quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Bolha do tamanho de um ser humano flutua por mergulhadores – e está cheia de lulas bebê.

Três mergulhadores do navio de pesquisa norueguês REV Ocean encontraram um saco gigante transparente enquanto visitavam um naufrágio da Segunda Guerra Mundial em Ørstafjorden, a cerca de 200 metros da costa na Noruega.
Ao nadar de volta à costa, a uma profundidade de 17 metros, eles notaram a estranha bolha – uma espécie de saco recheado de ovos de lula.
O vídeo abaixo foi compartilhado na plataforma YouTube no dia 6 de outubro. Nele, um dos mergulhadores circula a bolha iluminando-a com uma lanterna.
Enquanto inicialmente parece apenas um saco desajeitado com uma massa escura no centro, mais para o final da filmagem é possível enxergar os verdadeiros e minúsculos ovos de lula que o habitam.

Raro

Apesar de não ser uma visão comum, essa não é a primeira vez que mergulhadores se deparam com uma bolha de ovos de lula. Houveram outros registros na própria Noruega, além de Espanha, França e Itália.
Esses sacos são difíceis de estudar, entretanto, uma vez que suas membranas são muito delicadas. Mesmo assim, pesquisadores realizaram análises de DNA em uma dessas bolhas em 2017, confirmando que se tratavam de ovos de lula da espécie Illex coindetii (foto abaixo).
A nova esfera observada pelos noruegueses é parecida com um saco de Illex coindetii na aparência, tamanho e localização, de forma que também deve pertencer à espécie. Enquanto parece se comparar a um ser humano no vídeo, esses sacos possuem tipicamente um metro de diâmetro.
“A massa escura é provavelmente tinta da lula fêmea, que a injetou enquanto fazia a esfera”, explicou Halldis Ringvold, pesquisador do Sea Snack Norway e líder do projeto “Huge Spheres”, uma investigação de tais sacos esféricos.

Illex coindetii

Um ovo de lula Illex coindetii mede cerca de 0,2 centímetros em diâmetro quando o filhote está pronto para nascer.
Fêmeas podem produzir entre 50.000 e 200.000 ovos de uma vez nesses sacos. O processo embrionário leva cerca de 10 a 14 dias em uma temperatura aquática de 15 graus Celsius.
Além dos vídeos e fotos, os pesquisadores estão coletando amostras de tecido da bolha recentemente encontrada, para aprender mais sobre esses animais elusivos. [LiveScience]
Fonte: Hypescience

Especialistas cobram o fim dos filtros de cigarro.

Filtros são ineficazes e são o principal tipo de lixo coletado do meio ambiente globalmente. Por isso, devem ser banidos, defendem Thomas Novotny da Universidade Estadual de São Diego (EUA) e colegas da Escola de Higiene e Medicina Tropical da London School (Reino Unido) em artigo opinativo da British Medical Journal.
A maior parte das bitucas de cigarro é composta por um filtro de plástico não biodegradável, feito de acetato de celulose. Eles foram criados na década de 1950 quando a indústria do cigarro os retratava como capazes de absorver o alcatrão, a mistura de 4 mil compostos químicos que se forma durante a queima de cigarros e charutos.
“Mas sabemos que esse argumento de segurança era um mito, criado pela indústria do tabaco para vender cigarros”, escrevem eles.
Os autores se queixam da falta de discussão sobre os malefícios das bitucas de cigarro para a natureza, dizendo que as preocupações sobre o resíduo plástico dos cigarros foi excluída da agenda internacional de controle do tabaco.
Estima-se que 766.571 toneladas de bitucas acabem no meio ambiente todos os anos, representando um terço do lixo recolhido do mar. Aves e tartarugas marinhas são as principais vítimas do filtro.
Os autores do artigo criticam mais especificamente a falta de ação da União Europeia, que vai banir a partir de 2021 a comercialização de vários itens plásticos de uso único como garfos, facas, canudos e pratinhos, mas deixou de lado os filtros de cigarros. “Parece uma oportunidade perdida”, dizem os autores.
Para quem acha impossível banir cigarros com filtros, os autores recomendam lembrar da época em que muitos duvidaram que seria possível implementar a  proibição de fumo em bares, restaurantes, aviões e salas de aulas.  
“Pode estar na hora de uma abordagem radical parecida que fortaleça as ligações entre o ambiente e a saúde comunitária para o bem comum planetário”, escrevem eles. “Se falharmos ao reduzir os trilhões de bitucas adicionados à carga mundial de resíduos anualmente, comprometemos nossos esforços para reduzir o desperdício do plástico global e perdemos a oportunidade de ajudar a acabar com a epidemia global de tabaco”, concluem eles.

Reciclagem de bitucas

É verdade que existem alguns programas louváveis de reciclagem de bitucas em todo o mundo, mas eles coletam uma porcentagem muito pequena de bitucas descartadas.
Nos Estados Unidos e Canadá há estações de tratamento da Terracycle que separam o plástico dos filtros e o transforma em pastilhas que são usadas na construção de bancos de jardim e pallets industriais. O restante dos compostos é transformado em adubos.
No Brasil, o estado do Paraná tem se destacado com o programa Bituca Zero (Ecocity). Nele, também se aproveita os compostos do filtro para fazer adubo utilizado em obras de contenção de encostas.
[British Medical Journal, Medical Express, Anvisa, Ecocity, Terracycle]
Fonte: Hypescience

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A ‘operação de guerra’ montada por pescadores para conter avanço de óleo em Abrolhos.

