segunda-feira, 30 de abril de 2018

Acúmulo de conchas em estuário recifense causa impacto ambiental.

ituada no encontro dos rios Beberibe, Tejipió e Jordão, no estuário recifense da Bacia do Pina, a comunidade ribeirinha Ilha de Deus, com mais de duas mil pessoas, sobrevive basicamente da pesca artesanal. É assim desde as primeiras décadas do século 20, quando o lugar começou a ser ocupado. Hoje cerca de 400 mulheres trabalham como marisqueiras, ocupando-se das coletas de sururu e marisco. Mas, com o passar dos anos, a atividade que garante a sobrevivência da comunidade pesqueira vem gerando um sério problema de impacto ambiental. O molusco é aproveitado, mas as conchas estão se acumulado sem controle na pequena ilha. Basta chegar ao local para se deparar com montanhas delas, depositadas nas margens dos manguezais, dificultando a dispersão de sementes do mangue e comprometendo o desenvolvimento do bioma. Entre outros problemas, os resíduos ainda reduzem o oxigênio da água e atraem animais transmissores de doenças, como ratos e baratas.
A empregada doméstica Lucicleide Maria da Silva, 38 anos, exerce a função de marisqueira há dez, como uma forma de complementar a renda. Ela entende que o problema não são as conchas em si, mas o excesso delas. “Mas se é o ganha pão da gente, fazer o quê? Não é que a gente queira acumular, mas vai jogar onde?”, questiona. “O acúmulo preocupa, porque daqui a pouco [as conchas] vão sair do mangue e entrar na ilha”, diz. Morador e pescador desde a infância, Wellington José Francisco, 39, compartilha da mesma justificativa. “Era para ter um lugar específico para descartar e a prefeitura recolher. Mas não é assim. Então, a gente vai acumulando no mangue. Está desse jeito porque não tem quem dê fim”, complementa.
A situação chegou a esse ponto por não existir uma destinação correta dos dejetos, confirma a professora de biologia da Universidade de Pernambuco (UPE) e doutora em ecologia e recursos naturais, Viviane de Melo. “Esse descarte inadequado é feito porque não há uma orientação para os pescadores e catadoras de sururu e marisco. Há também a dificuldade de se fazer a coleta pública do material por conta do difícil acesso à comunidade”, reconhece ela, que visitou a ilha recentemente.
Para chegar à Ilha de Deus, é preciso passar por uma estreita ponte, que permite a passagem de um carro por vez. Caminhão de lixo, por exemplo, não entra. A coleta dos resíduos sólidos é realizada manualmente pela gestão municipal. “Isso só contribui para que o acúmulo [de conchas] aumente na ilha cada vez mais”, observa ela, que, atualmente, coordena uma pesquisa de iniciação científica, a fim de buscar soluções para minimizar os impactos na Ilha de Deus. Entre as alternativas, estaria o uso das conchas na construção civil e como complementação de ração animal, a partir da extração do cálcio, mineral encontrado em abundância nas conchas.
Embora o material forme um “tapete” na lama do manguezal, não é só a vegetação que sofre. A coleta dos moluscos causa outras pertubações ambientais, como distúrbios das comunidades naturais de fitoplâncton e da qualidade da água. É que, mesmo estando acumuladas nas margens, quando a maré sobe, a água do rio leva toda a matéria orgânica decomposta presente nas conchas, levando a um processo chamado eutrofização. “É quando você coloca dentro do rio uma carga maior [de resíduo orgânico] do que ele suporta. A água precisa de oxigênio para depurar toda essa sobrecarga e o excesso compromete também a fauna aquática, que precisa desse oxigênio para sobreviver. Quanto maior a carga que o rio recebe, menos rico em biodiversidade ele é. Toda a cadeia é afetada”, explica a bióloga. A situação se torna ainda mais preocupante porque trechos de rio inseridos em zonas urbanas geralmente têm baixas cargas de oxigênio, devido à poluição.
Acúmulo afeta a saúde
Além do mau cheiro causado pela decomposição dos resíduos de molusco presentes nas conchas, os restos contribuem para atrair vetores de doenças, como ratos e insetos. “Se alguma criança ou qualquer outra pessoa andar por cima desses montes e as conchas estiverem com urina de rato, aumentam as chances dela contrair leptospirose”, alerta a bióloga Viviane de Melo. O problema tende a se agravar nos períodos chuvosos. “As conchas viradas para cima, juntas, tornam-se focos em potencial para o mosquito transmissor da dengue, zika e chikungunya, o Aedes aegypti“, avalia.
Uma forma de minimizar o problema dos acúmulos de conchas na ilha, sugere a especialista, seria equilibrar a extração e reposição de sururus e mariscos. “Vamos dizer que o pescador pega 10kg de sururu. Após a catação, o certo seria devolver as conchas desses 10kg pescados. Essa troca ajudaria no equilíbrio do ecossistema, uma vez que o rio iria depurar a mesma carga orgânica que foi extraída dele. Por isso, jogar o que já está acumulado hoje está longe do ideal”, afirma.
Essa extração exagerada sem a reposição, salienta, afeta também os próprios moluscos. Isso porque, ao diminuir a quantidade de cálcio da natureza (mineral que serve de matéria-prima para a produção da concha), reduz-se a população de moluscos, prejudicando a atividade pesqueira também. “É um ciclo. O molusco retira do ambiente o cálcio e o transforma em carbonato de cálcio, um material mais resistente para fazer a concha. Se a atividade pesqueira impactar ao ponto de empobrecer o volume de cálcio no ambiente aquático, não vai ter uma grande população de moluscos ali”, afirma.
Embora a Ilha de Deus esteja situada no centro do Parque dos Manguezais, unidade de conservação que dispõe de uma área equivalente a 320 campos de futebol, a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (SDSMA) afirma, em nota, que “o território da Ilha de Deus não integra a Unidade de Conservação da Natureza (UCN) Parque dos Manguezais”. Quanto ao acúmulo de conchas, a secretaria e a Autarquia de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) informaram que estão “atentas à questão e têm mantido diálogo com a comunidade pesqueira da área em busca de estabelecer uma solução que concilie o descarte sustentável desses resíduos e a atividade econômica tradicional daquela comunidade
Fonte: Priscilla Costa, da Folha de Pernambuco

