi observado anteriormente nas medições de condutividade elétrica no Ciomadul.
Essa segunda abordagem chegou a um resultado semelhante, o que sugere que o índice de derretimento da região abaixo do vulcão está entre 20 e 58%. Embora esse seja um grande intervalo para a quantidade de magma que poderia estar escoando lentamente em fissuras de subsuperfície do Ciomadul, todas as condições de subsuperfície possíveis produzem uma quantidade significativa de derretimento no Ciomadul.
“Não temos nenhuma outra explicação para a anomalia geofísica”, afirma Laumonier.
Pesquisadores acreditam ser possível uma erupção em vulcões com mais de 45% de rocha derretida. Abaixo dessa porcentagem, o “sistema fica totalmente bloqueado por cristais e não consegue irromper”, explica Michael Ackerson, curador de rochas e minérios do Museu Nacional de História Natural do Instituto Smithsoniano em Washington, D.C.
Assim, essa última análise sugere que é possível uma erupção no Ciomadul — mas isso não significa que seja inevitável.

Escoamento pastoso

Acima de tudo, esse estudo investiga como são realmente esses sistemas nas profundezas da Terra.
“O conceito tradicional de câmara magmática é uma borbulha enorme, gigante, ameaçadora, vermelha e quente de magma estagnada na crosta e prestes a entrar em erupção e matar a todos nós”, afirma Ackerson.
Mas, cada vez mais, pesquisas indicam que não é o que ocorre. Em vez disso, os reservatórios magmáticos passam a maior parte de suas existências cozinhando lenta e silenciosamente na crosta. Normalmente, são cristalizados ao menos em parte e formam um caldo rochoso pastoso com diferentes proporções de cristais que derretem ao longo do sistema. Os índices nas estruturas das câmaras magmáticas podem variar drasticamente de um vulcão para outro.
No Ciomadul, os pesquisadores acreditam que a rocha derretida se acumula em duas zonas de mistura: uma região superior com profundidades aproximadas entre 5 e 18 quilômetros e um reservatório mais quente inferior a partir de 30 quilômetros de profundidade, em média. Cada uma dessas zonas provavelmente é formada por bolsões sobrepostos de material derretido com temperaturas e composições discretamente distintas. Por ora, não está claro como exatamente as duas zonas se interligam, mas o novo mapeamento magmático ainda assim fornece valiosas informações sobre o funcionamento interior desse vulcão.
“Esse é um novo marco na história dos magmas do mundo”, afirma Ackerson. “Este é um vulcão específico em um momento específico que vai nos ajudar a obter uma perspectiva muito maior e mais completa da formação e evolução do magma.”
Fonte: Maya Wei-Haas – National Geographic

O bambu que está colocando em risco a floresta no sudoeste da Amazônia.

Uma gramínea está causando sérios danos em uma área de mais de 161 mil km² (cerca de três vezes o tamanho do Rio Grande do Norte) no sudoeste da floresta amazônica, nos estados do Amazonas e do Acre e no Peru e na Bolívia. Trata-se de duas espécies de bambu do gênero Guadua, que crescem até 30 metros – mais ou menos a altura de um prédio de 10 andares – e das quais uma única população pode ocupar até 2.700 mil km² (quase duas vezes a cidade de São Paulo, que tem 1.500 km²).

Desde 2010, a densidade dessas plantas na região aumentou nove vezes, o que eliminou 70% das espécies arbóreas e reduziu em 73% a densidade de árvores e em 73% a área basal das matas (ou seja, o espaço que efetivamente as plantas ocupam sobre o solo).
A descoberta foi feita pela engenheira florestal Elaine Dutra Pereira, da Universidade Federal do Acre (UFAC), durante uma pesquisa para sua dissertação de mestrado, apresentada recentemente. “Estudei o problema da expansão do bambu em áreas afetadas pela ação do homem, mais precisamente naquelas em que havia ocorrido exploração de madeira legal, ou seja, o corte e retirada de árvores permitida pela legislação. Mas também pesquisei clareiras abertas por outras razões, como incêndios e secas.”
A pesquisa também mostrou que nas florestas dominadas pelo bambu, a expansão da área ocupada por ele (considerando a situação pré-exploratória em 2010), foi 50% superior no ano de 2011 (um ano após a atividade de retirada de madeira).
“Onde a espécie não era dominante, o crescimento foi 98,9% para o mesmo período”, conta Pereira. “Observamos ainda que o momento crítico de expansão foi logo após a o trabalho exploratório, já que a gramínea se desenvolve bem em locais alterados e nas infraestruturas deixadas pela atividade de manejo, tornando-as locais mais suscetíveis a sua ocupação.”
O trabalho de Pereira começou no início de 2017, com a análise de uma série histórica de oito anos (2009 a 2017) de imagens dos satélites Landsat-5 e Landsat-8. Os pesquisadores observaram que nas matas dominadas pelo Guadua, a coloração de suas folhas é mais clara e há pouca variação entre as alturas, sendo percebida como uma camada mais “uniforme” que as das árvores ao seu redor. O problema é mais grave ainda por causa do grande percentual das florestas nas quais uma ou outra de duas espécies da gramínea, Guadua sarcocarpa e Guadua weberbaueri, estão presentes.
Pereira conta que no Acre, dentre os 18 tipos florestais identificadas, oito têm o bambu no sub-bosque como elemento florístico principal (dominante) ou secundário (dominado). Elas recobrem mais de 138 mil km² (83,9%) dos 164 mil km² do Estado. “Se desconsiderarmos a área desmatada (10,4% do território em 2017), a gramínea está inserida em 93,7% das florestas no Acre”, diz.
Some-se a essa onipresença da planta outra característica: o rápido crescimento (até 3,4 m por mês durante a estação chuvosa e 1,2 m na seca) e a agressividade para ocupar novos espaços.
“A presença dessas espécies lenhosas de bambu do gênero Guadua nas florestas do sudoeste da Amazônia poderia não ser um problema se elas não fossem tão agressivas no processo de colonização de novas áreas no interior das matas”, diz o botânico Evandro Ferreira, Núcleo de Pesquisas do Acre, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), orientador de Pereira em sua dissertação de mestrado.
Combinado com o seu crescimento naturalmente muito rápido – típico da maioria das espécies de bambus lenhosos -, esse comportamento oportunista faz com que o Guadua consiga se estabelecer rapidamente em locais que lhe são favoráveis, como clareiras naturais ou aquelas abertas para a retirada de árvores madeireiras, além de áreas que foram afetadas por incêndios florestais. “Essa combinação de fatores parece conspirar para favorecer a perenidade dessas espécies de gramíneas nas matas da região”, diz Ferreira.