“A conversa era que iam tomar uma atitude quando o óleo chegasse a Abrolhos. Pronto, chegou. Se isso passar daqui pra baixo, já foi. E agora, vão fazer o quê? Qual é o plano? Alguém sabe?”, questiona o pescador Carlos Alberto Pinto.
Ele é membro da Associação Mãe da Reserva Extrativista (Resex) de Canavieiras, uma área de aproximadamente 100 mil hectares no sul da Bahia. A reserva é o que dá limite, ao norte, à chamada Região dos Abrolhos, onde está a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul, com mais de 1,3 mil espécies registradas entre fauna e flora.
Na segunda-feira (28/10), foi na Resex de Canavieiras que, usando redes de malha bem fina, pescadores conseguiram “capturar” uma mancha em alto mar, tirando da água, de uma só vez, aproximadamente 80 kg de petróleo.
Nesta terça-feira, mais de 600 kg foram coletados nas praias que integram a Resex. Além disso, o material já foi detectado, em pequenas manchas ou pelotas solidificadas, em praias das cidades de Belmonte e Santa Cruz Cabrália, que estão ao sul de Canavieiras e ainda mais próximas do núcleo do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, criado em 1983.
Sentindo que o desastre ganha cada vez mais volume, Pinto faz outros questionamentos. “Espero que nossa organização cause algum constrangimento no governo, pra sair da zona de conforto e se mobilizar de verdade. Como é que pode ficar só esperando o óleo na praia? Se um barco de pesca pegou uma mancha de 80 kg no mar, cadê os navios grandes da Petrobras, das empresas que prestam serviço? Cadê?”
A mobilização a que ele se refere começou semanas atrás, quando o óleo atingia praias de Sergipe e ainda ensaiava entrar na Bahia — ou seja, estava a mais de 600 km de Canavieiras.
Em comparação, o Comando Unificado de Incidentes, que reúne os mais diversos órgãos governamentais envolvidos no combate ao óleo, realizou sua primeira reunião na Bahia no dia 11 de outubro, uma semana depois de a substância tóxica ter chegado às praias do Estado.

Esquema de guerra

Atentos ao óleo que navegava livremente em sua direção, os pescadores que atuam na Resex de Canavieiras montaram um esquema de guerra: dividiram o perímetro em nove áreas, criaram uma tabela de monitoramento e estabeleceram grupos responsáveis por checar, todos os dias, a presença de manchas na água, nas praias e nos estuários e manguezais.
“Só aqui temos noves barras de rio que levam o óleo direto pros manguezais. Se isso entrar forte, vai ser caótico, então, estamos fazendo o que está ao nosso alcance”, diz Pinto.
Todo o sistema de defesa foi montado com doações e apoio de empresas da região, organizações não governamentais e pesquisadores.
Sem recursos emergenciais ou equipamentos do poder público, o jeito foi apostar em materiais dos próprios pescadores ou disponíveis no ambiente, como barcos de variados tamanhos, puçás, redes e cortinas feitas com siripoias e galhos de casuarina. Isso sem falar na força humana.
Já são aproximadamente 600 pessoas envolvidas no trabalho, entre pescadores, marisqueiras, técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que já atuam na Resex e moradores da região que se apresentam como voluntários. Encorpada, a operação ganhou nome: SOS Mangue Mar Canes.
Antes de pescar o óleo no mar, o grupo chegou a fazer três simulações. “É um trabalho minucioso, porque esse óleo vai mudando de característica. Na água, tem uma textura, quando tira, já muda e, quando esquenta, derrete rápido”, diz o professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Miguel Accioly, que acompanhou as simulações e tem dado apoio técnico aos pescadores desde o início da crise.
“Estamos tentando direcionar os esforços para o que é possível fazer. E essa captura do óleo no mar dá algum ânimo. Não dá só para esperar chegar na praia e limpar”, afirma Accioly.
Desde que foi formado o Comando Unificado de Incidentes, grupo formado por representantes de órgãos ambientais, prefeituras, Estado e outras entidades para lidar com a crise, o pesquisador defende a inclusão de representantes dos pescadores entre seus membros, para que pudessem somar seu conhecimento sobre as áreas afetadas às discussões sobre possíveis ações a serem tomadas.
Em tese, a sugestão foi aceita, mas nenhum pescador foi convidado para as reuniões diárias até agora.
“Nós montamos nosso plano. Não é questão só de proteger o meio ambiente, mas as pessoas. Nossa vida é isso aqui. Não dá pra dissociar a natureza da gente. A região somos nós”, afirma Pinto.
“Quem for de orar, ore, quem for de rezar, reze, porque, se bater aqui o óleo que já chegou em Boipeba, acaba com a gente.”

Abrolhos sob ameaça

A Resex de Canavieiras está dentro da Região dos Abrolhos, mas ainda não faz parte do Parque Nacional. Por isso, o esquema de defesa montado pelos pescadores pode atenuar os impactos do óleo na área.
Aquela região abriga a mais extensa bancada de corais do Brasil e do Atlântico Sul, que resguarda, justamente por causa disso, a maior biodiversidade marinha da porção sul do Atlântico.
Entrando pelos estuários, estão alguns dos maiores manguezais do país, protegidos por Resexs como a de Canavieiras e a de Cassurubá.
A região possui ainda a maior produção pesqueira da Bahia, movimentando aproximadamente R$ 100 milhões por ano e provendo sustento a mais de 20 mil famílias.
É este conjunto de ecossistemas e atividades econômicas que pesquisadores tanto temiam que fosse alcançado pelo óleo, como a BBC News Brasil mostrou em reportagem publicada no dia 26.
“Apesar de ter sido menos óleo, em comparação às toneladas que já foram removidas em outras praias, teve essa coleta volumosa em alto mar. É um sinal que tem mais óleo na água, e isso é muito preocupante”, diz Guilherme Dutra, diretor da estratégia costeira e marinha da Conservação Internacional (CI), organização sem fins lucrativos que atua na região.
A pesquisadora em ecotoxicologia Letícia Aguilar não está otimista. “Tirar a mancha não significa que a água está livre de contaminação. Tem uma parte que já dissolveu e fica na água. Então, a toxicidade vai atingir tudo que estiver na água, todos os organismos”, afirma.
Ela defende nesta quarta-feira sua tese de doutorado, feita a partir de uma pesquisa no Golfo do México sobre derramamento de petróleo, e teme pelo equilíbrio de todos os ecossistemas atingidos pelo óleo, especialmente em Abrolhos.
“As pesquisas mostram uma diminuição das populações de todos os organismos do ecossistema ao longo dos anos após o derramamento, porque a contaminação persiste no ambiente. Abrolhos tem muitas espécies endêmicas, que só existem ali. Então, se elas morrerem, significa que desaparecerão da face da Terra.”
Caso uma espécie morra, há um desfalque na cadeia do ecossistema, então, outras espécies que dependem daquela primeira sofrerão as consequências. “É morte que gera morte que gera morte”, diz Aguilar.
E os seres humanos? “Não se recomenda de jeito nenhum comer pescados e mariscos dessas regiões atingidas. É triste dizer, mas as comunidades que vivem da pesca estão arruinadas.”
“Aliás, não se deveria nem entrar na água até que existam análises precisas que apontem que já não existe contaminação. Isso é muito sério. As pessoas podem desenvolver doenças que vão de alergias a câncer”, afirma a pesquisadora.