domingo, 29 de abril de 2018

Como a agricultura lida com o mais perigoso fungo das bananas

Acesse o link e assista a reportagem na integra
Fonte: Deutsche Welle

sábado, 28 de abril de 2018

Instituto alerta sobre a salinização preocupante dos solos colombianos.



Na Colômbia, o Instituto investigada a degradação ambiental por áreas de salinização e aviso de certas áreas com níveis preocupantes, o que pode afetar a produção agrícola e o ecossistema local

Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (Ideam) informou que a Colômbia sofre de degradação do solo pela salinização e apresentado um mapa que indica as regiões afectadas.
Salinização é dada por razões naturais, tais como eventos ambientais como inundações e tempo seco, ou por atividades humanas como a agricultura, turismo, mineração e desmatamento.
De acordo com as informações do Ideam, atualmente há 14 milhões de hectares afetados. O total representa 12,3% da terra da Colômbia. La Guajira, Cesar, Magdalena, Atlántico e San Andrés são as regiões com os mais altos graus de salinização.
"Podemos ter um impacto na produção de pastagens e plantações e, com esse exercício, aumentar a vulnerabilidade na segurança alimentar nesses territórios", disse Omar Franco, diretor da Ideam.
A principal preocupação é a degradação dos solos na região de La Guajira. "Há uma porcentagem de degradação de 70% a 80% e estamos muito preocupados", ele respondeu.
Atividades Degradantes
A má gestão do turismo, o desmatamento, a mineração e algumas práticas agrícolas inadequadas foram as principais razões para essa degradação. Com solo pobre, a produção é reduzida, a acidez é alterada, causando problemas de água e afetando o ecossistema local. Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO ) observa que a salinização é a terceira principal causa de erosão do solo nas Américas, após a perda de matéria orgânica e erosão.
Profissionais interessados ​​em ampliar os estudos para o manejo sustentável da economia, com o objetivo de conservar o meio ambiente e os recursos naturais, podem optar por cursos patrocinados pela FUNIBER na área de Meio Ambiente .
Foto: Todos os direitos reservados.


sexta-feira, 27 de abril de 2018

Levantamento da ONU mostra que 40% da biodiversidade do planeta está em perigo.

No Dia da Terra, celebrado neste domingo, um alerta demonstra preocupação com o futuro: até 2050, o planeta pode perder 40% da biodiversidade. A constatação é destaque do Primeiro Diagnóstico sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, elaborado por uma plataforma das Organizações das Nações Unidas (ONU), que reúne pesquisadores de 129 países.
O relatório, que será fundamental para implementação de políticas nacionais, aponta que, cerca de 3,5 mil espécies, de um total de 14 mil, do ecossistema, estão classificadas como alto risco de extinção nas Américas, sendo quase um quarto na América do Sul. “A perda de populações ou espécies pode reduzir as contribuições importantes da natureza para a água, energia e segurança alimentar, meios de subsistência e economias”, destacou o estudo.
Segundo o biólogo Carlos Alfredo Joly, professor da Unicamp, membro da Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), que desenvolveu os relatórios, a perda da biodiversidade também significa redução de serviços ecossistêmicos, que afetam diretamente na qualidade de vida das pessoas.
“Precisamos reverter este quadro, não só com mudanças políticas, mas também com mudanças de comportamento. Sendo assim, torna-se cada vez mais importante celebrar o Dia da Terra”, disse Joly, que vai promover hoje, das 15h às 18h, a palestra ‘Extinções brasileiras: o que há de novo’, no Museu do Amanhã. As inscrições são gratuitas e devem ser feitas no site www.museudoamanha.org.br.
O levantamento detalha ainda as ameaças e reduções da biodiversidade nas Américas. De 2014 a 2015, aproximadamente 1,5 milhões de hectares das grandes planícies foram perdidos. A mudança climática induzida pelo homem, incluindo a produção e combustão de combustíveis fósseis, é destacada como um dos principais motivos de impacto negativo na natureza, como a degradação do habitat.
Mas há um fator, apontado no relatório, que traz um sopro de esperança: entre 1970 e 2010 houve um aumento de 17% nas ‘áreas-chaves para biodiversidade’, embora menos de 20% destas ainda estejam protegidas. Outro importante achado foi o reconhecimento das terras indígenas como um instrumento poderoso para proteger a natureza. De acordo com a pesquisa, os povos indígenas continuando criando uma diversidade de sistemas policultivos e agroflorestais, que possibilita o aumento da biodiversidade e o manejo das paisagens de forma sustentável.
Restauração é alternativa
Para conter o declínio da biodiversidade, projetos de restauração são opções de políticas públicas, de acordo com o Sumário para Tomadores de Decisão referente ao Diagnóstico Regional das Américas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, destacado pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.
Embora a restauração ecológica possa acelerar a recuperação do ecossistema, os custos iniciais podem ser significativos, a reversão completa da degradação é incerta e aspectos não-materiais (como culturais e espirituais) talvez nunca sejam restituídos para alguns povos, como aponta o relatório.
“Políticas são importantes, mas outros fatores têm que ser levado em consideração, principalmente a nossa mudança hábitos no consumo de alimentos, água, vestimentas, madeira e energia. Precisamos consumir de forma mais responsável e sustentável”, destacou Cristiana Seixas, uma das co-coordenadoras do diagnóstico das Américas.
Fonte: O Dia