Incêndios

A pesquisadora Sonaira Souza da Silva, também da UFAC, estudou os registros dos incêndios na expansão do Guadua e suas consequências no Acre, num período de 32 anos, entre 1984 a 2016. “O fogo altera, de forma profunda, a floresta, e uma dessas mudanças foi a expansão ou invasão do bambu após o fogo”, diz.
Silva conta que inicialmente ela não acreditava que tamanha expansão do bambu era por causa dos incêndios. “Mas conheci uma propriedade em que o dono conseguiu proteger cerca de um hectare, de um total de 10 mil ha de floresta que foram queimados em 2005, e parte também em 2010”, diz.
“É simplesmente incrível ver de um lado a mata preservada com poucos colmos da gramínea (cerca de 600 por hectare) e a queimada ao lado, dominada por muitos (cerca de 5 mil por hectare). Por isso, nossa hipótese é que aquelas afetadas pelos incêndios e em que o Guadua se expandiu não voltem ao que eram antes. Seus efeitos a longo prazo precisam ser melhor compreendidos.”
Há ainda mais uma peculiaridade do bambu, que o torna um causador de problemas nas florestas: suas populações morrem de uma única vez a cada 28-30 anos. Nessa ocasião todos os colmos em áreas de centenas de quilômetros quadrados florescem, frutificam e morrem ao mesmo tempo.
Esse fenômeno tem muitas consequências. A começar por uma profunda alteração na composição florística (de árvores, arbustos, ervas) das florestas, em função das drásticas mudanças que ocorrem nos índices de luminosidade que penetram nelas (muito alto após a morte do Guadua), da elevação da temperatura no interior da mata, da diminuição da umidade relativa do ar e, possivelmente, das camadas superficiais do solo, pois se mais luz e calor chegam até a liteira (folhagem sobre o chão) ela seca mais rápido, assim como a terra.
Com isso, espaços onde a gramínea morreu recentemente são mais vulneráveis a incêndios florestais. “A situação da mata fica tão precária, que, em imagem de satélite, ela se parece com uma área que foi derrubada”, diz Ferreira. “Fiscais do Instituto de Meio Ambiente do Acre me falaram que foram a pontos específicos no interior da floresta pensando que ela tinha sido derrubada ilegalmente, quando na verdade era o bambu que tinha morrido.”
A aparência não é problema, no entanto. Há várias outras consequências dessa morte sincronizada. Se ela ocorre no período mais seco do ano, por exemplo, os restos vegetais podem secar e pegar fogo, que então pode se espalhar para áreas florestais do entorno. Se isso não acontecer, ocorre um problema diferente: o processo de regeneração da mata vai favorecer o crescimento de plantas típicas do início da sucessão florestal (geralmente espécies sem valor comercial, que crescem muito rápido), que se aproveitam do espaço físico aberto e do excesso de luz que chega até o chão pela morte do bambu.
Nessa condição, o crescimento das árvores típicas das florestas primárias é prejudicado e pode nem acontecer, pois essas espécies têm crescimento lento e não suportam excesso de luz. “Quando domina uma região, o Guadua ocupa uma área bem extensa, com poucas plantas de outras espécies perceptíveis”, diz Pereira.
Segundo Ferreira, nas matas sem bambu pode haver até 600 árvores com até 10 cm de diâmetro à altura do peito de um homem. Naquelas em que ele está presente, no entanto, esse número fica entre 200 e 300.
O bambu pode inclusive interferir no aquecimento global. “Se tem menos árvores onde ele domina, teremos menos biomassa vegetal, ou seja, a mata passa a acumular (sequestrar) menores quantidades de carbono”, explica Ferreira. “Além disso, a presença do Guadua e o menor número de árvores muda o microclima florestal, que fica menos úmido (mata mais aberta recebe mais ventilação, que carrega a umidade), mais quente e com maior incidência de luz chegando ao solo”. Essa mudança sutil afeta negativamente numerosas espécies cujas regenerações só ocorrem sob condições de baixa luminosidade e alta umidade.
A exploração sustentável de madeira também fica prejudicada nas florestas com bambus. O modelo de manejo usado hoje preconiza que após uma primeira exploração de árvores com mais de 50 cm de diâmetro, as deixadas para trás, com diâmetro inferior a 50 cm, cresceriam normalmente e então, depois de 30-35 anos, seria possível fazer uma nova retirada de madeira. E assim por diante. “Mas tudo indica que isso não será possível, porque a agressividade do Guadua está interferindo no crescimento normal das árvores”, diz Ferreira. “A diversidade de espécies arbóreas e arbustivas vem diminuindo e haverá menor número de espécies de alto valor comercial (madeira).”
Além disso, estudos de longo prazo que medem o crescimento delas estão mostrando que na Amazônia ele não é o que se previa, o que os planejadores de exploração imaginavam. “Crescendo menos, o ciclo entre uma exploração e outra se estenderá para além de 40 anos”, prevê Ferreira. “Uma mudança e tanto, tendo em vista que alguns profissionais da área de ciências florestais acreditavam em ciclos com até 25 anos.”
Fonte: BBC