Sem conclusões

A BBC News Brasil questionou o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA) do incidente de poluição por óleo no litoral do Nordeste, liderado pela Marinha, pedindo informações sobre as estratégias para conter a substância na Região dos Abrolhos, já que pescadores conseguiram capturar 80 kg no mar.
Ainda que as ocorrências estejam registradas em fotos e vídeos, nesta terça, o Departamento de Imprensa da Marinha afirmou que, “até o momento, não foram localizados vestígios de óleo na área da reserva ambiental de Abrolhos-BA”.
“O navio hidrográfico balizador Tenente Boanerges que se encontra nas redondezas e os militares que guarnecem o Farol de Abrolhos realizam constante monitoramento em função da importância ambiental e científica da região”, disse a Marinha em nota.
O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), órgão da secretaria do Meio Ambiente da Bahia, também foi questionado sobre a possibilidade de se oferecer apoio aos pescadores da Resex de Canavieras, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
Na segunda-feira, o Ministério Público Federal entrou com um recurso no Tribunal Federal da 5ª Região (TRF-5) pedindo que a União cumpra integralmente o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC) no combate ao desastre, que completa dois meses nesta quarta-feira.
Procuradores dos nove Estados nordestinos alegam que o PNC não foi acionado segundo rege a legislação e os parâmetros técnicos e científicos do próprio plano. Em primeira instância, a Justiça Federal entendeu que a União acionou o PNC da maneira adequada.
De acordo com a atualização mais recente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), 268 localidades já foram atingidas pelo óleo, que voltou a aparecer nesta semana no Rio Grande do Norte, um dos primeiros Estados atingidos.
A investigação para apontar o causador do derramamento — e se ele já cessou — é de responsabilidade da Marinha, que ainda não chegou a qualquer conclusão.
Fonte: BBC

Pesquisadores da USP criam plástico biodegradável feito de mandioca, transparente e resistente.

Tecnologia desenvolvida em parceria por Poli e Esalq processa amido de mandioca usando gás ozônio e aumenta qualidade dos plásticos.

Um novo tipo de plástico biodegradável, que tem como matéria-prima o amido de mandioca, foi produzido em parceria por duas unidades da USP: Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, e Escola Politécnica (Poli). Os pesquisadores desenvolveram uma técnica que utiliza o gás ozônio para processar o amido e melhorar as propriedades do plástico. O resultado é um produto mais transparente e resistente, que poderá ser usado em diversos tipos de embalagens. O método já teve a patente requerida, visando a transferência de tecnologia para a indústria.

“A busca por alternativas renováveis para a produção de plásticos biodegradáveis é crescente, sendo foco do estudo de diversos grupos de universidades no mundo inteiro”, explica o professor Pedro Esteves Duarte Augusto, coordenador do Grupo de Estudos em Engenharia de Processos (Ge²P) da Esalq. “Uma das possíveis matérias-primas para a produção desses plásticos é o amido, ingrediente natural obtido de vegetais como milho, mandioca, batata, arroz, entre outros.”
Segundo o professor, a união dos grupos de pesquisa ocorreu porque a produção de plásticos a partir de amidos tem sido explorada há 15 anos pelo grupo da professora Carmen Cecilia Tadini, do Laboratório de Engenharia de Alimentos (LEA) da Poli e do Food Research Center (FoRC), um dos Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Por outro lado, no Ge²P estudamos, desde 2015, diferentes tecnologias para modificação de amidos e possíveis aplicações”. De acordo com o professor Duarte Augusto, embora o grupo já tenha desenvolvido trabalhos com as tecnologias de ultrassom e irradiação, os estudos com modificação de amidos com ozônio têm resultado em diversas aplicações, como a melhoria da expansão no forno e impressão 3D.
Assim o desenvolvimento do projeto em parceria com a Poli conseguiu unir uma demanda às experiências dos grupos envolvidos. E a pesquisadora boliviana Carla Ivonne La Fuente Arias, engenheira química e de alimentos, é o elo dessa união. Carla desenvolve seu pós-doutorado no Ge²P, em parceria com o LEA e com bolsa da Fapesp. “O professor Pedro fez parte da minha banca de qualificação no doutorado e a partir de então teve início essa aproximação que hoje se consolida no pós-doc”, conta. 

Ozonização

Carla aponta que o aspecto inovador do seu projeto consiste na modificação do amido de mandioca a partir da ozonização para a produção de filmes. “Trata-se de uma tecnologia verde, amigável com o ambiente. Esse é o foco, modificá-lo com o ozônio de maneira a melhorar suas propriedades na forma nativa. Produzimos assim esse plástico biodegradável e, mesmo ainda na etapa inicial, já obtivemos um produto de boa qualidade. A próxima etapa, a ser executada na Poli, é a produção em escala semi-industrial”, explica. Assim, para a concretização do projeto, são realizadas na Esalq as etapas de ozonização, secagem e caracterização das amostras de amido. Na sequência, Carla leva o material até a Poli para preparar e caracterizar o plástico biodegradável.
Entre os benefícios do novo produto estão maior resistência, transparência e permeabilidade. “O processamento dos amidos com ozônio permitiu a obtenção de filmes plásticos mais resistentes e homogêneos, com diferente interação com a água e, em alguns casos, melhor transparência”, detalha Carla. “Essas são características de grande interesse industrial, demonstrando como a tecnologia de ozônio pode ser útil para a fabricação de plásticos biodegradáveis com propriedades melhores do que utilizando apenas o amido nativo”.
A engenheira lembra que o produto deverá ser utilizado no mercado de várias formas. “As aplicações são inúmeras, já que embalagens mais resistentes e transparentes são desejáveis em grande parte das aplicações”, destaca. Um pedido de patente já foi depositado, visando à transferência de tecnologia para a indústria.
Os resultados obtidos a partir desse estudo foram apresentados no artigo científico Ozonation of cassava starch to produce biodegradable films, publicado na revista International Journal of Biological Macromolecules. O trabalho teve ainda a participação das pesquisadoras Andressa de Souza, Bianca Maniglia e Nanci Castanha, sendo financiado pela Fapesp e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com bolsas da Fapesp, CNPq e Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Fonte: Jornal da USP


terça-feira, 29 de outubro de 2019

Microplásticos: buscando a ‘pontuação plástica’ dos alimentos em nossos pratos.