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Estudo aponta alta contaminação de peixes por mercúrio em todas as bacias hidrográficas do AP.

Uma expedição iniciada em 2015e retomada em 2017,  por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Científicas do Amapá (Iepa) levantou informações alarmantes sobre a contaminação das principais bacias hidrográficas do estado, principalmente pela exploração garimpeira, muitas vezes ilegal. O estudo detectou em todos os rios espécies de peixes com teor de mercúrio muito acima da recomendada para consumo.
As taxas chegaram a 10, 20 vezes, a concentação do metal considerada normal pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de de 0,5 micrograma de mercúrio por grama de tecido muscular. Os rios mais afetados foram o Araguari, na área que fica dentro da Floresta Nacional do Amapá (Flona), além do Jari, Oiapoque, Amapá Grande e Cassiporé.
Espécies têm amostras coletadas para análise da presença do metal (Foto: Renata Ferreira/Iepé/Divulgação)
A pesquisa inicialmente atuou nas regiões próximas das áreas de garimpo e depois expandiu a coleta de amostras para outras áreas do estado. O alto teor de mercúrio nos peixes pode causar danos à saúde do ser humano que consumir essas espécies. Entre os principais problemas comuns estão mal estar e doenças gastrointestinais. Dependendo do teor pode causar até a morte.
“O mercúrio é um metal que existe na natureza e não sabemos qual é o nível natural de presença dele. Em cada ambiente ele vai acontecer numa determinada concentração e nesse estudo que nós fizemos eram em áreas que tinham atividade garimpeira”, explicou a doutora em zoologia do Iepa, Cecile Gama, uma das integrantes das expedições.
Estudo identificou maior presença de mercúrio em peixes carnívoros (Foto: Cecile Gama/Arquivo Pessoal)
A etapa concluída do estudo recolheu nas bacias principalmente peixes carnívoros, que naturalmente concentram no corpo a maior parte do mercúrio absorvido da água. Quatro espécies foram monitoradas de forma frequente pelo Iepa: piranha-preta, mandubé, pirapucu e trairão.

“Eles são muito encontrados e muito consumidos pelos ribeirinhos e vendidos em feiras. Temos grupos de risco, como crianças em formação, as mulheres grávidas ou que podem engravidar e gerar crianças com má formação e isso depende do nível de contaminação por mercúrio” completou Cecile, reforçando que atualmente as expedições também coletaram sedimentos para análise.
Pesquisadores atuaram nos principais rios do estado (Foto: Cecile Gama/Arquivo Pessoal)
Além do Iepa, atuam nas expedições membros da Organização Não-Governamental WWF Brasil, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé). Um dos objetivos do estudo é auxiliar na regularização dos garimpos existentes no Amapá e alertar para o alto uso do mercúrio.
“Todas as bacias hidrográficas apresentam peixes com alto nível, até preocupante, do metal. Estudamos as principais bacias e principalmente em áreas de conservação e isso torna mais preocupante ainda, porque esses peixes em áreas de conservação deveriam estar intactos ou não manipulados”, completou Cecile Gama.
As expedições já passaram pelo rio Cassiporé, na altura da comunidade Vila Velha, em Calçoene; rio Amapá Grande, em Amapá; região dos lagos, em Tartarugalzinho; rios Oiapoque e Uaçá, em Oiapoque; além do rio Araguari na área da Flona, nas cidades Pedra Branca e Serra do Navio.
Fonte: G1

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Prioridade para conservação com olho no passado.

