terça-feira, 8 de outubro de 2019

Extinction Rebellion, o movimento que quer parar Londres em mega protesto ambiental e já está presente no Brasil.

No começo da manhã de uma terça-feira, pedestres caminham em uma rua movimentada no centro de Londres. De repente, em um movimento coordenado, parte deles se vira em direção a um grandioso e bonito edifício construído em 1906 e começa a vandalizá-lo. É a embaixada brasileira na capital britânica.

Jogam tinta vermelha em sua fachada e escrevem palavras de ordem como “Stop Ecocide” (pare o ecocídio) nas paredes. Dois sobem em cima de um toldo, enquanto outros três usam cola nas mãos para se grudar às janelas do prédio.
Todos eles, jovens e uma mulher idosa, fazem parte do Extinction Rebellion ou (XR na sigla adotada), movimento de ativismo ambiental que nasceu em outubro do ano passado no Reino Unido e que, agora ao completar um ano, quer parar Londres novamente. O grupo planeja ocupar três espaços notórios e movimentados no centro da capital britânica: a Trafalgar Square (na área onde fica a embaixada brasileira), a ponte Westminster e o The Mall, uma avenida importante que liga o Palácio de Buckingham à praça Trafalgar e por onde monarcas e chefes de Estado transitam em ceremonial quando visitam o Reino Unido.
“Extinction” significa extinção e, “rebellion”, rebelião. Membros do grupo, que se identificam como “rebels” (rebeldes) dizem querer promover uma rebelião contra a extinção das espécies, inclusive a humana, algo que, afirmam, vai acontecer se nada for feito agora por nossos representantes políticos para impedir a mudança climática.
No Brasil, já existe um grupo organizando uma versão brasileira do Extinction Rebellion, que será chamada de “Rebelião ou Extinção”. Nesta semana, também planejam ações, embora não tenham anunciado quais.
“É uma questão de sobrevivência, não ambientalismo. Ambientalismo sempre significa uma coisa: ou o ambiente é distante e pobre, e temos que ajudá-lo, ou é algo que temos que explorar para ficarmos mais ricos. A verdadeira questão que enfrentamos é: ou fazemos algo agora ou no futuro vamos passar fome”, diz em entrevista à BBC News Brasil um dos fundadores do Extintion Rebellion, o britânico Roger Hallam, antes de ser detido em Londres por ter protestado no aeroporto de Heathrow, em setembro, usando um drone para interromper voos. “É como se estivéssemos discutindo dentro de um barco que está navegando em direção a uma cachoeira e vai cair no abismo.”
Em seu discurso e ações, membros do movimento enfatizam mensagens que transmitem à população um sentimento de urgência. Estamos à beira de uma “catástrofe climática”, de uma “emergência”, do “colapso do mundo”, afirmam, e é preciso acordar dessa letargia. É um tom semelhante ao da adolescente ativista Greta Thunberg, da Suécia, que, num cruzamento de movimentos, já participou de protestos do Extinction Rebellion em Londres.
Para os rebeldes, a mídia, os governantes e grupos ambientalistas tradicionais como o Greenpeace não foram eficientes em transmitir o senso de urgência à população.
Agora, eles têm três demandas: 1) que o governo “conte a verdade à população declarando uma emergência climática e ecológica”; 2) que o governo “zere as emissões de gases de efeito estufa até 2025”; 3) que o governo “crie uma assembleia popular, formada por cidadãos comuns e escolhidos aleatoriamente, e siga suas decisões sobre o meio ambiente”.
Para convencer o governo a adotar essas reivindicações, os fundadores do grupo estudaram revoltas passadas para formular estratégias. Para eles, manifestações convencionais não funcionam —são contra passeatas, por exemplo.
Todas ações têm uma coisa em comum: usam técnicas de resistência não violenta. Ou seja, protestos que interrompam o funcionamento das coisas, às vezes desrespeitando a lei, mas de modo pacífico. São estratégias inspiradas em Mahatma Gandhi, que liderou o movimento bem-sucedido pela independência da Índia, e Martin Luther King, um dos líderes mais importantes na campanha pelos direitos civis aos negros nos Estados Unidos. “A participação em massa e a desobediência civil são os mecanismos mais efetivos para desafiar o projeto genocida das elites do mundo”, diz Hallam.
Os atos de agora em Londres são a terceira vez que fazem algo tão grande, embora tenham levado a cabo ao longo do ano ações menores como a da embaixada brasileira, que aconteceu em agosto, auge da crise da Amazônia do governo Jair Bolsonaro.
Em outubro do ano passado, quando surgiu, o grupo já havia interrompido o trânsito londrino com seus protestos. Cresceu muito em abril de 2019, quando seus participantes —de jovens a ativistas mais velhos— fizeram grandes protestos em Londres: durante 11 dias, grudaram seus corpos em trens, marcharam no aeroporto de Heathrow e bloquearam avenidas importantes, inclusive uma ponte inteira. Na ocasião, mais de mil ativistas foram detidos.
Parte importante do movimento no Reino Unido é ter pessoas que se identificam como “arrestables”, ou seja, que se dispõem a serem detidas (algo como “detíveis”) e terem sua ficha criminal manchada. Elas devem informar os organizadores de protestos para serem contabilizadas e destacadas para levar a cabo as ações não violentas que podem acabar em detenção e chamar atenção da imprensa.
Há grupos dentro do movimento de “apoio aos detidos”, pessoas que ajudam a divulgar financiamentos coletivos para pagar os custos do processo pós-detenção ou que simplesmente comparecem às audiências para dar apoio emocional. Mas nem tudo são flores. Ainda não há consenso sobre como as pessoas devem lidar com o processo depois da detenção: “Pagar um advogado?”, “Com que dinheiro?”, “Representar a si mesmo, sem advogado?”, “Dizer-se inocente ou culpado?” são algumas das questões levantadas nas reuniões do Extinction Rebellion.
A estratégia, é claro, incomoda. Segundo a polícia, os protestos em abril do ano passado custaram à corporação mais de £7,5 milhões (cerca de R$ 38 milhões). Para o Brasil, consertos no edifício da embaixada custaram cerca de £8 mil (R$ 40 mil), segundo o Itamaraty. Motoristas e pedestres tiveram sua rota interrompida (“vi uma senhora que tinha trabalhado o dia todo e ficou presa até uma da manhã em um ônibus na ponte”, afirmou à reportagem uma brasileira que não quis ser identificada) e, em Bristol, no oeste do Reino Unido, um filho não pode ir ao hospital se despedir do pai, que estava morrendo, por conta de um protesto que interrompia a rua.