Os microplásticos são encontrados em todos os lugares da Terra, mas sabemos surpreendentemente pouco sobre os riscos que eles representam para os seres vivos. Agora, os cientistas estão correndo para investigar algumas das grandes questões não respondidas.
Daniella Hodgson está cavando um buraco na areia em uma praia varrida pelo vento, enquanto as aves marinhas voam no alto. “Encontrei um”, ela chora, atirando sua pá.
Ela abre a mão para revelar um verme marinho contorcido. Arrancado de sua toca subterrânea, essa humilde criatura não é diferente do proverbial canário em uma mina de carvão.
Sentinela de plástico, o verme ingerirá quaisquer partículas de plástico que encontrar ao engolir areia, que podem passar a cadeia alimentar para pássaros e peixes.
“Queremos ver a quantidade de plástico em que a ilha está potencialmente subindo – e o que há nos sedimentos – e o que os animais estão comendo”, diz Hodgson, pesquisadora de pós-graduação da Royal Holloway, Universidade de Londres.
“Se você está exposto a mais plásticos, vai consumir mais plásticos? Que tipos de plásticos, que formas, cores, tamanhos? E então podemos usar esse tipo de informação para notificar experimentos para analisar os impactos da ingestão desses plásticos em diferentes animais “.
Os microplásticos são geralmente referidos como plástico menor que 5 mm ou mais ou menos do tamanho de uma semente de gergelim. Há muitas perguntas não respondidas sobre o impacto desses pequenos pedaços de plástico, provenientes de detritos maiores de plástico, cosméticos e roupas. O que não está em disputa é o quão longe os microplásticos viajaram pelo planeta em questão de décadas.
“Eles estão absolutamente em toda parte”, diz Hodgson, que está investigando como o plástico está entrando nos ecossistemas marinhos. “Os microplásticos podem ser encontrados no mar, em ambientes de água doce em rios e lagos, na atmosfera, em alimentos”.

Pergunta multimilionária

A ilha de Great Cumbrae, ao largo da costa de Ayrshire, na Escócia, é o local favorito de turistas de cidades próximas como Glasgow. A um passeio de balsa de distância da cidade de Largs, é um retiro para ciclistas e caminhantes, além de cientistas que trabalham na estação de pesquisa do Conselho de Estudos de Campo de Millport, na ilha. Em um passeio de barco pela baía para ver como as amostras de plástico são coletadas das ondas, um golfinho se junta a nós por um tempo e nada ao lado.
Mesmo neste local remoto, a poluição plástica é visível na praia. O professor David Morritt, que lidera a equipe de pesquisa da Universidade Royal Holloway, aponta um barbante azul e pedaços de garrafas de plástico que são lavadas com as algas na baía de Kames. De onde está vindo é a “pergunta multimilionária”, diz ele, segurando um pedaço de barbante azul.
“Acabamos de ver um pouco do plástico lavado na linha aqui e você pode dizer, obviamente, que é um fio de pesca ou é proveniente de redes de pesca. Às vezes é muito mais difícil. Ao identificar o tipo de polímero, o tipo de plástico e, em seguida, combinando isso com os usos conhecidos desses polímeros, às vezes você pode adivinhar de onde esse plástico provavelmente veio”.
Do trecho de lixo do Grande Pacífico aos leitos e riachos do Reino Unido, os microplásticos estão entre os contaminantes mais difundidos do planeta, passando das partes mais profundas de nossos oceanos para os estômagos de baleias e aves marinhas. A explosão no uso de plástico nas últimas décadas é tão grande que os microplásticos estão se tornando uma parte permanente das rochas sedimentares da Terra.
Enquanto estudava sedimentos rochosos na costa californiana, Jennifer Brandon descobriu evidências perturbadoras de como nosso amor pelo plástico está deixando uma marca indelével no planeta.
“Descobri que esse aumento exponencial de microplásticos foi deixado para trás em nosso registro de sedimentos, e esse aumento exponencial de microplásticos reflete quase perfeitamente o aumento exponencial da produção de plástico”, diz ela. “O plástico que estamos usando está saindo para o oceano e o deixando para trás em nosso registro fóssil”.

Idade do plástico

A descoberta sugere que, após a idade do bronze e a idade do ferro, agora estamos entrando na era do plástico.
“Dentro de algumas décadas, daqui a centenas de anos, o plástico será usado como marcador geológico do que deixamos para trás”, diz Brandon, do Scripps, Instituto de Oceanografia, UC, San Diego. “Estamos basicamente sujando o oceano com óleo químico. Essa não é uma receita para um oceano muito saudável”.
Uma grande incógnita é como os microplásticos podem afetar os seres vivos. Em agosto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou um relatório concluindo que, embora as partículas na torneira e na água engarrafada não apresentem um aparente risco à saúde, são necessárias mais pesquisas e evidências.
O Dr. Brandon diz que precisamos conhecer a “pontuação plástica” dos animais que estão terminando em nossos pratos.
“Esses microplásticos são pequenos o suficiente para serem consumidos por plâncton, pólipos de coral e mexilhões filtradores, mas como eles estão se acumulando na cadeia alimentar?” ela diz. “Quando você chega a um peixe enorme, é aquele peixe que come plástico em si ou come milhares de peixinhos que comem milhares de plâncton, que comem milhares de microplásticos.
“Qual é a altura da assinatura plástica em algo como um atum quando chega ao seu prato? E isso nem sempre é conhecido.”