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Drogas jogadas na privada estaria afetando jacarés, dizem autoridades.

Consumidores de metanfetamina que jogam a droga na descarga estão preocupando a polícia da cidade de Tennessee, nos Estados Unidos. Segundo uma publicação dos policiais, o grande problema é que a droga simplesmente não some ao ser descarttada — na verdade, ela vai parar no sistema de esgoto e chega até os jacarés, que estariam ingerindo a substância e ficando “drogados”.

A polícia usou o Facebook para pedir que as pessoas deixassem de jogar drogas na privada e dessem descarga. A publicação foi feita após uma operação de mandado de busca em uma casa em que o morador tentou jogar as drogas no vaso sanitário — mas foi impedido pelos policiais. 
Kent Vliet, coordenador de laboratórios no departamento de biologia da Universidade da Flórida, disse que nunca ouviu falar de um jacaré afetado metanfetamina. “Trabalho com jacarés há 40 anos e geralmente posso responder qualquer pergunta que alguém me dê sobre eles”, diz Vliet à NBC News.
“Eu acho que eles podem ser afetados por isso, mas eles tendem a não reagir às drogas da mesma forma que nós, e eu não sei se seria necessário um pouco ou muito da substância para que um jacaré fizesse afetado pela metanfetamina” diz Vliet. “Eu acho que é uma ideia ridícula. Se você der descarga na metanfetamina, ela será diluída”.
Fonte: Revista Galileu

No Quênia, mercado de carbono impulsiona conservação de manguezais.

No Quênia, a ONU Meio Ambiente apoia um vilarejo litorâneo a conservar e restaurar mais de 4 mil hectares de mangues. Os esforços de preservação viram créditos que podem ser vendidos pela comunidade no mercado de carbono. O projeto deve apoiar os meios de subsistência de mais de 8 mil pessoas em comunidades pesqueiras.

Quando um método comprovado de restauração ecossistêmica também ajuda a reduzir a pobreza e a construir a resiliência econômica, os governos frequentemente decidem apoiar essa estratégia por considerarem que se trata de uma solução onde todos saem ganhando.
O Programa da ONU para o Meio Ambiente, o Serviço Florestal do Quênia, o Instituto de Pesquisa Marinha e de Pesca do país africano e instituições parceiras lançaram recentemente, no litoral queniano, o projeto Florestas Azuis, implementado no vilarejo de Vanga. A iniciativa propõe a comercialização de créditos de carbono associados à conservação e à restauração de manguezais.
“Todo esse vilarejo e outros vilarejos próximos dependem da pesca. E a floresta de mangue é, de fato, a área de procriação para os peixes”, afirma o chefe de Vanga, Kama Abdallah.
“Se os mangues fossem destruídos, haveria fome”, acrescenta Mwasiti Salim, um dos moradores do vilarejo.
Em junho de 2019, foi lançado em Vanga o plano de gestão participativa das florestas, da Associação Florestal da Comunidade de Vajiki. A proposta é parte da iniciativa apoiada pela ONU Meio Ambiente por meio do projeto Florestas Azuis, do Fundo Global para o Meio Ambiente, e por meio do projeto de incentivos para a conservação de recifes de corais, da própria agência das Nações Unidas.
De acordo com o plano de gestão, os mangues no condado de Kwale serão coadministrados pelo Serviço Florestal do Quênia e pela Associação Florestal da comunidade. A ONU Meio Ambiente ajudou a desenvolver o plano. Já o Instituto de Pesquisa Marinha e de Pesca do Quênia deu apoio técnico à comunidade.
O plano de gestão inclui a venda de créditos de carbono no mercado voluntário de carbono, que é verificado pela padronização do comércio de carbono Plan Vivo. A estratégia foi inspirada no sucesso de um projeto similar em Gazi, uma comunidade localizada poucos quilômetros ao norte.
Em Gazi, os créditos de carbono associados aos mangues são comercializados desde 2012.
“Globalmente, esse é um dos primeiros projetos que está comercializando créditos de carbono (oriundos) da conservação e da restauração de mangues”, afirma o especialista em manguezais da ONU Meio Ambiente, Gabriel Grimsditch.
“O projeto vai conservar e restaurar mais de 4 mil hectares de mangues no condado de Kwale e apoiar os meios de subsistência de mais de 8 mil pessoas em comunidades pesqueiras na área, por meio de iniciativas de desenvolvimento da comunidade.”
Lilian Mwihaki, do Instituto de Pesquisa Marinha e de Pesca do Quênia, ressalta os benefícios do comércio de carbono. “Com a venda dos créditos de carbono, eles terão fundos que poderão injetar na comunidade. A comunidade de Gazi conseguiu comprar livros para crianças em idade escolar. Também conseguiram comprar alguns equipamentos para o hospital deles. Conseguiram (até) levar água para a comunidade.”
O lançamento do plano de gestão foi um evento de alto nível, com a participação do secretário de Gabinete  do Ministério do Meio Ambiente do Quênia, Keriako Tobiko, do cientista-chefe do Instituto de Pesquisa Marinha e de Pesca, James Kairo, e do presidente do instituto, John Mumba.
Os mangues são ecossistemas raros e férteis, encontrados na fronteira entre a terra e o mar. Os manguezais sustentam uma rica biodiversidade e oferecem um valioso berçário para peixes e crustáceos. Os mangues também atuam como uma forma de defesa natural da costa contra tempestades repentinas, tsunamis, o aumento do nível do mar e a erosão. Seus solos são tanques de carbono altamente eficazes, absorvendo vastas quantidades do carbono que contribui para o aquecimento global.
Apesar de sua importância, os mangues estão desaparecendo a uma velocidade de três a cinco vezes mais alta do que as floretas no geral. O problema tem impactos ecológicos e socioeconômicos sérios. Os números atuais indicam que a cobertura de mangues no mundo diminuiu pela metade ao longo dos últimos 40 anos.
“Estimativas sobre a área total de mangues no mundo variam, mas vão de 10 milhões a 20 milhões de hectares. O projeto em Vanga cobre apenas um porcentagem minúscula dessa área, mas as suas inovações são replicáveis e ampliáveis em escala — com modificações locais — globalmente”, afirma Grimsditch.
O Dia Internacional de Conservação do Ecossistema de Mangue, 26 de julho, foi estabelecido em 2015 pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Em 23 de setembro, em Nova Iorque, acontece a Cúpula de Ação Climática da ONU, convocada pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, para aumentar as ambições dos países e acelerar as ações contra a emergência climática global. O encontro quer promover a implementação rápida do Acordo de Paris sobre Mudança do Clima.
Fonte: ONU