Classe média branca

Além disso, o movimento é criticado por ser composto por membros majoritariamente brancos e de classe média. Nos protestos, a composição em grande parte branca é visível.
Além disso, “muitas das táticas que empregam não consideram as pessoas negras”, diz Leah Cowan, editora de política da revista britânica Gal-Dem, produzida por mulheres e pessoas não-binárias de cor. Ser detido é uma delas. “As pessoas que se dispõem a serem detidas não podem ser vistas como heroínas, e esse não pode ser o único caminho. Não é inclusivo, porque legitima o sistema sem reconhecer sua longa história de brutalidade policial e o encarceramento desproporcional de pessoas de cor”, afirma.
Um tuíte publicado pelo Extinction Rebellion em abril exemplifica a questão: “A maioria dos policiais são pessoas razoáveis. Alguns são idiotas, nada diferente do resto da sociedade. Esperamos que a polícia junte-se à rebelião”, publicaram. Mais tarde, o grupo se corrigiu: “Para deixar claro, a pessoa que postou esse tuíte estava falando de policiais individuais que estão conosco nas ruas. O Extinction Rebellion sabe que a polícia, como uma organização, é institucionalmente racista. São capazes de violência extrema e repressão”.
Questionado, Hallam disse à BBC News Brasil que “a maior parte dos movimentos são iniciados por pessoas da classe média, porque elas têm mais tempo e dinheiro”. “Mas agora é um movimento universal, porque todo mundo vai morrer”, defende. E emenda: “Na verdade, não importa que se é um movimento de classe média branca, o que importa para as pessoas pobres no mundo todo é que haja coisas sendo feitas e que isso vá salvar seus filhos. Precisamos é focar na metodologia para provocar mudanças estruturais nos países desenvolvidos, senão as pessoas nos países do sul vão passar fome”.
A estratégia a longo prazo, admite ele, é que a mobilização da classe média acabe levando a classe média baixa e os mais pobres e trabalhadores para a rua, criando um verdadeiro movimento de massa.
Em um segundo protesto numa tarde de sexta-feira em frente à embaixada brasileira em Londres, ainda por causa dos incêndios na Amazônia, a inglesa Sarah Tulej, que trabalha em uma ONG de desenvolvimento sustentável, opina que “é um luxo” poder ir protestar, “mas ainda assim é importante”. Ela diz que entrou para o Extinction Rebellion em abril, depois de sentir “eco-ansiedade” (ansiedade em relação às mudanças climáticas), ainda mais tendo um filho de dois anos. “Talvez tenha que ser a classe média branca que tenha que agir e se arriscar agora porque foi ela quem até agora se beneficiou do desenvolvimento que provocou a mudança climática”, reflete.
Para o bem ou para o mal, no Reino Unido o Extinction Rebellion é tema de rodas de conversa em pubs, e começa a se tornar conhecido numa Europa que votou mais para partidos ambientalistas nas eleições europeias deste ano e que tem em Greta já um símbolo mundial, uma de suas vozes mais ouvidas ou amplificadas.
No mundo da classe média de Londres, o Extinction Rebellion está em diversos locais como festivais de música e parques. O grupo participa com estandes para espalhar suas ideias e cativar novos membros. Em junho, teve uma coleção de ensaios lançada pela editora Penguin: This is Not a Drill: An Extinction Rebellion Handbook (isso não é uma simulação: manual do Extinction Rebellion, em tradução livre), com instruções sobre como fazer rebeliões.
E o Victoria & Albert, um dos mais prestigiosos museus de Londres, adquiriu para seu acervo objetos ligados ao grupo, como pôsteres, carimbos e bandeiras. Um dos destaques é o arquivo digital do “Símbolo de Extinção” — o logo simples e fácil do grupo, uma ampulheta dentro de uma circunferência (também lida como um X, de extinção), feito por um artista para representar “o tempo se esgotando” e já chamado pelo jornal The Guardian como “o símbolo da paz dessa geração”.