Arranhando a superfície

Algumas semanas após a visita de campo à Escócia, visito o laboratório em Royal Holloway para ver o que está sendo encontrado nas amostras coletadas na ilha. As amostras de água e os sedimentos foram filtrados para remover o plástico, que é examinado ao microscópio, juntamente com o plástico encontrado em animais marinhos. Hodgson diz que o plástico foi encontrado em todas as amostras, incluindo de animais, mas especialmente em Kames Bay, na costa sul da ilha.
Animais como baleias, golfinhos e tartarugas comem grandes detritos de plástico, como sacolas plásticas, que podem causar fome, diz ela. Mas muitos dados estão mostrando efeitos mais sutis ao ingerir microplásticos.
“Pode não estar prejudicando-os, como matá-los, mas, com o tempo, pode haver danos celulares, isso pode estar afetando o balanço de energia e como eles podem lidar com isso. “, diz Daniella Hodgson, que colabora com pesquisadores do Museu de História Natural de Londres.
As respostas para algumas dessas perguntas ficarão claras com mais pesquisas. Outros levarão muito tempo para responder.
“Sabemos que há muito microplástico e continuamos a encontrá-lo em todos os lugares que procuramos”, diz o Dr. Brandon. “Mas as implicações dos efeitos na saúde e como realmente afeta animais e humanos, estamos apenas começando a arranhar a superfície dessas perguntas”.
Fonte: BBC News / Helen Briggs
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse:
https://www.bbc.com/news/science-environment-49798057

A luta para proteger a commodity natural mais contrabandeada do mundo.

LIVINGSTON, GUATEMALA Jose Baudillo inclina-se sobre uma fina tora de jacarandá apoiada em uma cama de lascas de madeira vermelha, e envolve uma fita métrica em volta de uma de suas pontas. “Essa é jovem”, menos de 40 centímetros, ele diz para seu chefe, Eddy Ottoniel Palencia.
Essa tora havia sido cortada ilegalmente em Izabal, um dos 22 departamentos da Guatemala. Apreciado por sua durabilidade, coloração viva e aroma perfumado, o jacarandá, do gênero Dalbergia, é uma madeira tropical densa usada na produção de instrumentos musicais, desde violões e marimbas a violinos, além de móveis de alta qualidade, principalmente na China.
O jacarandá é tão cobiçado que é hoje o produto natural mais contrabandeado do mundo, por valor e volume, mais que o marfim, chifres de rinoceronte e escamas de pangolim somados. De acordo com o Fundo Mundial para o Meio Ambiente, uma parceria internacional entre governos, a sociedade civil e o setor privado para apoiar a conservação, o comércio ilegal de animais silvestres corresponde entre 5 e 20 bilhões de dólares por ano. Ele é muitas vezes classificado como o quarto negócio mais lucrativo do mercado negro, atrás dos narcóticos, tráfico de pessoas e o comércio de armas.
De acordo com a Interpol, o tráfico de madeira é estimado entre 30 e 100 bilhões de dólares ao ano, e é responsável por 15 a 30% do comércio mundial de madeira. Sam Lawson, diretor da Earthsight, uma organização sem fins lucrativos baseada em Londres que investiga crimes ambientais globais, estima que o valor anual do jacarandá contrabandeado possa exceder um bilhão de dólares.
Palencia e Baudillo trabalham na Fundação para o Desenvolvimento Econômico e Conservação (Fundaeco), uma organização guatemalteca sem fins lucrativos que administra 18 áreas de proteção nacionais em parceria com o governo. A tora de jacarandá que estavam medindo foi cortada em um trecho de floresta dentro de uma fazenda privada próxima à Área de Uso Múltiplo do Rio Sarstún, cujas árvores remanescentes de jacarandá se tornaram alvo de contrabandistas. Avisados pelo proprietário da terra, a equipe da Fundaeco vem conduzindo há meses um esforço de gato e rato para pegar os madeireiros ilegais em ação.
“Para cortarem uma árvore tão pequena assim”, diz Palencia, balançando a cabeça, “quer dizer que não há mais nenhuma árvore”.
A primeira vez que oficiais florestais guatemaltecos perceberam que tinham um problema com o jacarandá foi em 2011, de acordo com documentos submetidos à Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES), o órgão que regula o comércio internacional de espécies silvestres, incluindo madeira rara. Foi nesta ocasião que três containers de madeira preciosa foram descobertos no Puerto Santo Tomas de Castilla, um dos dois portos comerciais da Guatemala.
No ano seguinte, mais containers registrados como resina, materiais reciclados, papelão e outros produtos de madeira foram interceptados no mesmo porto e no Puerto Quetzal, diz César Beltetón, diretor florestal do Conselho Nacional de Áreas Protegidas (CONAP). O CONAP é uma agência governamental que administra as 338 áreas de proteção da Guatemala, que cobrem quase um terço do país.
O surgimento do comércio ilegal do jacarandá na Guatemala tem sido movido, em boa parte, pela demanda dos novos ricos chineses para a confecção de móveis tradicionais no estilo das dinastias Ming e Qing. Entre 2009 e 2014, informações alfandegárias analisadas pela Agência de Investigação Ambiental, uma organização britânica sem fins lucrativos, mostraram um aumento de 14 vezes nas importações chinesas de jacarandá de todo o mundo. Esse aumento coincidiu (e contribuiu) com a dizimação do jacarandá no sudeste asiático, que antes havia substituído o jacarandá nativo sobre explorado do sul da China. Os compradores pesquisaram novas fontes e a Guatemala, que abriga pelo menos quatro das espécies desejadas comercialmente, era uma delas.
Foi como uma “corrida do ouro”, lembra Byron Renato Morales Gallen, um dos procuradores da Divisão de Crimes Ambientais do Ministério Público, especializada no tráfico de jacarandá.
Outrora conhecida como o pulmão da América Cental, a Guatemala, um país do tamanho do estado do Tennessee, perdeu 17% de suas florestas entre 2001 e 2017, de acordo com o Global Forest Watch, um site desenvolvimento pela World Resources Institute para monitorar dados florestais. Hoje, o país apresenta a quarta maior taxa de desmatamento do mundo, com os departamentos de Petén, Alta Verapaz e Izabal, onde cresce boa parte do jacarandá extraído ilegalmente no país, sofrendo as piores perdas.
Antes mesmo de os proprietários de terra desmatarem áreas de floresta para a criação de gado e plantação de borracha, banana e óleo de palma africano, a Guatemala, diferentemente de países africanos como Madagascar e Nigéria, que também são vítimas do frenesi, não tinha abundância de jacarandá. Isso se deve ao fato de o país ter áreas limitadas de pantanais, preferidas pelas espécies locais da árvore. O jacarandá guatemalteco cresce cerca de um centímetro por ano, e pode levar até um século para chegar à maturidade, então qualquer extração ilegal compromete a população geral.
Myrna Herrera Sosa, chefe do Laboratório de Identificação e Descrição de Madeira da Universidade de San Carlos, na Cidade da Guatemala, lidera os esforços de pesquisa para estabelecer o estoque remanescente de jacarandá no país. Em um ecossistema normal e saudável, ela diz, deveria haver de 150 a 200 jacarandás em meio a milhares de árvores. Mas quando ela e sua equipe vão hoje à floresta, encontram não mais que algumas árvores amplamente espalhadas, talvez não mais que 10 em um único local. Há tão poucos jacarandás, ela diz, que “nem podem ser chamados de populações”.
Alarmados pela vulnerabilidade crescente do jacarandá, a Guatemala liderou em 2016 esforços globais para que todas as 300 espécies fossem elevadas ao Anexo II do CITES, que estabelece regulamentações mais rigorosas às exportações de jacarandá: Todas as exportações devem conter uma declaração certificando a proveniência legal e sustentável da madeira.
Quando as novas regulamentações da CITES entraram em vigor, as apreensões de jacarandá na Guatemala já haviam começado a diminuir, diz Beltetón. Mesmo as árvores se tornando mais difíceis de encontrar, os contrabandistas estavam ficando cada vez melhores em fugir da fiscalização.

