Dados sísmicos demonstram que terremotos a mais de 965 quilômetros de distância podem ameaçar plataformas de petróleo e causar derramamentos.
Um erro humano causou alguns dos derramamentos de óleo mais infames da história dos Estados Unidos, como os da Exxon Valdez e Deepwater Horizon. Mas causas naturais também podem desencadear desastres épicos: um derramamento que jorra petróleo bruto há 16 anos começou quando uma plataforma de produção de petróleo na costa da Louisiana foi destruída por um deslizamento de terra subaquático.
Agora, evidências obtidas a partir de dados sísmicos sugerem que essas avalanches submarinas são mais comuns no Golfo do México do que anteriormente se acreditava, levantando preocupações sobre as quase duas mil plataformas de petróleo offshore da região, bem como dezenas de milhares de quilômetros de oleodutos e gasodutos que transportam combustíveis fósseis para a costa.
A análise, publicada na revista científica Geophysical Research Letters, mostra que, entre 2008 e 2015, ocorreram 85 deslizamentos anteriormente desconhecidos no fundo do mar no Golfo. Dez deles, segundo o estudo, ocorreram sem nenhum gatilho detectável. Para surpresa dos pesquisadores, os outros 75 parecem ter sido causados por terremotos distantes — principalmente tremores de pequeno a médio porte que ocorreram a centenas de quilômetros de distância ao longo da costa oeste da América do Norte.
“Eu não esperava que deslizamentos de terra fossem tão comuns no Golfo do México”, diz o principal autor do estudo, Wenyuan Fan, sismólogo da Universidade Estadual da Flórida. “E eu não sabia que deslizamentos de terra são tão suscetíveis ao desencadeamento dinâmico causado pela passagem de ondas sísmicas. Sempre tentei provar que eu estivesse errado.”
Um mistério sísmico no Golfo
Os cientistas sabem há muito tempo que o Golfo do México possui um histórico de deslizamentos de terra subaquáticos. O maior fenômeno subaquático desse tipo já documentado ao longo de qualquer costa dos Estados Unidos ocorreu próximo da costa do Texas. Sinais de outros grandes deslizamentos de terra são visíveis no fundo do mar, perto da foz do rio Mississippi.
Os pesquisadores também têm informações do motivo de esse terreno ser tão propenso ao colapso: todos os anos, os rios despejam grandes quantidades de sedimentos no Golfo, fazendo com que esse material solto se acumule rapidamente no leito do mar e crie uma topografia íngreme e instável.
Mas a maioria dos deslizamentos de terra no Golfo que os geólogos catalogaram por meio de levantamentos cartográficos do fundo do mar ocorreram há milhares de anos. Esses eventos não podem nos dizer muito sobre a frequência dos deslizamentos subaquáticos de hoje ou o que exatamente os desencadeia.
Fan e seus colegas começaram a obter algumas das informações ausentes utilizando dados do USArray, uma rede de 400 sismógrafos que migraram de oeste a leste na região continental dos Estados Unidos entre 2007 e 2013, coletando dados por vários anos em cada local. O projeto teve como objetivo “transformar a América em um laboratório natural” e ajudar os cientistas a entender como os terremotos funcionam, diz Fan.
Os dados sísmicos coletados pela rede não refletem apenas terremotos. Muitos outros eventos de movimentação da terra podem acionar um sismômetro, que capta ondas na superfície da Terra, bem como ondas P e S de movimento mais rápido, que viajam através de rochas sólidas mais profundas.
Logo depois que Fan começou a usar alguns dos dados da rede para estudar terremotos no noroeste do Pacífico no fim de 2017, ele começou a detectar sinais no Golfo do México, região onde o número de terremotos é bastante baixo. Depois de analisar as propriedades dessas ondas e projetar modelos para recriá-las, Fan e seus colegas ficaram convencidos de que estavam observando as pegadas sísmicas de deslizamentos de terra subaquáticos — diversos deles.
Em dados coletados continuamente entre 2008 e 2015, os pesquisadores identificaram ondas de superfície associadas a 85 deslizamentos subaquáticos diferentes no Golfo. E o fato mais surpreendente para a equipe foi que quase 90% deles ocorreram poucos minutos depois de um terremoto que ocorreu a mais de 965 quilômetros de distância.
A maioria desses terremotos ocorreu ao longo do limite das placas tectônicas do Pacífico e da América do Norte, entre o noroeste do Pacífico e o México. Muitos deles foram apenas de magnitude 5 — tão leves que, na Califórnia, “os repórteres nem sequer os noticiariam”, afirma Fan.
