A nova tecnologia que prevê deslizamentos em aterros sanitários.
Aproximadamente 15 milhões de pessoas vivem e trabalham em vastos aterros sanitários municipais ao redor do mundo, revirando o lixo diariamente em busca de sucata que podem vender.
Essas verdadeiras “cidades de lixo” são formadas por barracos feitos de madeira, chapas metálicas e plástico. As famílias vivem entre pilhas de lixo hospitalar e eletrônico, resíduos domésticos e vidro quebrado, até mesmo produtos tóxicos.
Essas pilhas de lixo são naturalmente mais propensas a deslizamentos – uma vez que essas montanhas instáveis de resíduos podem desmoronar de repente sem aviso prévio.
O lixão de Payatas, na periferia de Manila, uma das maiores “cidades de lixo” das Filipinas e lar de quase 10 mil pessoas, desabou em 2000, provocando um deslizamento de terra de 30 metros de altura e 100 metros de largura que deixou mais de 200 mortos.
Em 2015, um desmoronamento de terra varreu um enorme depósito de lixo nos arredores de Adis Abeba, capital da Etiópia, matando mais de 100 pessoas e destruindo casas improvisadas.
E no Brasil, o caso mais famoso foi o deslizamento no Morro do Bumba, em Niterói, em 2010, causado por um temporal, e que destruiu uma favela erguida sobre um antigo lixão, deixando pelo menos 48 mortos e centenas de desabrigados.
A taxa de sobrevivência das vítimas deste tipo de desastre é baixa, dada a natureza do material e o potencial de o gás metano se acumular dentro de bolsões de ar – envenenando quem estiver preso dentro deles.
E o futuro nos reserva muito mais lixo: de acordo com o relatório “What a Waste” do Banco Mundial, a população global deve gerar 3,4 bilhões de toneladas de lixo anualmente até 2050 – um aumento significativo em relação aos 2,01 bilhões de toneladas atuais.
Um grupo de pesquisadores australianos desenvolveu recentemente um software capaz de detectar deslizamentos com duas semanas de antecedência, dando aos moradores tempo de deixar os aterros sanitários e aos engenheiros a oportunidade de reforçar o terreno.
O sistema de inteligência artificial usa matemática aplicada para ajudar a identificar sinais de um desabamento iminente – como rachaduras minúsculas e movimentos sutis que prenunciam um desmoronamento violento.
A expectativa é que sistemas de inteligência artificial como este possam um dia ajudar a monitorar as encostas destas “cidades de lixo” e evitar que desastres se repitam.
“Temos analisado dados sobre movimentos em materiais granulares para entender seu ‘ritmo de colapso'”, explica Antoinette Tordesillas, professora da faculdade de ciências da Universidade de Melbourne, na Austrália, e uma das principais autoras do estudo.
Os experimentos que ela realizou em laboratório envolveram vários tipos de material granular (como areia, concreto, cerâmica, pedras) que foram amontoados até ruir – isto é, até a solidez se desintegrar em pedaços e colapsar.
“O que descobrimos é um ritmo distinto nas etapas anteriores ao colapso”, diz Tordesillas.
Sua tecnologia utiliza as leis da física para “orientar a inteligência artificial a identificar o padrão correto de maneira eficiente”. Ou seja, os algoritmos levam em consideração o movimento do solo, a dinâmica do colapso e os desencadeadores conhecidos de deslizamentos de terra, como a chuva (que enfraquece a aderência dos resíduos) para produzir dados confiáveis.
Por fim, esses dados poderão ser usados para prever de forma antecipada e em tempo real deslizamentos em locais como aterros sanitários, minas subterrâneas e encostas íngremes de montanhas.
Um declive natural é composto de partículas de terra, como rochas ou argila, que foram unidas ao longo de milhares de anos.