Os ladrões de jacarandá

Uma vez que o jacarandá é naturalmente escasso na Guatemala, encontrá-lo e extrai-lo requer conhecimento local e trabalho intenso. Aldeões pobres com pouco a perder seguem para as florestas com suas motosserras e, às vezes, burros para limpar o caminho, encontrar e derrubar as árvores, limpar a casca e o alburno para expor a valiosa madeira, moldar as toras e arrastar as ripas para a estrada para serem levadas ao porto.
Quando os caminhões chegam, o material ilegal é muitas vezes escondido sob outros produtos para evitar ser descoberto, mas como mostram os registros policiais e os relatórios do Ministério Público, se o comprador intermediário ou a pessoa responsável pelo transporte houver subornado a polícia para garantir sua passagem pelos postos de controle, a madeira é transportada à vista.
A próxima parada será em um dos dois maiores portos da Guatemala, onde containers de jacarandá são carregados em navios com destino a Hong Kong ou China. De acordo com Beltetón, alguns jacarandás fazem viagens maiores de caminhão, seguindo para o México, El Salvador e Honduras. Na China, a madeira é vendida a partir dos armazéns dos portos na costa e no rio Yangtze para fabricantes de móveis no interior, que transformam as toras em mobiliário elegante.
A ripa de jacarandá que Palencia e Baudillo encontraram na fazenda em Izabal não foi o primeiro caso de extração ilegal na região. Em uma patrulha de rotina alguns meses antes, um guarda-florestal descobriu uma pilha de toras aguardando coleta em uma clareira entre a floresta e a estrada de acesso.
Essas descobertas indicam o aumento da extração de jacarandá em Izabal nos últimos dois anos, diz Oswaldo Calderón, diretor regional da Fundaeco. Antes, ele diz, a maioria dos jacarandás vinha de Petén ou de Belize, do outro lado da fronteira. De fato, de acordo com os dados sobre crimes ambientais do Ministério Público, 60% dos 19 casos ativos de tráfico de jacarandá de 2017 a 2018 envolveram apreensões em Izabal.
Departamentos rurais na Guatemala com os maiores incidentes de tráfico de jacarandá, Izabal, Petén e Alta Verapaz, também estão entre os mais pobres do país. Eles são devastados por conflitos entre o governo nacional e grupos indígenas quanto ao direito de permanecerem nas terras, de acordo com o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno, baseado em Genebra. O grupo, estabelecido pela organização sem fins lucrativos Conselho Norueguês de Refugiados, monitora o desalojamento interno em todo o mundo.
Muitas vezes, grupos sem-terra já foram remanejados repetidamente, seja pela guerra civil da Guatemala, que acabou em 1996, pela conversão de terras de fazendas de pequena escala em agronegócio e indústrias extrativistas, e pelas mudanças climáticas. Eles foram deslocados para as únicas terras ainda disponíveis, as quais muitas vezes estão inseridas em áreas protegidas que têm restrições de uso e apropriação.
Em 2017, o produto interno bruto per capita da Guatemala era de aproximadamente 4.060 dólares, um montante que é significativamente menor em áreas rurais, onde há um índice de pobreza de 79% entre a população indígena e oito em cada dez crianças sofrem de desnutriçãode acordo com a UNICEF.
Moises Cardona, líder de uma comunidade em El Carrizal, um assentamento não autorizado dentro de uma área de proteção na fronteira guatemalteca com Belize, diz que isso explica por que se envolver com o desmatamento ilegal é atrativo para algumas pessoas. Desde o auge do boom do jacarandá, El Carrizal e vilas vizinhas ganharam a reputação de serem contrabandistas de jacarandá, além de sua posição contrária ao governo da Guatemala.
Na opinião de Cardona, não é justo que o impacto ambiental do desmatamento sem a devida autorização causado pelos guatemaltecos pobres e impotentes seja considerado ilegal, mas que “todo o óleo de palma e as enormes fazendas que destroem tudo” não seja.Cardona está se referindo ao Programa do Óleo de Palma da Guatemala, lançado em 2009, que visou converter terras “não utilizadas”, muitas vezes dentro de zonas de uso múltiplo em áreas protegidas onde algumas indústrias são permitidas, em plantações de óleo de palma. Esses negócios empregam fazendeiros indígenas de subsistência como trabalhadores sazonais, e seus impactos ambientais, como escassez de água, desmatamento e degradação do solo, são bem documentados.
Beltetón da CONAP diz que “é terrível que [o jacarandá] esteja distribuído nas regiões mais pobres da Guatemala, e que seja para esses lugares que os contrabandistas se dirijam, tirando proveito da pobreza e ignorância das pessoas que não têm outra opção”. Ele adiciona: “Claro, o governo também é responsável, por não fornecer serviços públicos e fazer cumprir a lei nas regiões mais disputadas e conflituosas, como na Área de Proteção dos Montes Maias de Chiquibul, onde está localizado El Carrizal.
Na noite de 1º de julho de 2018, após uma denúncia anônima sobre o transporte ilegal de jacarandá, três agentes policiais ambientais embarcaram em uma viagem de duas horas e meia do seu posto em La Libertad, Petén, até El Barillal, um vilarejo próximo a El Carrizal.
Ao se aproximarem do destino, em vez de encontrarem o suspeito, eles foram cercados por pelo menos 45 homens, alguns armados, de acordo com o relatório policial apresentado no dia seguinte. O relatório diz que os homens impediram a passagem do veículo, os ameaçaram, questionaram o motivo da sua presença, os detiveram por mais de uma hora e dispararam suas armas, embora ninguém tenha ficado ferido. No fim, os três policiais solucionaram o impasse retornando para La Libertad de mãos vazias.
Nos nove meses desde então, a polícia ambiental não retornou a El Barillal.