Essas observações, combinadas ao fato de que terremotos mais poderosos e distantes não produziram deslizamentos de terra detectáveis, sugerem a Fan que a força do terremoto pode não ser o principal fator que determina a ocorrência de um deslizamento de terra no Golfo. Fan enfatiza que são necessárias mais pesquisas para elucidar exatamente como terremotos distantes conseguem derrubar cumes no fundo do mar em uma bacia oceânica a centenas de quilômetros de distância.
“E isso exige um experimento offshore para descobrir todos os mecanismos físicos que podem causar deslizamentos de terra subaquáticos”, diz ele.
A sismóloga do Serviço Geológico dos Estados Unidos Joan Gomberg, que atuou como revisora independente do artigo publicado, diz que os geólogos costumam usar depósitos de sedimentos formados por deslizamentos de terra subaquáticos como evidência de terremotos passados.
“Mas para interpretar esses eventos, a premissa envolve um terremoto nas proximidades”, afirma ela. “O que o trabalho de [Fan] mostra é que o terremoto responsável pode estar bem distante. Então isso complica a forma como interpretamos esses registros.”
O pior derramamento que se poderia esperar
As descobertas de Fan têm implicações que vão além da reconstrução histórica do terremoto. Elas sugerem que as plataformas de petróleo e gás e os oleodutos espalhados pelo Golfo do México podem enfrentar uma ameaça geológica para a qual não estão preparados.
“Não é impossível que uma plataforma possa ser destruída por um deslizamento de terra. Isso já aconteceu”, diz Ian MacDonald, professor de oceanografia da Universidade Estadual da Flórida, que não participou do novo estudo. “Não é impossível que o evento cause um derramamento de óleo extremamente difícil de controlar. Isso já aconteceu.”
MacDonald está se referindo ao derramamento de óleo da Taylor Energy na costa de Louisiana, onde petróleo bruto jorra no oceano a uma taxa de cerca de cem barris por dia desde 2004. Apesar de não ser bem conhecido, esse derramamento é considerado um dos piores desastres petrolíferos da história dos Estados Unidos. A causa? Um deslizamento de terra subaquático desencadeado por ondas poderosas e tempestades provocadas pelo furacão Ivan.
Em 2019, MacDonald publicou um artigo no periódico The Conversation alertando sobre o potencial de outro desastre e considerando-o “a pior hipótese que se poderia esperar para uma catástrofe envolvendo derramamento de óleo”. Enquanto o derramamento de óleo da BP Deepwater Horizon foi causado por uma única falha no poço de perfuração, no caso do derramamento de óleo da Taylor Energy, uma plataforma inteira foi derrubada pela lama, destruindo diversos poços e deixando destroços repletos de petróleo enterrados sob uma espessa camada de sedimentos, onde os vazamentos são difíceis de acessar e conter.
Fan leu o artigo de MacDonald e entrou em contato com ele, iniciando um diálogo que levaria a “diversas conversas frutíferas”, conta MacDonald. Analisando os dados de Fan sobre recentes deslizamentos de terra no Golfo do México, MacDonald percebeu que o risco para a infraestrutura de combustíveis fósseis era potencialmente muito maior do que ele havia pensado.
“[Agora] conseguimos apontar para muitos desses eventos ocorridos ao longo dos últimos dez anos”, diz MacDonald. “O que significa, de uma maneira ou de outra, que estivemos nos esquivando de balas, mesmo sem saber que as balas haviam sido disparadas.”
Fan espera que sua pesquisa ajude as empresas de energia e as agências regulamentadoras a tomarem decisões mais esclarecidas sobre onde novas infraestruturas podem ser construídas com segurança. Ele observa que a maioria dos deslizamentos subaquáticos que sua equipe detectou ocorreu no oeste do Golfo, uma região não autorizada para exploração de petróleo e gás no governo Obama, mas que o presidente Trump começou a abrir para negócios em 2018.
O método de detecção sísmica desenvolvido por Fan também pode ser reformulado para criar um sistema de alerta capaz de proteger a infraestrutura existente. Se uma rede de sismógrafos fosse instalada no leito do mar no Golfo do México para detectar deslizamentos de terra, as empresas poderiam ser alertadas sempre que um sinal fosse registrado nos arredores de sua plataforma, dando-lhes minutos preciosos para implementar procedimentos de desativação de emergência.
Com esse sistema, é possível que um desastre petrolífero seja impedido antes mesmo de começar.
Fonte: National Geographic Brasil
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