Identificar locais prioritários para ações é um desafio importante em projetos de conservação de biodiversidade. Uma alternativa adotada por um grupo de pesquisadores é olhar para o passado, de modo a procurar entender quais foram as condições climáticas das regiões analisadas.
“As regiões que menos sofreram com mudanças climáticas nos últimos 21 mil anos são aquelas onde ocorreram menos extinções locais. Assim, essas regiões possuem maior riqueza de espécies e, consequentemente, maior diversidade genética entre as espécies, ou seja, maior variabilidade dos genes dentro de uma mesma população”, disse o biólogo Thadeu Sobral-Souza, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Claro.
Quanto maior a diversidade genética de uma população, maiores são as chances de sobrevivência às mudanças ambientais. Sobral-Souza é um dos autores de um trabalho que busca criar metodologia para identificar, na Amazônia e na Mata Atlântica, regiões climaticamente estáveis e alvos prioritários de estratégias de conservação. A pesquisa também busca verificar quais unidades de conservação se encontram dentro de áreas climaticamente estáveis.
Resultados do trabalho foram publicados na revista Acta Oecologica. A pesquisa tem apoio da FAPESP em projeto coordenado pelo professor Milton Cezar Ribeiro, do Departamento de Ecologia da Unesp.
De modo a estabelecer quais são as áreas climaticamente mais estáveis foi preciso estimar como era a distribuição de ambas as florestas no passado, particularmente antes da destruição da maior parte da Mata Atlântica. Para tanto, os pesquisadores usaram a técnica de modelagem de nicho ecológico como meio de inferir a distribuição presente e a distribuição no passado na Amazônia e na Mata Atlântica.
Novas tecnologias têm favorecido o desenvolvimento de enfoques metodológicos que permitem gerar informação útil a partir de dados incompletos. É o caso da modelagem dos nichos ecológicos das espécies. Sejam animais ou plantas, as espécies obedecem a regras ecológicas que determinam sua distribuição geográfica.
Uma vez que se conhece a distribuição geográfica atual – ainda que parcialmente – de uma determinada espécie, assim como os níveis de variação ambiental (temperaturas máxima e mínima, variações pluviométricas e outros dados) que são tolerados pelos indivíduos, faz-se uso de algoritmos computacionais e de ferramentas de geoprocessamento para se obter uma representação quantitativa da distribuição ecológica daquela espécie.
A partir de dados incompletos de localização geográfica de uma espécie, consegue-se descobrir qual é a sua distribuição atual (ou potencial) no meio ambiente. Da mesma forma, ao se empregar estimativas climáticas do passado, consegue-se simular qual teria sido a distribuição espacial das espécies em épocas pretéritas.
“Muito embora a modelagem de nicho ecológico seja normalmente usada para inferir a distribuição de espécies, a técnica também é empregada para predizer a delimitação de um bioma, a partir da modelagem do bioma”, disse Sobral-Souza.
Para prever a distribuição de um bioma ao longo do tempo, os autores selecionaram pontos de ocorrência usando um filtro geográfico baseado na delimitação atual do bioma amazônico e na extensão da Mata Atlântica. Existem diversos modelos de circulação global atmosférico-oceânica que fazem inferências sobre climas globais passados. “Cinco desses modelos serviram como fonte de dados para as simulações climáticas da Amazônia e da Mata Atlântica no passado”, disse Sobral-Souza.
A partir de dados como temperatura média anual e índices anuais de precipitação, os pesquisadores estimaram a distribuição presente do bioma amazônico e da Mata Atlântica. Os modelos foram construídos com base no cenário climático atual e então projetados para as condições climáticas reinantes no passado, no auge da última idade do gelo há 21 mil anos no final do Pleistoceno e também há 6 mil anos, no meio do Holoceno.
De acordo com o estudo, a área potencial da floresta amazônica há 21 mil anos era de 4,46 milhões km², e hoje é de 3,28 milhões km². Já a Mata Atlântica cobria 3,85 milhões km², área reduzida hoje em 80%, para menos de 770 mil km².
Para calcular as áreas climaticamente estáveis dos biomas analisados, os dois paleomapas – com as distribuições dos biomas há 21 mil e há 6 mil anos – foram sobrepostos ao mapa com a distribuição atual dos biomas. Desse modo, foram selecionadas nos mapas as áreas previstas como adequadas para a ocorrência do bioma em todos os cenários climático-temporais estudados.
“Uma vez identificados os pontos sobrepostos que são climaticamente estáveis nos três cenários, foi a vez de analisar a eficiência das áreas atualmente protegidas”, disse Ribeiro.
Um novo mapa com as unidades de proteção da América do Sul foi sobreposto aos mapas anteriores, de modo a visualizar quais áreas protegidas se encontram dentro ou fora das áreas climaticamente estáveis.
