Metano, o gêmeo malvado do CO2.
Aquecimento global máximo de 2 ºC em relação à era pré-industrial, no melhor dos casos até mesmo 1,5 ºC: as metas do Acordo de Paris para o clima são ambiciosas, e, para que sejam cumpridas, é preciso os países reduzirem radicalmente suas emissões, num prazo relativamente breve.
No centro das atenções está sobretudo o dióxido de carbono (CO2). Mas agora uma surpresa desagradável faz cientistas de todo o mundo acionarem o alarme: têm aumentado as concentrações atmosféricas do outro importante gás do efeito estufa, o metano (CH4).
“Foi totalmente inesperado”, comenta Euen Nisbet, do departamento de geociência da Universidade de Londres. Em cooperação com colegas de diversas regiões, ele descobriu um forte incremento do metano nos últimos 12 anos. “O que pode ter acontecido?”
Embora o metano desempenhe um papel decisivo no dia a dia humano – o gás natural, utilizado na cozinha e calefação, por exemplo, compõe-se quase exclusivamente de CH4 –, sob condições naturais sua presença na atmosfera é mínima, muito inferior à do CO2. “A proporção é de cerca de dois milionésimos”, especifica Nisbet. Ou seja: em 1 milhão de litros de ar estão contidos dois litros do gás incolor e inodoro.
O metano é gerado naturalmente em pântanos e outras áreas alagadas, também vacas e outros ruminantes o emitem em grande quantidade. A natureza possui mecanismos próprios para decompô-lo, de forma que a concentração atmosférica não deveria aumentar de maneira tão súbita e forte como ocorre no momento.
“O ser humano está desmantelando a ordem natural”, diz o pesquisador Nisbet. Pois metano também é liberado na extração de carvão mineral ou no transporte de gás natural e, “quando um gasoduto vaza, ele solta principalmente metano”.
A última vez que a concentração atmosférica de CH4 aumentou de modo tão dramático foi nos anos 1980, e “na época a União Soviética ampliava sua produção de gás enormemente”, recorda Nisbet. Nas décadas de 1990 e 2000 a proporção se manteve quase constante, só voltando a crescer significativamente em 2007.
Portanto é decisiva a influência humana sobre a quantidade de metano que chega à atmosfera – cultivo de arroz e depósitos de lixo são também grandes responsáveis. E isso pode se tornar um problema, já que ele é “um forte gás-estufa, muito mais forte do que o CO2”, frisa Nisbet.
São precisos aproximadamente 12 anos até o metano se decompor naturalmente – bem menos do que o dióxido de carbono, que exige 120 anos. Por outro lado, os cientistas calculam que o CH4 absorva 25 vezes mais calor, e assim quantidades muito menores do que as de CO2 já causam forte efeito estufa.
Esse é aparentemente um problema que os negociadores do Acordo de Paris não consideraram. O histórico tratado parte do princípio que nos próximos 30 anos os níveis de metano cairiam, ou pelo menos não cresceriam. Assim, calculou-se que, com suficiente redução das emissões de CO2, seria possível alcançar a meta dos 2 ºC.
A suposição de que haveria progressos na produção de energia e no combate aos vazamentos de gasodutos era correta, confirma Nisbet: sobretudo o setor de energia russo melhorou muito nesse aspecto. No entanto o nível de metano na atmosfera continua crescendo desde 2015.
O cientista alemão Mojib Latif, do Geomar – Centro Helmholtz de Oceanografia, na cidade de Kiel, desaconselha o pânico: “Há muito mais CO2 no ar, portanto o efeito do CO2 continua sendo mais forte do que o do metano”, e é correto concentrar-se principalmente na redução do dióxido de carbono.
Ao mesmo tempo, admite, é preciso seguir observando o CH4: “Se esse incremento meteórico continuar assim, é claro que será preciso restringir o CO2 proporcionalmente.” Isso significa que talvez haja ainda menos tempo para mudar o curso da mudança climática global.
De vilão do clima a aliado na energia
Especialmente preocupante para os cientistas é não se saber exatamente de onde vem o metano adicional. “Isso mostra que ainda não compreendemos inteiramente o ciclo desse gás”, admite Latif. Também Nisbet só é capaz de fazer suposições, mas só há duas opções: ou em alguma parte do planeta está se produzindo mais CH4, ou o processo natural de decomposição na atmosfera está comprometido.
“Pessoalmente, creio que o metano aumentou devido ao maior número de vacas na agropecuária e às zonas alagadas mais quentes e mais úmidas”, supõe o geocientista da Universidade de Londres. O que não é uma boa notícia, pois indica que a mudança climática se retroalimenta: temperaturas mais altas, pântanos mais úmidos, mais metano, causando aumento de temperaturas, e assim por diante.
No entanto, embora seja um vilão do clima, o metano também representa um papel importante na demanda energética diária, como componente principal do gás natural e do biogás. E, através de métodos inovadores, pode até mesmo ajudar a movimentar veículos e sistemas de calefação sem impacto climático.
Graças a novas técnicas de propulsão, carros movidos a metano já circulam há algum tempo na Europa: atualmente são poucos, mas seu número poderá aumentar no futuro. Metano sintético é gerado através do processo “power to gas“, explica Christian Bach, do instituto suíço Empa, de pesquisas de materiais e tecnologia.
“Primeiro, realiza-se uma eletrólise, em que se produz hidrogênio puro”, utilizando o excedente de energia de fontes eólicas ou solares. Normalmente esse excedente se perde, se não há espaço para armazenamento ou se a rede elétrica não é ampla o suficiente. Em seguida o hidrogênio é combinado com CO2, resultando em metano, a ser utilizado em automóveis ou no aquecimento.
O dióxido de carbono necessário ao processo precisa ser primeiro captado nas fábricas ou extraído da atmosfera. Para esse assim chamado carbon engineering existem numerosas ideias e testes preliminares. Extrair diretamente o próprio metano do ar é quase impossível ou exige energia excessiva, devido à densidade muito baixa.
Na combustão, o metano se decompõe novamente em CO2 e hidrogênio. O processo é climaticamente neutro, pois no fim a quantidade de CO2 que sai pelo escapamento é, no máximo, a mesma que foi filtrada do ar. No momento ainda se desperdiça muita energia no processo, tornando pouco praticável seu emprego em grande escala. Entretanto esse tipo de ideia ajuda a reduzir tanto o CO2 quanto o metano, para que talvez ainda se alcancem as metas do Acordo de Paris.
Fonte: Deutsche Welle
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