Interrompendo o comércio ilegal

A maioria dos países, incluindo a China, não tem leis contra a importação de madeira de procedência ilegal e, assim, nenhuma estrutura legal que dê às autoridades portuárias permissão para recusar cargas. Mas o agravamento da posição do jacarandá pela CITES mudou isso.
No ano passado, Aura Marina López Cifuentes, procuradora pública de crimes ambientais, ordenou o retorno da China de quatro containers registrados como borracha, reciclagem e embalagens. Ela diz que sua equipe notou certas “anomalias” na documentação, incluindo que ela havia sido assinada por um contrabandista de jacarandá conhecido, e que os containers carregando os produtos eram muito mais pesados do que deveriam.
“Nós rezamos para que fosse jacarandá, e quando abrimos, era”, lembra López.
A madeira confiscada está hoje sob custódia do CONAP em um armazém aberto em Izabal, e os casos contra os contrabandistas transitam nos tribunais. O armazém, que lembra uma madeireira abandonada, abriga quase 10 mil metros cúbicos de madeira confiscada, além de tratores, caminhonetes e até uma lancha solitária, equilibrada precariamente em uma pilha de ripas de madeira. De acordo com os guardas do armazém, 70% da madeira é jacarandá.
O combate ao crime ambiental na Guatemala está dividido por diversas agências governamentais e organizações da sociedade civil. O Instituto Nacional Florestal é responsável pela gestão florestal, mas o CONAP lidera a proteção das áreas e espécies protegidas do país.
Na administração das áreas protegidas, o CONAP emprega funcionários locais, incluindo guarda-parques que realizam patrulhas regulares, fazem contato com as comunidades e buscam atividades ilegais. A agência aprova as autorizações para exportação de jacarandá, supervisiona os planos de manejo florestais em áreas de proteção e é responsável por identificar e inspecionar os produtos florestais nos portos e em operações policiais.
Mas o CONAP enfrenta uma escassez de recursos. Ele conta com menos de 400 oficiais, que devem monitorar mais de 320 milhões de hectares (quase um terço do país), e com um orçamento anual, muitas vezes sujeito a cortes, de apenas 13 milhões de dólares.
Para compensar a escassez, o CONAP depende de organizações privadas sem fins lucrativos como a Fundaeco, que emprega seus próprios guarda-parques e equipe técnica, implementa programas de desenvolvimento e é muitas vezes a primeira a identificar atividades ilegais.
Mas ver é uma coisa, estar autorizado a agir é outra. Quando os guarda-parques que trabalham para o CONAP, Fundaeco, ou outras organizações parceiras encontram evidências criminais, eles não contam com a autoridade ou recursos para agir. Como Beltetón diz: “Você consegue imaginar um guarda-parque, que mal carrega um facão usado para limpar a mata, enfrentando um traficante armado com rifles Kalashnikov? Não, nossos guarda-parques não vão para as linhas de frente.”
Os guardas passam então as informações sobre as atividades criminais para a Diprona, a divisão ambiental da polícia nacional, a qual é responsável por conduzir operações policiais.
Os oficiais da Diprona podem ser acompanhados por especialistas técnicos do CONAP ou da organização parceira para identificar a madeira e entrevistar os guarda-parques que fizeram a denúncia inicial. Se a investigação os levar a um território particularmente perigoso, o exército guatemalteco pode oferecer uma proteção adicional.
Mas aDiprona também enfrenta uma escassez de recursos, com orçamento para apenas 600 policiais em todo o país. Devido ao tempo que pode levar para mobilizar uma equipe tão dispersa, o isolamento de muitas operações ilegais de extração e a necessidade de uma ordem judicial por parte dos oficiais antes de poderem pisar em propriedade privada, é possível que os criminosos e seu contrabando já estejam longe quando as ações policiais começarem.
O envolvimento de tantas entidades pode fazer parecer que a Guatemala esteja dedicada a solucionar o problema do jacarandá, mas na verdade, um sistema tão fragmentado deixa espaço para o não cumprimento de certas responsabilidades. “Há soluções, é claro, mas primeiro o governo deve estar disposto a realmente implementá-las”, diz Myrna Herrera, do Laboratório de Madeiras. A Guatemala pode ter o CONAP, o procurador público ambiental e a Diprona, ela adiciona, mas “para começar, eles precisam de leis claras e sólidas contra a extração e comércio ilegal de madeira”. Um exemplo desse tipo de lei? Determinar um diâmetro mínimo no qual o jacarandá pode ser cortado legalmente, um padrão que já existe para outras madeiras preciosas, como o mogno, diz Herrera.
Quando apreensões são feitas e há a coleta de evidências suficientes, os supostos crimes são investigados e tratados pela Divisão de Crimes Ambientais do Ministério Público. Os casos são normalmente julgados no Tribunal de Narcotráfico e Crimes Ambientais, mas outros tribunais especializados, incluindo aqueles dedicados ao crime organizado e corrupção, também tem sua função.