À beira de um precipício’

No fundo de uma sala com cerca de 20 jovens trabalhando em computadores — alguns estão descalços, uma mulher trabalha com seu bebê no colo —, Roger Hallam, um dos fundadores do Extinction Rebellion, faz uma reunião em sua mesa de trabalho.
Pôsteres do Extinction Rebellion adornam a parede, e no canto da sala há um “espaço regenerativo”, de descanso. O almoço, vegano, é compartilhado por todos. Hallam, de 53 anos, cabelos grisalhos presos em um rabo, recebeu a BBC News Brasil no escritório localizado em um edifício em Bethnal Green, na região leste de Londres, onde vivem parte dos hipsters da cidade.
“Estamos na beira de um precipício, quase pulando dele. E caminhamos em direção a esse precipício há 30 anos”, diz Hallam. E mais de uma vez, afirma: “Eu não estou dizendo a ninguém o que devem fazer. Só estou dizendo o que funciona”. Dez dias depois da entrevista, ele foi detido por protestar no aeroporto de Heathrow com um drone.

Brasil

Hallam foi um fazendeiro orgânico no País de Gales (“durante 20 anos, trabalhei 70 horas semanais ganhando 2 libras a hora” —cerca de R$ 10); mais tarde, em seu doutorado em King’s College, em Londres, estudou desobediência civil — exatamente o que ele emprega no Extinction Rebellion — e fez greve de fome exigindo que a universidade retirasse investimentos em combustíveis fósseis. Diz ter vivido na rua durante dois anos e, durante a entrevista, repete que não é um cidadão da classe média. Quando ele fala, é bem prático, enumerando fórmulas sobre como obter mudanças.
Um exemplo: ele logo dá razão ao presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, no conflito diplomático com Macron, o presidente francês. “É claro que a Amazônia pertence aos brasileiros, não há dúvidas disso. É completa hipocrisia que os líderes globais do norte digam aos brasileiros que não é isso. O Bolsonaro está certo: é bobagem colonial”, afirma.
Mas ele diz isso pensando mais no argumento para convencer os brasileiros a aderirem para seu lado. A maioria das pessoas, diz ele, se importa com suas famílias, seus empregos e o país. O nacionalismo existe e, com isso, podemos “usar a visão da direita para promover objetivos da esquerda”.
“O argumento para os brasileiros tem que ser: é claro que a Amazônia é sua, e se vocês acabarem com ela, seus filhos vão passar fome. É um argumento poderoso, porque assim trabalhamos com um sistema de valores. Entende o que eu quero dizer?”
A outra coisa que ele diz é que “as táticas e estrutura da resistência” teriam que ser diferentes no Brasil. “Não dá para querer ser preso.”
Então, uma forma, diz ele, é chegar até o ponto imediato antes da repressão e que ainda assim vá receber publicidade. São ações como uma que aconteceu no Egito, em 2011, ele lembra: para não quebrar as leis contra demonstrações públicas do país, ativistas se vestiram de preto e ficaram em pé, um ao lado do outro, na beira do Nilo. No Reino Unido, o Extinction Rebellion já fez protestos em que um grupo de pessoas deitava no chão de um museu, por exemplo. Mas Hallam também diz que mudanças só vêm quando as pessoas se arriscam. “É uma investigação empírica”, afirma, dizendo que testes precisarão ser feitos.
No Brasil, uma das coordenadoras do Extinction Rebellion, uma paulistana que prefere ser identificada como “Musa”, diz que as ações serão principalmente de performances, arte e palestras, sem violência. Ela participou de atos e treinamento no Reino Unido.