Para propor áreas de conservação prioritárias foram mapeadas as áreas climaticamente estáveis desprotegidas. Foi então usada a base de dados Intact Forest Landscapes, de modo a inferir quais áreas climaticamente estáveis e desprotegidas têm remanescentes intactos de floresta primária livre de modificações antropogênicas. Foram considerados apenas trechos grandes e conectados, excluindo-se os remanescentes pequenos ou desconectados.
Estabilidade climática
A seguir, os pesquisadores classificaram cada um desses trechos de floresta em uma de três categorias prioritárias de conservação. As áreas com a prioridade muito alta de conservação são as climaticamente estáveis, não protegidas e onde há grandes trechos de floresta intacta.
A segunda categoria é a das áreas com alta prioridade de conservação: climaticamente estáveis, não protegidas e com fragmentos e remanescentes florestais. Já a terceira categoria, de prioridade média de conservação, são as áreas climaticamente estáveis mais recentes, nos últimos 6 mil anos, com remanescentes desprotegidos de floresta intacta.
“Os resultados revelaram três blocos desconexos de áreas climaticamente estáveis na Mata Atlântica, todos próximos ao litoral”, disse Ribeiro. O bloco mais ao norte fica nas Zonas da Mata da Paraíba e de Pernambuco. O segundo coincide com o desenho da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira no oeste de São Paulo e da Serra do Órgãos no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, terminando na Zona da Mata do noroeste de Minas Gerais.
“No caso da Amazônia, as áreas climaticamente estáveis são amplas, contínuas, e cobrem a maior parte do bioma atual. A maioria das áreas climaticamente estáveis ocorre na região leste da Amazônia, enquanto que remanescentes menores são encontrados ao longo dos limites ocidental e meridional da floresta”, disse Ribeiro.
Com relação ao índice de eficiência das áreas protegidas existentes, inferiu-se uma eficiência maior das áreas protegidas amazônicas, em comparação com aquelas da Mata Atlântica. A constatação foi que 40,1% das áreas climaticamente estáveis da Amazônia encontram-se protegidas, percentual que cai para somente 7,1% das áreas climaticamente estáveis da Mata Atlântica.
“A Amazônia é mais estável climaticamente do que a Mata Atlântica e as áreas protegidas da Mata Atlântica são menos eficientes do que as que ficam na Amazônia”, disse Ribeiro.
Na Amazônia, o estudo identificou áreas climaticamente estáveis nas três categorias de análise, aquelas com muito alta prioridade de conservação, alta prioridade de conservação e prioridade de conservação média. As áreas amazônicas com prioridade muito alta de conservação são regiões de floresta primária no oeste do estado do Amazonas, na região de fronteira com Peru, Colômbia e Venezuela.
“Sua proximidade geográfica com áreas protegidas sugere que a criação de novas áreas protegidas, ou então o aumento nas áreas existentes que incorpore essas áreas de alta prioridade, pode ser uma estratégia de conservação eficaz”, disse Sobral-Souza.
As áreas amazônicas de alta prioridade de conservação são florestas fragmentadas em áreas climaticamente estáveis que, portanto, necessitam de restauração. As áreas de alta prioridade de conservação na Amazônia Ocidental ficam próximas a áreas protegidas ou a fragmentos intactos existentes. Já no leste da Amazônia, as áreas de alta prioridade de conservação são porções de floresta cercadas pela agricultura e pecuária, distantes das regiões de floresta intacta.
“Nesses casos, ações de reflorestamento são necessárias para aumentar a eficiência das áreas protegidas da região. A Amazônia ainda tem uma grande oportunidade para ampliar as áreas de conservação”, disse Ribeiro.
Sobral-Souza destaca que, quanto à Mata Atlântica, o cenário é catastrófico. “Não foram identificadas áreas com muita alta prioridade de conservação, porque nestas áreas não existe mais floresta. Não tem mata intacta, não tem fragmento florestal, não tem nada. Foi tudo cortado nos últimos 500 anos”, disse.
As principais áreas climaticamente estáveis da Mata Atlântica são pequenas. São fragmentos florestais classificados como áreas de alta prioridade de conservação. Apenas alguns poucos remanescentes têm mais de 10 mil hectares, e muitos ocorrem em áreas com baixa estabilidade climática. As áreas climaticamente estáveis da Mata Atlântica ficam na Zona da Mata de Pernambuco ou no Parque Estadual da Serra do Mar, “o maior remanescente de toda a Mata Atlântica brasileira”, disse Sobral-Souza.
O artigo Efficiency of protected areas in Amazon and Atlantic Forest conservation: A spatio-temporal view (doi: https://doi.org/10.1016/j.actao.2018.01.001), de Thadeu Sobral-Souza, Maurício HumbertoVancine, Milton Cezar Ribeiro e Matheus S.Lima-Ribeiro, está publicado em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1146609X17302758?via%3Dihub.
Fonte: Agência FAPESP