terça-feira, 23 de julho de 2019

Grande incêndio florestal atinge Portugal.

Mais de mil bombeiros e 14 aeronaves tentam conter um grande incêndio florestal que castiga o centro de Portugal, na mesma região onde dezenas de pessoas morreram em 2017. O vento e as altas temperaturas, que nesta segunda-feira (22/07) chegaram a quase 40°C, dificultam os trabalhos. Enormes colunas de fumaça eram vistas no horizonte pelo terceiro dia consecutivo.

Autoridades disseram que conseguiram controlar 90% do incêndio. Segundo o comandante de operações da Defesa Civil, Pedro Nunes, o fogo, que começou no sábado, já deixou 32 feridos, incluindo vários bombeiros, e ameaça especialmente a área de Castelo Branco.

O incêndio de Vila de Rei é apenas um dos cinco detectados no distrito de Castelo Branco, com outros quatro na vizinha Sertã que foram controlados ao longo do domingo. As chamas em Vila de Rei, Mação e Sertã levaram à evacuação de várias aldeias.
Desde que o início do incêndio, o fogo avançou mais de 25 quilômetros e cerca de 40 municípios estão ainda em risco máximo.
Nesta segunda-feira, o governo de Portugal pediu ajuda da Espanha. O país vizinho enviou dois aviões que transportam água. Após semanas de pouca chuva, as florestas da região estão secas, o que facilita a propagação das chamas.
A polícia portuguesa investiga as causas dos incêndios e deteve um homem de 55 anos suspeito de iniciar um deles perto da cidade de Castelo Branco.
Os incêndios florestais se tornaram comuns em Portugal nos últimos anos. Em 2017, mais de 100 pessoas morreram no país em decorrência do fogo nas matas. Especialistas e autoridades apontaram vários fatores que fazem de Portugal uma região vulnerável, entre eles grandes plantações de pinheiro e eucalipto, que queimam facilmente.
Ambientalistas pediram que o governo limitasse a região de plantação de eucalipto, no entanto, a safra é muito importante para a indústria de celulose do país. O governo afirma que está introduzindo restrições gradualmente. Especialistas dizem que Portugal precisa diversificar suas florestas para lidar melhor com os incêndios.
As mudanças climáticas são outro fator que impulsionou esse desastre. Com verões mais quentes, mais secos e mais longos, a temporada de incêndios que começava em julho e terminava em setembro, se estendeu agora de junho a outubro.
Nas últimas semanas, grandes incêndios florestais atingiram diversos países europeus, como a Espanha, Grécia e Alemanha. Autoridades da União Europeia (UE) alertaram sobre os incêndios florestais que se tornaram uma crescente ameaça ao continente.
Fonte: Deutsche Welle

Governo aprova registro de mais 51 agrotóxicos, totalizando 262 no ano.

O Ministério da Agricultura aprovou nesta segunda-feira (22) o registro de mais 51 agrotóxicos, totalizando 262 neste ano.O ritmo de liberação de novos pesticidas é o mais alto já visto para o período.