Um depósito de lixo, por outro lado, é composto por partículas de resíduos sólidos – como plástico, vidro, metais, matéria orgânica, papel -, que mantêm sua forma de maneira frágil até que algum distúrbio os abale.
A instabilidade nos lixões pode acontecer por vários motivos: compactação imprópria de resíduos, fornecimento inadequado de sistemas de drenagem, decomposição de resíduos orgânicos e de pilhas de lixo com potencial de deslizamento, umidade, explosões de gás metano e despejo de resíduos além da capacidade prevista.
“Alguns desses fatores tornam a previsão antecipada de desmoronamentos (nos lixões) mais difícil do que nos desmoronamentos de terra”, diz Isaac Akinwumi, professor de engenharia geotécnica da Universidade Covenant, na Nigéria.
A necessidade de tecnologia preditiva robusta é, portanto, essencial, particularmente no que diz respeito aos países em desenvolvimento.
As montanhas de lixo lá são muitas vezes mais íngremes do que as regulamentações dos EUA ou do Reino Unido permitem, o material não é compactado da mesma forma e as empresas de gerenciamento de resíduos não veem a estabilidade do terreno como uma prioridade. Tudo isso pode contribuir para a propensão a deslizamentos.
“Se a ferramenta da professora Tordesillas puder fornecer um alerta antecipado antes que ocorram os deslizamentos de resíduos, será uma ferramenta vital para evitar desastres”, diz Akinwumi.
De fato, essa tecnologia pode ser capaz de transformar dados em informações úteis – como apresentar as coordenadas de um deslizamento iminente ou referências que ajudem os funcionários a decidir entre pedir reforço ou evacuar a área.
Para que o sistema de inteligência artificial proposto funcione, no entanto, os pesquisadores e as organizações de gerenciamento de resíduos, com quem atuam em parceria, vão ter de superar obstáculos financeiros, políticos e regulatórios.
Por exemplo, especialistas do setor vão precisar de provas de que a tecnologia funciona. Vai custar dinheiro para avaliar os riscos e instalar a tecnologia – gastos que os operadores locais podem não estar dispostos a assumir. Além disso, deslocar os moradores durante as fases de fortalecimento do terreno ou de evacuação seria logisticamente difícil.
Por fim, a tecnologia não vai erradicar os problemas ambientais de longo prazo inerentes ao próprio aterro sanitário, como as emissões de gases, o surto de doenças e o escoamento de chorume, que contamina o lençol freático, poluindo córregos e rios.
Os riscos associados aos deslizamentos de lixo são uma das razões pelas quais as principais organizações de gerenciamento de resíduos estão insistindo agora para que essas “cidades de lixo” sejam fechadas e substituídas por instalações mais modernas ou aterros controlados.
“Testar essa tecnologia para ver se ela oferece uma solução para o problema crescente dos desmoronamentos de lixo certamente vale a pena”, diz David Biderman, CEO da Associação de Resíduos Sólidos da América do Norte (SWANA, na sigla em inglês).
“Na verdade, pode ser um bom reforço provisório no caminho para fechar os lixões.”
Biderman está bem familiarizado com o crescente problema das “cidades de lixo” e tem trabalhado para tornar a atuação da SWANA mais internacional.
Os resíduos sólidos são um problema cada vez maior que afeta não apenas quem vive diretamente sob a sombra das montanhas de lixo, mas também quem está a milhares de quilômetros de distância.
À medida que os países e os municípios se tornam mais populosos e prósperos, oferecem mais produtos aos cidadãos e participam do comércio internacional, se veem diante de quantidades correspondentes de resíduos para gerenciar por meio de tratamento e descarte.
Embora não seja uma solução milagrosa e ainda esteja em fase inicial de desenvolvimento, essa tecnologia tem o potencial de transformar as respostas emergenciais a desastres em lixões, permitindo a adoção de uma abordagem segmentada geograficamente no que se refere à previsão de deslizamentos, ajuda humanitária internacional e prevenção.
Fonte: BBC
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