terça-feira, 24 de abril de 2018

Recém-inaugurado, Parque Ekôa aproxima homem da natureza no Paraná

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Conservar a natureza, tirar partido dos recursos

Reserva natural, classificada desde 2003, formada, além da ilha principal, pelos ilhéus Branco e Raso, Santa Luzia tem potencial turístico por explorar. Pelo menos, é essa a convicção de quem conhece de perto cada recanto de um verdadeiro paraíso na terra.
Poucos saberão tão bem do que falam como Tommy Melo, presidente da Biosfera I, organização não-governamental ligada à protecção ambiental, com sede em São Vicente, e que desde 2006 desenvolve actividades de conservação do ecossistema de Santa Luzia e seus ilhéus.
“Se um dia ganhasse, pelo menos, uns três Euromilhões pediria para comprar a reserva, fechava aquilo e deixava que ficasse um paraíso edílico para sempre. É isso que os conservacionistas sempre querem. Só que isso não é possível de acontecer e nem é desejável, do ponto de vista social. As pessoas precisam de conhecer aquilo que querem proteger. Portanto, acho que sim. É preciso e deixará falta, sim, implementar actividades turísticas, não só para os cabo-verdianos, como para estrangeiros que queiram conhecer a riqueza daquilo que é a maior reserva natural do país”, comenta.
Para que se passe da teoria à prática, é necessário que tudo esteja enquadrado, planeado, previsto. A reserva apresenta um ecossistema frágil, com espécies endémicas e outras de alto valor ecológico, sujeitas a múltiplas ameaças.
O plano de gestão da reserva de Santa Luzia, elaborado há alguns anos sujeito a alterações ao longo do tempo – e à espera de aprovação, para ganhar força legal, torna-se um documento central. Sem ele, não só os esforços de conservação da biodiversidade ficam condicionados, como o aproveitamento económico do destino, pela via do turismo, e actividades indirectas por ele geradas, torna-se praticamente impossível.
“Muitas das actividades que estão contempladas neste plano de gestão já vêm sendo implementadas pela Biosfera, juntamente com os seus parceiros nacionais e internacionais. Por exemplo, toda a conservação de aves marinhas, das tartarugas, os vários estudos científicos que são feitos em parceria com universidades estrangeiras e nacionais, tudo isso de forma a tentar antecipar um bocadinho a aprovação do plano de gestão, refere Tommy Melo.
“Obviamente, o plano de gestão é uma ferramenta muito importante, porque irá guiar partes muito importantes da conservação da reserva, nomeadamente, a fiscalização e implementação de actividades de turismo”, acrescenta.
Zoneamento
A exploração turística de zonas classificadas como reservas naturais não é uma novidade, sequer é algo raro. Pelo contrário, tem sido uma opção assumida internacionalmente por quem gere estas áreas, com diferentes objectivos.
Desde logo, permite envolver as comunidades locais na vida da própria reserva, centrando a atenção na preservação. Por outro lado, garante a criação de riqueza que, além de agradar ao Estado (que não rejeita uma fonte de rendimento), ajuda a financiar os próprios esforços de conservação e a dinamizar a economia.
No plano de gestão de Santa Luzia avançou-se para uma solução de zoneamento, ou seja, para a definição de áreas com diferentes tipos de classificações, a que correspondem diferentes tipos de actividades permitidas. Ou seja, não se proíbe a pesca tradicional, não se proíbem os desportos náuticos, não se proíbem outros tipos de actividades turísticas. Apenas se estabelecem zonas próprias para o efeito, para que Natureza, comunidades, economia e Estado saiam todos a ganhar.
“Neste momento, 90% ou mais dos pescadores que utilizam a reserva para pescar, utilizam-na com o seu saber e utilizam artes de pescas tradicionais e essas comunidades estão muitíssimo chateadas com aqueles outros 10% que cometem infracções, que utilizam artes de pesca que servem pura e simplesmente para degradar”, exemplifica o presidente da Biosfera.
Professor da Universidade de Cabo Verde, o biólogo marinho Rui Freitas subscreve a ideia de uma reserva também virada para o turismo. O investigador fala-nos da possibilidade de se trabalhar economicamente a área protegida, sem que com isso se comprometa o equilíbrio ambiental.
“Os turistas que visitam estes sítios de forma organizada já estão informados dos procedimentos, por exemplo, por onde andar. Obviamente, terão sempre um guia treinado e não se pode fugir a uma série de regras. No caso de Santa Luzia, penso que terão que desenvolver trilhos próprios para a movimentação humana”, explica.
“A Madeira é extraordinária nesse sentido. Com o ganho que tiveram com o turismo nas áreas protegidas, conseguem provar que se ganha mais, do ponto de vista de rendimento, tendo uma área protegida, do que não tendo essa classificação”, ilustra.