Desse total, 7 são produtos formulados, aqueles que os agricultores podem comprar em lojas de insumos agrícolas. O princípio ativo sulfoxaflor, que controla insetos que atacam frutas e grãos, como a mosca branca e o psilídeo, está em 6 desses produtos.
O sulfoxaflor é relacionado à redução de enxames de abelhas e está em estudo no exterior. Segundo o governo, o uso do agrotóxico no Brasil deverá seguir as orientações estabelecidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).
Os agricultores terão algumas regras para uso, como evitar a aplicação em períodos de floração das culturas e seguir as dosagens máximas do produto e de distâncias mínimas de aplicação em relação à bordadura para a proteção de abelhas não-apis (aquelas sem ferrão).
O ministério afirma que as restrições de uso do pesticida vão constar no rótulo dos produtos e serão estabelecidas de acordo com cada ingrediente e cultura.
O sulfoxaflor teve o registro de uso industrial concedido no fim de 2018 e o produto formulado estava em avaliação final das autoridades ambientais. Depois de passar por consulta pública, o produto foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Ibama.

Outros registros

Entre os produtos formulados registrados nesta segunda-feira também está um herbicida à base do ingrediente ativo florpirauxifen-benzil. O produto técnico já havia sido aprovado em junho.
O agrotóxico poderá ser utilizado para o controle de plantas daninhas na cultura do arroz.
Outros 44 são produtos “equivalentes”, que são genéricos de princípios ativos já autorizados no país.
Desse número, 18 são para a produtos técnicos de uso industrial e outros 26 produtos são formulados, sendo quatro de origem microbiológica.
Ministério da Agricultura libera mais 51 agrotóxicosJornal Nacional00:00/00:40
A organização ambiental Greenpeace criticou a medida.
“Podemos produzir sem agrotóxicos, em equilíbrio com o meio ambiente e respeitando a saúde das pessoas. Porém, as decisões do governo no tema ignoram isso e colocam o povo brasileiro em risco. Isso é inaceitável”, afirma Iran Magno, da campanha de Alimentação e Agricultura do Greenpeace.

Registro mais rápido

A maior velocidade na liberação de pesticidas nos últimos 3 anos, segundo o Ministério da Agricultura, se deve a “medidas desburocratizantes” adotadas nos órgãos que avaliam os produtos, em especial na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), considerada o principal gargalo.
Como é feito:
É preciso o aval de 3 órgãos:
  • Anvisa, que avalia os riscos à saúde;
  • Ibama, que analisa os perigos ambientais;
  • Ministério da Agricultura, que analisa se ele é eficaz para matar pragas e doenças no campo. É a pasta que formaliza o registro, desde que o produto tenha sido aprovado por todos os órgãos.
Tipos de registros de agrotóxicos:
  • Produto técnico: princípio ativo novo; não comercializado, vai na composição de produtos que serão vendidos.
  • Produto técnico equivalente: “cópias” de princípios ativos inéditos, que podem ser feitas quando caem as patentes e vão ser usadas na formulação de produtos comerciais. É comum as empresas registrarem um mesmo princípio ativo várias vezes, para poder fabricar venenos específicos para plantações diferentes, por exemplo;
  • Produto formulado: é o produto final, aquilo que chega para o agricultor;
  • Produto formulado equivalente: produto final “genérico”.
Fonte: G1

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Vacas arrotam metano e contribuem para efeito estufa. Mas é possível evitar?

Por trás da aparência tranquila de uma vaca, existe um intricado sistema digestório que transforma capim nos carboidratos complexos de que os animais necessitam. Um subproduto dessa digestão é o metano, um dos gases de efeito-estufa mais potentes encontrado na Terra. E ele é produzido em grandes quantidades.

Embora o metano permaneça na atmosfera por menos tempo que o carbono, ele é altamente eficiente no aprisionamento de calor. A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos estima que aproximadamente 25% do metano nos Estados Unidos é oriundo de vacas.
Reduzir essas emissões de metano é um importante objetivo de ambientalistas que tentam atenuar os impactos das mudanças climáticas e novas pesquisas indicam a possibilidade de alcançar esse objetivo por meio da alteração da composição genética de vacas comuns.
Alguns micróbios presentes no interior das vacas contribuem mais ativamente com a produção de metano que outros. Um novo estudo publicado no periódico Science Advances demonstra que muitos micróbios produtores de metano são herdados e, assim, os cientistas acreditam que a seleção genética de vacas sem esses traços herdados poderia significar um passo a mais para se projetar uma vaca mais ecológica.
É uma perspectiva que traz esperança aos cientistas. O consumo de carne e leite está em crescimento há uma década e muitos países estão com dificuldades para alimentar populações cada vez maiores e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões.

O que mil vacas europeias podem nos revelar

Em 2012, a União Europeia incumbiu uma equipe formada por mais de 30 cientistas de uma pesquisa sobre a relação entre rebanhos e emissões de metano.
O projeto de pesquisa foi denominado Ruminomics — ruminantes são uma categoria formada por animais como vacas, búfalos, iaques e ovelhas. O rúmen é o primeiro de quatro compartimentos encontrados no estômago de um ruminante, onde o capim é digerido parcialmente por fermentação antes de passar para as cavidades restantes, sendo que 95% do excesso de metano é expelido por meio de arrotos.
É no rúmen que inicia o processo de produção de metano. Bactérias produzem hidrogênio quando começam a fermentar carboidratos e organismos unicelulares chamados arqueas combinam esse hidrogênio com dióxido de carbono para produzir metano.
Cientistas suspeitavam que diversos genes poderiam controlar essa produção de metano, mas não estava claro como ocorria o processo.
É “como um triângulo”, afirma John Wallace, da Universidade de Aberdeen, autor do estudo. “Cada vértice do triângulo representa um aspecto: o primeiro representa as emissões, o segundo representa o microbioma do rúmen e o terceiro, o genoma do animal hospedeiro. O objetivo de nosso estudo foi observar como funcionava a ligação entre esses três aspectos.”
Eles analisaram vacas holandesas de propriedades rurais no Reino Unido e Itália, além de vacas leiteiras da raça Nordic Red (nórdicas vermelhas, em tradução livre) na Suécia e Finlândia. Foram projetadas ferramentas especializadas para coletar amostras por meio da inserção um cilindro de latão na boca da vaca e extração de fluido do rúmen para que os cientistas pudessem analisar os protozoários, fungos, bactérias, arqueas e DNAs cruciais ao experimento. Também foram obtidas amostras da respiração para avaliar a quantidade de metano emitida no arroto das vacas.
Wallace afirma que os resultados da análise dos principais micróbios no rúmen de cada vaca indicam que os micróbios passam de geração em geração. Certos micróbios como o succinovibrionaceae eram comuns em vacas que produziam menos metano.