Redes criminosas

O que se sabe sobre as operações criminosas de jacarandá na Guatemala deve-se em grande parte aos esforços do gabinete de crimes ambientais da procuradora pública Aura López. Ela diz que eles identificaram quatro redes diferentes de tráfico de jacarandá, ou estruturas, como são chamadas por ela e seus colegas. “Não queríamos chamá-los de ‘grupos’ criminosos porque isso não reflete a realidade do nível de envolvimento dos oficiais do governo”, ela diz.
Essas redes criminosas são altamente sofisticadas e se assemelham às operações de tráfico de drogas. Como Palencia, da Fundaeco, observa: “A principal diferença entre o tráfico de drogas e o tráfico de árvores é que eles sempre podem produzir mais drogas”.
Após anos de investigações, quase todos os líderes e membros de uma das redes criminosas foram identificados e acusados, diz López. Apenas um único indivíduo continua foragido, que ela suspeita ter fugido do país. Ela diz que sua equipe está agora se aproximando de outra das quatro redes. Enquanto isso, 68 casos complementares, cada um envolvendo uma apreensão específica de jacarandá, permanecem sob investigação ou acusação.
O procurador Morales Gallen complementa que 50 indivíduos já foram julgados e que as ações contra cinco oficiais do governo, incluindo um fiscal alfandegário, um membro da força policial e um oficial sênior de segurança do CONAP, tiveram início em abril.
Mas mesmo com a melhoria da Divisão de Crimes Ambientais em sabotar os traficantes, os próprios criminosos também evoluíram. “Eles são muito mais cuidadosos com suas identidades” diz Morales Gallen. Eles “fazem tudo com nomes e informações falsas”, além de chips SIM pré-pagos.
A Lei para Áreas de Proteção da Guatemala estabelece a condenação obrigatória por crimes contra o patrimônio natural e cultural, muitas vezes usados para acusar madeireiros ilegais, e contra o tráfico de flora e fauna. As penas variam de cinco a dez anos de prisão, podendo ser reduzidas a multas que variam de 1,3 mil a 2,6 mil dólares. Os juízes possuem o arbítrio de ajustar as multas conforme as condições financeiras da parte culpada.
Essas multas não são “nada para aqueles que traficam” enfatiza Morales Gallen. Das 19 apreensões de jacarandá julgadas entre 2017 e 2018, mais da metade foi avaliada em mais de 50 mil dólares, e a maior em 125 mil dólares.
Os juízes também têm o poder discricionário de ordenar reparações conforme os danos ambientais, como a plantação de 500 árvores em área protegida, por exemplo, ou em um caso de dezembro de 2017, a doação de um ar-condicionado para o poder judiciário do escritório local do CONAP. Quando questionado sobre a sentença, o juiz explicou que “faz calor em Petén, e o CONAP precisa de um ar-condicionado. Como podem trabalhar sem ele?”
Poucos contrabandistas julgados são presos. Para os combatentes nas linhas de frente, essa impunidade aparente é frustrante. “É mais caro para nós participarmos das operações do que para eles [evitarem] a prisão”, diz Jorge Diaz, da filial de Izabal da Fundaeco.
Ao mesmo tempo, conservacionistas e autoridades compreendem as circunstâncias extremas que levam os aldeãos a roubarem o jacarandá das florestas. Como disse Oswaldo Calderon, diretor regional da Fundaeco: “As áreas de proteção nunca serão protegidas e sustentáveis enquanto as pessoas estiverem morrendo de fome dentro delas”.
Morales Gallen diz que as punições leves transmitem uma mensagem, que crimes como a extração ilegal de jacarandá são considerados inconsequentes. “Há uma falta de conscientização em relação aos crimes ambientais. A Guatemala é um país muito violento, com roubos, sequestros e homicídios, então os crimes ambientais não parecem muito importantes. Se tivermos um caso sobre sequestro e um caso ambiental, acredite em mim, eles darão prioridade ao sequestro”.
López diz que o objetivo não é ser brando com os crimes contra o jacarandá, mas coletar informações com os contrabandistas locais que possam levar as autoridades aos chefes do tráfico. Ela diz que quando os líderes dos grupos de tráfico são capturados, eles também são acusados de outros crimes, como falsificação de documentos, suborno de oficiais do governo e corrupção, que contam com penas mais severas, incluindo tempo de prisão.
O fato da Guatemala estar fazendo o possível para combater o tráfico de jacarandá é notável, diz Romain Taravella, especialista florestal da Environmental Investigation Agency. “Aplicar a lei no mundo do jacarandá é mais exceção do que regra” ele diz.
Enquanto a Guatemala luta internamente com a preservação do jacarandá, surge uma ameaça externa. Na reunião da CITES este mês em Genebra, os 183 signatários do tratado considerarão uma retificação que isentaria instrumentos musicais e suas partes componentes que contenham jacarandá, além de produtos finais de jacarandá que pesem menos de 500 gramas, das restrições comerciais.
A isenção aos instrumentos musicais foi resultado da pressão de empresas de instrumentos americanas e europeias, que argumentam que sofreram os “danos colaterais” das restrições à “indústria moveleira”, como disse a britânica Music Industries Association, mas a mudança poderia aumentar a demanda pela preciosa madeira. Espera-se que a emenda passe, e se passar, diz Beltetón, o fardo de garantir a origem sustentável do jacarandá cairá sobre os ombros dos fabricantes de instrumentos fora da Guatemala.
Enquanto isso, o roubo de jacarandá na Guatemala continuará até que leis nacionais mais robustas sejam aprovadas e sua execução e penas sejam intensificadas. Ou até acabarem as árvores.
Fonte: Eileen Guo National Geographic