Nem de propósito, Paulo Oliveira, vice-presidente do Instituto de Conservação da Natureza da Madeira (ICNM) tem trabalhado nas chamadas desertas, um conjunto de ilhas não habitadas, pertencentes ao arquipélago da Madeira, e que têm também, à semelhança de Santa Luzia, uma riqueza natural significativa. São precisos cuidados, sim, mas é possível conciliar interesses.
“Durante muito tempo era um tema tabu. Era quase como se fossem coisas inconciliáveis. Ou a área protegida existia ou existia o turismo. Hoje em dia, temos uma maneira de ver completamente diferente. Acho que há aqui um processo demorado de consolidação das áreas protegidas. Quando uma área protegida é criada e começa-se o seu processo de implementação e a sua gestão, não podemos logo pensar em ter ali um turismo consolidado. Há que, primeiro, consolidar aquilo que é a gestão e consolidação da área protegida e, aos poucos, de acordo com a resposta do público, dos stakeholders, ir criando esse segmento, como um dos factores importantes a desenvolver”, defende.
As Ilhas Desertas estão classificadas como Zona Especial de Conservação e Zona de Protecção Especial. Em 2016, dados do ICNM, cerca de 5.000 pessoas visitaram as Desertas, distribuídas pelas seis empresas que organizam as viagens àquela reserva natural.
Da sua experiência no terreno, Paulo Oliveira considera que, de uma maneira geral, o comportamento do turista está adequado à singularidade da experiência que lhe é oferecida. Em caso de incumprimento, há responsabilização, não só de quem prevarica, como da própria agência que ofereceu o serviço.
“Todas as embarcações que levam pessoas às Desertas têm a bordo um skipper ou uma segunda pessoa que tiveram formação dada por nós, que durante a viagem explicam o que é que as pessoas vão encontrar, o que podem e não podem fazer. Se o turista se porta mal, não é o turista que é penalizado, é a empresa e o skipper”, nota.
Possibilidades
O perfil do turista de natureza é habitualmente distinto daquele que procura o all inclusive. A literatura científica identifica o público-alvo como alguém que, vivendo durante o ano em zonas urbanas, ocupa o tempo livre com actividades no exterior. Nalguns casos, este tipo de turista está mesmo disponível para viajar longas distâncias ao encontro de algo muito específico como uma ave, um peixe, uma planta. Espera uma experiência cultural forte, de interacção com a comunidade local, sem deixar de ser exigente com a qualidade do destino e dos serviços prestados.
O biólogo Pedro Geraldes, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), exemplifica.
“No caso concreto das aves, Santa Luzia tem a Cagarra de Cabo Verde – o Raso e o Branco têm das maiores colónias que existem em todo o arquipélago. A Calhandra do Raso, no mundo inteiro, só existe no Raso e é uma das espécies mais raras do mundo. Há pessoas que gastam milhares de euros só para irem ver esta espécie e acrescentá-la à sua lista. Não temos ideia, mas há pessoas de países como Inglaterra, Suécia, EUA que viajam o mundo inteiro para fazer uma colecção de uma espécie nova. Gastam muito dinheiro para ver essas espécies, porque atribuem-lhes mais valor do que nós mesmos, que as vemos todos os dias”.
Além da observação de pássaros, as possibilidades são várias. Sem esforço, Tommy Melo identifica actividades que poderão vir a ser desenvolvidas.
“Do que eu conheço e já conheci de outras partes do mundo, com algum tipo de exploração a esse nível, imagino [em Santa Luzia] o turismo vocacionado para actividades marinhas, como mergulho recreativo bem regulamentado, observação de tartarugas, observação de cetáceos. Em certas épocas do ano, o turismo de estrelas, o campismo selvagem, em que o turista poderá comprar o peixe directamente dos pescadores artesanais, bem como o trekking, já praticado noutras ilhas”, lista o presidente da Biosfera I.
Qualificar Santa Luzia enquanto destino turístico, sem colocar em causa o frágil ecossistema, com todas as suas especificidades, obrigará a um trabalho conjunto de diferentes actores, cujo balizamento e linhas orientadoras dependem do Estado e das autoridades ligadas ao ambiente. Mais uma vez, a implementação de um plano de gestão é fundamental, para que se avance em qualquer uma das direcções possíveis.
Para esta reportagem, realizada em conjunto com a Rádio Morabeza, tentámos chegar à fala com a Direcção Nacional do Ambiente (DNA) e com a directora da Reserva de Santa Luzia. Na DNA foi-nos pedido que enviássemos um email, o que fizemos, e ao qual não obtivemos resposta. A directora da reserva escusou-se a dar entrevista, por não estar autorizada a falar.
Fonte: Expresso das Ilhas