Pastos mais ecológicos para vacas mais ecológicas

“Com a informação de que esses organismos são herdados e estão interligados, nossa ideia agora é fazer um melhoramento genético procurando obter animais com maior produção de leite, menos emissões ou outras propriedades desejáveis”, conta Wallace. “Se formos capazes de inocular animais jovens com um microbioma com baixa produção de metano, teremos todos os motivos para acreditar que esse microbioma persistirá durante a vida do animal, o que levará a uma produção muito menor de metano pelos animais.”
Em locais como a Califórnia que possuem uma meta de redução de 40% nas emissões de metano, vacas com baixa produção de metano “poderiam fazer parte da solução”, afirma Ermias Kebreab, da Universidade da Califórnia em Davis.
Kebreab disse estar animado com os resultados do estudo e que é um ótimo primeiro passo na iniciativa que ainda levará anos para ser executada na prática. A própria pesquisa dele está concentrada em como a quantidade de metano produzida pelas vacas é afetada pela dieta. No ano passado, ele descobriu que o acréscimo de metano na alimentação das vacas reduz expressivamente sua emissão.
Kebreab e Wallace afirmam ambos que um grande entrave para isso será convencer os pecuaristas a permitir o melhoramento genético das vacas com o objetivo de obter traços de baixa emissão, já que os pecuaristas tendem a fazer uma seleção em razão de traços rentáveis, como tamanho e produção leiteira, e emissões mais baixas não trariam nenhuma vantagem financeira direta. Em regiões sem metas de redução de emissões, Kebreab disse que os produtores rurais precisariam de um incentivo econômico a mais.
Wallace afirma que a seleção genética de vacas que produzem menos metano já começou e ainda não foram notados efeitos colaterais negativos.
Fonte: Sarah Gibbens – National Geographic

Por que o futuro do agronegócio depende da preservação do meio ambiente no Brasil.

Se hoje a bancada ruralista é a principal força pressionando o Congresso para flexibilizar a proteção ambiental, é consenso entre agrônomos e pesquisadores que o futuro do agronegócio depende da preservação ambiental.

Agrônomos, biólogos e entidades como a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) alertam que a destruição da vegetação nativa e as mudanças climáticas têm grande potencial para prejudicar diretamente o agronegócio no Brasil, porque afetam diversos fatores ambientais de grande influência sobre a atividade agrícola.
O principal deles é o regime de distribuição das chuvas, essenciais para nossa produção – apenas 10% das lavouras brasileiras são irrigadas. Com o desmatamento e o aumento das temperaturas, serão afetados umidade, qualidade do solo, polinizadores, pragas.
A BBC News Brasil ouviu pesquisadores do agronegócio e nomes ligados ao setor para entender como esses riscos gerados pela destruição do ambiente devem afetar a produtividade das plantações brasileiras e mesmo se safras se tornarão inviáveis.
Eles dizem as notícias sobre o setor ambiental no Brasil não são animadoras: se o ritmo de desmatamento na Amazônia continuar como está, atingiremos em pouco tempo um nível de devastação sem volta. Junho foi o mês com mais desmatamento na Amazônia, 920,4 km², desde o início do monitoramento com sistema de alerta pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em 2015. Foi um aumento de 88% em relação ao mesmo mês no ano passado.
Ao mesmo tempo, as pressões e cobranças internacionais chamam atenção para a agenda ambiental do governo Bolsonaro, que tem flexibilizado a legislação ambiental e diminuído a fiscalização.