“As ações serão acompanhadas de bastante informação para as pessoas entenderem sobre o que é o protesto. A informação é nossa grande base”, afirma. “Existe também uma parte forte que é a depressão de quando a pessoa começa a se informar sobre a situação real do que estamos passando, então haverá acolhida. Mas o momento é agora, o mundo todo está acordando para uma realidade, de que a gente tem que trocar de sistema. É uma onda muito grande, planetária, de todas as pessoas. A gente quer que seja assim no Brasil também.”
Ela não diz quantos membros há no grupo brasileiro (no Facebook, uma comunidade conta com 1,9 mil participantes), mas afirma que há gente aderindo em São Paulo, Rio, Brasília e Belo Horizonte.
O grupo se diz apolítico, mas “a gente não tem controle sobre quem acha que o que está acontecendo com esse governo está errado”, afirma. “Contanto que seja de forma não violenta, as pessoas têm o direito de manifestar os seus pensamentos.”
No Brasil, o grupo escolheu outras demandas. São quatro: reconhecer terras de povos indígenas, ampliar a noção dos direitos da natureza (“o assassinato dos nossos ecossistemas deveria ser crime”, diz Musa), manter-se no Acordo de Paris e cumprir a meta de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025, e adotar técnicas de agricultura sustentável.

‘Não era meu plano original ser detido, mas não me arrependo’

No segundo protesto do Extinction Rebellion em frente à embaixada brasileira em Londres, no fim de agosto, James “Fox” permaneceu na área, mas longe da manifestação, sentado em um café a alguns metros do edifício. De boné e óculos escuros, o rapaz de 24 anos pediu sussurrando para a repórter atravessar a rua e encontrá-lo na beira de uma fonte na Trafalgar Square, em meio aos turistas.
Por ter sido um dos manifestantes detidos no primeiro protesto, havia uma ordem de restrição contra ele — e assim ele recorreu a estratégias de cinema para poder acompanhar o segundo protesto de longe e ser entrevistado. Prefere se identificar com esse sobrenome que não é o seu: “Fox” — raposa, em inglês.
“Sou um biólogo que passou os últimos sete anos estudando e pesquisando os efeitos da mudança climática em tartarugas”, conta, sentado sobre a borda da fonte. “Não era meu plano original ser detido. Não tenho orgulho disso, mas também não me arrependo.”
Dez dias antes, ele acordou cedo, se dirigiu à embaixada brasileira e, com outros manifestantes do Extinction Rebellion, vandalizou o prédio da instituição. Ele foi uma das pessoas que pintaram as paredes de vermelho. Explica que normalmente grupos de 8 a 12 pessoas do Extinction Rebellion agem juntas em ações mais arriscadas, que podem render detenções. “Nossa ação foi de nível tão extremo que foi impossível evitar a detenção.”
Ele conta ter vivido quatro meses no Brasil e ser particularmente ligado à causa da Amazônia e indígena. Estava revoltado, mas satisfeito por ter participado do protesto. “Nosso futuro está pegando fogo”, afirmou.
A poucos metros dali, no grupo aglomerado em frente à representação brasileira, a fonoaudióloga inglesa Miranda Mayston, de 34 anos, está chorando. Ela diz se sentir “muito triste com as mudanças climáticas e as consequências disso”. “Mas estou emocionada com a paixão e união de todo mundo. Eu não podia ficar sentada em um escritório. Estar aqui faz com que eu me sinta menos sozinha.”
Fonte: BBC

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