domingo, 22 de abril de 2018

Lagoa Da Tijuca – O Reflexo De Uma Cultura De Exploração De Uma Sociedade Suicida.

A lagoa da Tijuca em 1936 era o que poderíamos denominar, o paraíso sobre a Terra. Um lugar de águas salobras, translúcidas de fundo arenoso, rica em peixes e crustáceos com seus límpidos rios, onde na década de quarenta até Walt Disney e sua equipe vieram se inspirar nos papagaios locais visando criar o famoso Zé Carioca.
Isso é passado, um passado inacreditável quando comparado com o estado terminal no qual se encontra esse mesmo conjunto de ecossistemas em pleno século XXI.
Repetindo o mesmo filmeco trash de última categoria que vitimou o ambiente do resto da cidade, mais uma vez na história do Rio de Janeiro, o patrimônio ambiental da baixada de Jacarepaguá, representando por suas lagoas, manguezais, brejos, praias e restingas simplesmente vem sendo devastado criminosamente pela omissão do poder público como pela resiliência patológica de nossa sociedade acostumada à aceitar o inaceitável.
Teoricamente tem lei ambiental para tudo. Teoricamente tem órgão de fiscalização para tudo. Contudo na prática as duas heranças malditas, frutos podres das típicas culturas, oriundas de colônias de exploração, tem se fortificado e multiplicado por toda a região.
Lagoa Da Tijuca | Foto: Mario Moscatelli – biólogo
A primeira, a falta de ordenação do uso do solo associada com a falta de políticas de habitação permanentes para as classes menos privilegiadas economicamente criaram um monstro sócio-ambiental que por sua vez metamorfoseou-se ultimamente numa máquina de fazer votos para a classe política com os mais assombrosos acertos. O que é direito de todo cidadão, nas mãos dos administradores públicos, torna-se favor e moeda de troca na manutenção dos mesmos no poder. Neste contexto do primeiro círculo vicioso degradador, há uma retroalimentação permanente entre as necessidades e os favores, onde quem paga a conta é o ambiente com o crescimento desordenado da malha urbana.
A segunda, a falta de universalização do saneamento básico, é uma máquina de fazer dinheiro fácil para os que monopolizam serviços estratégicos de fornecimento de água e coleta/tratamento de esgoto. Como geralmente a venda desses dois produtos é casada, isto é, se não pagar o hipotético tratamento do esgoto não recebe a água, e sem água não se vive, mas sem esgoto se sobrevive, o que vemos acontecer é a transformação de todas as bacias hidrográficas da região metropolitana  em  imensos valões de esgoto e lixo em detrimento dos valores astronômicos obtidos com esses serviços que eu considero o maior estelionato institucionalizado em nosso país ou colônia como preferirem.
Em resumo, em detrimento de votos, muitos votos e de fazer dinheiro fácil, o patrimônio ambiental de nossa cidade e em especial do sistema lagunar de Jacarepaguá vem sendo vilipendiado historicamente por um lado, por um poder público mais interessado na sustentação das caras necessidades, mordomias e demais facilidades de suas castas, o que custa bem caro para a sociedade.  Por outro lado, a tal sociedade que banca com impostos toda essa festa no andar de cima, parece anestesiada, apresentando uma capacidade única de aceitar o inaceitável sem dar um pio, pagando cada vez mais por serviços cada vez piores, isso quando existem.
Nessa equação ambientalmente e socialmente suicida, depois de torrar 40 bilhões de reais nos jogos Olímpicos e apenas no Maracanã, 1 bilhão e seiscentos milhões de reais para a fatídica Copa do Mundo, simplesmente de todas as promessas ambientais, praticamente nada saiu do papel, apesar de todo meu particular empenho em denunciar na mídia nacional e internacional a criminosa gestão dos recursos naturais em nossa cidade e em especial no sistema lagunar de Jacarepaguá.
Além de manifestações públicas, mutirões de limpeza e de dezenas de matérias na imprensa, várias representações via OAB-Barra, foram encaminhadas ao MP estadual e federal, sem que até o momento nenhum dos dois tivesse dado qualquer resposta à degradação gritante que deixou de ser um problema eminentemente ambiental mas invadiu a agenda da saúde pública e econômica de toda a região.
De maneira incompreensível, todo o “empenho fiscalizatório espartano” apresentado pelo MP estadual e federal antes das olimpíadas, período no qual haviam recursos e vontade de fazer algo pelo sistema lagunar, simplesmente desapareceu após o evento, apesar das representações encaminhadas.
Dentro deste contexto onde de fato, as leis ambientais não servem para coisa alguma no atacado e funcionando especificamente no varejo, mais uma vez, na vida da nossa cidade temos ambiente e potencial econômico transformado em latrina e lata de lixo.
Esse é o cenário em especial da lagoa da Tijuca em pleno século XXI. Lagoa que tem em seu interior depositados 6.5 milhões de metros cúbicos de lama e lixo, além do esgoto, que não param de ser extravazados diariamente pela bacia hidrográfica local morta, transformada em parte do hipotético sistema de coleta de esgoto. Uma lagoa transformada num canal raso, fétido, pútrido, cercado por ilhas de lama e lixo e que emana metano e gás sulfídrico, altamente tóxico, 24 horas por dia, 365 dias por ano.
Reitero que todo esse cenário de horror ambiental não é gratuito. Muito pelo contrário, é intencional e tem como base a ação criminosa das autoridades públicas que historicamente não cumprem com suas obrigações estabelecidas em mais leis que na prática não servem para nada e da posição omissa, complacente da sociedade, também protagonista nesse suicídio ambiental, social e econômico no qual nos encontramos bem nesse instante.
Tem como mudar? Claro que sim!
Tecnicamente e economicamente as oportunidades estão à nossa espera. O que falta é uma mudança cultural e consequentemente uma mudança em nossas prioridades, sempre embasadas em bilhões de reais favorecendo sempre os mesmos pequenos grupos em detrimento de toda a sociedade e do ambiente do qual dependemos.
Enquanto não tomarmos vergonha na cara, as lagoas da baixada de Jacarepaguá, agonizam e nós junto delas.
Mario Moscatelli – biólogo – mestre em ecologia-especialista em gestão e recuperação de ecossistemas costeiros.
Fonte: Meio Ambiente Rio