Crise iminente

Atualmente, o agronegócio é responsável por 21,6% do PIB brasileiro, segundo o Ministério da Agricultura.
Preocupados com questões como logística, estrutura e desafios comerciais como o vaivém das commodities no mercado internacional, a questão da sustentabilidade acaba não sendo prioridade para o setor como um todo.
“A questão da sustentabilidade, no sentido amplo, é uma preocupação. Mas em primeiro lugar vêm a estrutura e a logística e as questões comerciais”, afirma o agrônomo Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura (2003-2006) e coordenador da área de agro da Fundação Getúlio Vargas.
No entanto, os riscos gerados pela devastação ambiental na agricultura são uma ameaça muito mais iminente do que se imagina, segundo o pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa.
Alguns estudos, como um feito por pesquisadores das Universidades Federais de Minas Gerais e Viçosa, projetam perdas de produtividade causadas por desmatamento e mudanças climáticas para os próximos 30 anos. Outros não trabalham com tempo, mas com nível de devastação, como o estudo Efeitos do Desmatamento Tropical no Clima e na Agricultura, das cientistas americanas Deborah Lawrence e Karen Vandecar, que afirma que quando o desmatamento na Amazônia atingir 40% do território (atualmente ele está em 20%), a redução das chuvas será sentida a mais de 3,2 mil km de distância, na bacia do Rio da Prata.
Para Assad, que também é professor da FGV Agro e membro do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, os efeitos da destruição do ambiente e das mudanças climáticas já começam a ser sentidos.
Ele cita, por exemplo, o relatório da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja) que mostra a perda de mais de 16 milhões de toneladas na safra de soja deste ano devido a seca que atingiu as principais regiões produtoras desde dezembro. “Já há evidências de que as mudanças climáticas aumentaram o número de eventos extremos, como secas e ondas e calor”, afirma Assad.
Há duas ameaças principais, segundo Lawrence e Vandecar. A primeira é o aquecimento global, que acontece em escala global e que é intensificado pelo desmatamento. A outra são os riscos adicionais criados pela devastação das florestas, que geram impactos imediatos na quantidade de chuva e temperatura, tanto em nível local quanto continental.
Deficiência hídrica e temperatura
A maior parte da produção agrícola brasileira depende das chuvas – só 5% da produção total e 10% da produção de grãos são irrigados. Isso significa que mudanças na precipitação afetam diretamente nossa produção.
O regime de chuvas é afetado por uma série de fatores – desde a topografia até as correntes marítimas. Um fator importante é a dinâmica de evaporação e transpiração terrestres, ou seja, a umidade produzida pela respiração das árvores e plantas, explica o agrônomo da USP Gerd Sparovek, professor da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e presidente da Fundação Florestal do Estado de São Paulo.
Esse fenômeno, chamado de evapotranspiração, é especialmente alto em florestas tropicais como a amazônica – elas são o ecossistema terrestre que mais movimenta água, transformando a água do solo em umidade no ar e diminuindo a temperatura da atmosfera sobre elas.
“Ao cortar a vegetação natural que, durante o ano inteiro joga água na atmosfera, umas das principais consequências é a formação de menos nuvens no período seco”, explica Assad, da Embrapa. “Um estudo que acabamos de finalizar mostra um aumento significativo de deficiência hídrica do Nordeste ao Centro-Oeste”, diz.
Isso afeta as chuvas potencialmente até no Sudeste, já que há correntes de ar que normalmente empurram essas nuvens para sul.
A destruição da vegetação nativa afeta até a duração das temporadas de chuvas e estiagem, segundo o estudo de Lawrence e Vandecar, que faz uma revisão da literatura científica e foi publicado em 2014 na revista Nature.
O corte da vegetação nativa também altera a temperatura e clima local, e potencialmente também o de regiões mais distantes, explica Sparovek, da Esalq. “As alterações, nesse caso, são sempre desfavoráveis.”
E isso vale não só para a Amazônia: a remoção do Cerrado, onde hoje se encontra a principal expansão da fronteira produtiva, também eleva a temperatura local.
Esse problema é reforçado pelo aquecimento global, que torna o clima mais instável e aumenta a frequência de extremos, como ondas de calor e estiagens e chuvas em excesso. E o desmatamento só intensifica esse processo.
O risco para o agronegócio é especialmente grande quando altas temperaturas são concomitantes com períodos de diminuição das chuvas – isso diminui a produtividade das lavouras e pode comprometer safras inteiras, diz o biólogo.
Um efeito adicional do comprometimento da disponibilidade de água tem a ver com a produção de energia elétrica, que também é importante para o agronegócio, aponta Sparovek. Um clima mais seco ou maiores períodos de estiagem podem comprometer a vazão dos rios e dos reservatórios, afetando diretamente a produção de energia, já que nossa matriz energética é em sua maioria dependente de hidroelétricas.

Perda de área produtiva

A retirada total das florestas também gera outros problemas relativos aos recursos hídricos além da chuva, explica o biólogo Jean Paul Metzger, professor da USP e doutor em ecologia de paisagem.
A retirada da vegetação nativa retira a proteção do solo, que não é reposta mesmo se a área virar uma plantação, já que as raízes das plantas cultivadas são muito superficiais. O solo cultivado também tem pouca permeabilidade.
Isso dificulta a infiltração da água no solo, o que gera dois problemas. Um é a falta de reposição da água nos lençóis freáticos. A outra, é um processo de erosão e poluição dos rios.
“A chuva vai escoando superficialmente e levando o solo junto, há uma perda da camada mais fértil, vai tudo para o rio” diz Metzger. “E a partir de um certo momento você não tem como reverter, há uma perda de área produtiva via erosão.”

Reserva Legal

A melhor forma de evitar esse processo é manter a vegetação nativa – inclusive nas propriedades rurais, onde a cobertura florestal pode fazer uma filtragem das enxurradas antes de chegarem ao rio. Metzer aponta que as propriedades produtivas devem ter cerca de 30% de cobertura florestal, na média, para que o ciclo hidrólógico e os chamados serviços ambientais funcionem normalmente.
Serviços ambientais são benefícios trazidos ao cultivo pelo ecossistema, como, por exemplo, a polinização e o controle natural de pragas.
“Paisagens onde há produção agrícola em desequilíbrio com o ambiente são poucos favoráveis à produção. Os inimigos naturais das pragas e doenças de plantas desaparecem, e a produção passa a depender cada vez mais de agrotóxicos”, diz Sparovek, da Esalq.
Daí, dizem os pesquisadores, vem a importância da manutenção das reservas legais – áreas de mata nativa dentro de propriedades rurais cujo desmatamento é proibido por lei. O índice de proteção exigido é de 80% na Amazônia, de 35% no Cerrado e de 20% nos outros biomas.
O assunto esteve em pauta nos últimos meses, graças a um projeto do senador carioca Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, que quer acabar com as reservas legais, citando o “direito à propriedade”. Pela Constituição, no entanto, nenhum direito à propriedade é absoluto no Brasil – a construção em propriedades urbanas, por exemplo, fica restrita às leis de zoneamento municipais.

Agrotóxicos

O uso indiscriminado de agrotóxicos também é um problema ambiental que acaba se voltando contra o próprio agronegócio.
Ele afeta principalmente os cultivos que dependem da polinização, já que os animais polinizadores – abelhas, besouros, borboletas, vespas e até aves e morcegos – são fortemente afetados por alguns tipos de inseticidas e até por herbicidas usados contra pragas em lavouras, sofrendo desde morte por envenenamento a desorientação durante o voo.
Das 191 culturas agrícolas de produção de alimentos no país, 114 (60%) dependem de polinizadores, segundo o Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil, da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Em resultado de safra, cerca de 25% da produção nacional é dependente de polinização, segundo Assad, da Embrapa.
Além disso, o uso excessivo de agrotóxicos em espécies resistentes se torna um problema para produtores vizinhos de cultivos que não tem a mesma resistência. Produtores de uva do Rio Grande do Sul têm registrado milhões de reais de prejuízo por causa do herbicida 2,4-D, usado em plantações de soja. Ao se espalhar para as propriedades produtoras de uva, ele chegou a reduzir a colheita de uva em até 70%, segundo produtores do Estado.
O Instituto Brasileiro do Vinho chegou a defender a proibição do uso do agrotóxico na região. O noroeste gaúcho é campeão nacional no uso de agrotóxicos, segundo um mapa do Laboratório de Geografia Agrária da USP com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Questão da Produtividade

Até hoje, olhando a série histórica, a produtividade do agronegócio no Brasil só aumentou. A produção do milho, por exemplo, subiu de 3,6 ton/ha em 2009 para 5,6 ton/ha em 2019 (previsão), de acordo com dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
“O aumento da produção muitas vezes é usado como argumento pra dizer que não está acontecendo nada (em termos de efeitos da mudança climática). Mas a produtividade aumenta porque antes era muito baixa, porque estamos implementando as diversas tecnologias existentes”, afirma Assad, que também é membro do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. “O teto de produtividade do milho, por exemplo, é de 10 toneladas por hectare considerando a tecnologia existente.”
Isso não quer dizer, diz ele, que os efeitos da devastação não terão um impacto na produtividade.
Segundo cálculos no modelo feito por cientistas das Universidade Federais de Minas Gerais e Viçosa, em 30 anos as perdas na produção de soja podem ir de 25% a 60%, dependendo da região, graças ao desmatamento da Amazônia.
Até a pecuária pode ser afetada, com a produtividade do pasto caindo de 28% a 33% e alguns lugares deixando de ser viáveis para a atividade.

Expansão?

Mas por que ainda há resistência em aceitar a visão de que a devastação do meio ambiente prejudica o agronegócio?
Segundo Sparovek, da Esalq, narrativas que defendem a necessidade de expandir a fronteira agrícola não têm embasamento científico. Ele afirma que “quando se analisa a necessidade de expansão do agronegócio brasileiro prevista pelo próprio setor até 2050, não se vê necessidade alguma de desmatar e expandir a fronteira agrícola.”
“Temos áreas abertas o suficiente para produzir a demanda projetada e ainda restaurar a vegetação em uma quantidade enorme de terras”, diz o agrônomo.
Só na Amazônia, há 17 milhões de hectares cortados, desmatados e abandonados, segundo Assad, da Embrapa.
Além das terras abertas existentes, há uma enorme possibilidade de incremento da produtividade através de implementação tecnológica, afirma o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.
Assad, da Embrapa, afirma que soluções boas para a produção e para o ambiente – como técnicas de agricultura de baixa emissão de carbono e boas práticas de manejo de solo e água – têm se tornado cada vez mais acessíveis, e que uma maior organização de cooperativas agrícolas é necessária para aumentar o acesso dos pequenos produtores a tecnologias e avanços.
Sparovek afirma que a expansão da fronteira, especialmente na Amazônia, não interessa diretamente, não ajuda a produzir – especialmente com o avanço tecnológico que exige um terreno mais plano pelo tamanho e velocidade das máquinas. “Isso é uma agenda muito mais ligada à valorização imobiliária das terras e à grilagem. Quem se beneficia disso é o especulador do mercado de terras, lícito ou criminoso.”
Segundo Rodrigues, o Brasil é um país gigantesco que não tem “uma agricultura ou um agricultor”, mas diversos grupos com interesses diferentes. A existência de agricultores que não têm preocupação nenhuma com sustentabilidade ou com o longo prazo é “um pouco uma questão de educação, cultura e formação técnica adequada.”
“Temos 4,4 milhões de produtores que seguiram o Código Florestal e fizeram o Cadastro Ambiental Rural (mecanismos de regulação das práticas agrícolas)”, diz Assad. “É 1 milhão de agricultores que fazem essa confusão toda. É só um povo que produz como na idade média (que tem interesse no desmatamento).”
Fonte: BBC