segunda-feira, 9 de abril de 2018

Como a Cidade do Cabo está se adaptando para um futuro de água escassa

A crise da água é evidente antes mesmo de se sair do Aeroporto Internacional da Cidade do Cabo: as torneiras do banheiro estão secas, com o sabão substituído por desinfetante para as mãos.

Depois de uma seca histórica de três anos, a Cidade do Cabo enfrentou a iminência do Dia Zero, momento em que o abastecimento é insuficiente para abastecer as casas, e todas as torneiras da cidade seguem o mesmo caminho das do aeroporto.
Para evitar o colapso do encanamento municipal, a cidade impôs um limite de 50 litros diários de água por pessoa, com severas penalidades financeiras em caso de uso excessivo.
O Dia Zero estava inicialmente programado para abril, mas acabou sendo adiado para junho, julho e agora agosto.
No início de março, a cidade anunciou que o sistema de racionamento havia funcionado: “Contanto que continuemos os nossos esforços atuais de economia de água, o Dia Zero pode ser totalmente evitado este ano”, declarou em comunicado o vice-prefeito, Ian Neilson.
Como abastecer uma cidade
Contudo, isso não significa que a crise passou. Na verdade, essa pode ser apenas a nova normalidade. De desinfetante para as mãos no lugar de sabão a banhos de dois minutos, as milhares de medidas, grandes e pequenas, públicas e privadas, para reduzir o consumo de água na Cidade do Cabo ainda serão necessárias por algum tempo.
No fim de março o consumo hídrico diário de água na Cidade do Cabo foi, em média, de 565 milhões de litros – cerca de metade do registrado há três anos. O objetivo é reduzir o uso diário para 450 milhões de litros. Enquanto isso, continuam a cair os níveis nas barragens que abastecem a grande maioria da cidade.
Por isso a hora é de buscar fontes alternativas. Especialistas acreditam que a solução para transformar fundamentalmente a matemática da água da Cidade do Cabo está em perfurar os aquíferos subterrâneos da cidade.
John Holmes é diretor da Umvoto Africa, uma firma de consultoria em ciências geológicas, batizada com a palavra para água na língua xhosa. Segundo ele, o problema da Cidade do Cabo é que a água de superfície é responsável por 98% de seu abastecimento, e em caso de seca, essa fonte logo falta. Contudo, sob a cidade há vastas reservas de água que poderiam ajudar a manter um suprimento estável.
Holmes estima que três aquíferos – Cape Flats, Atlantis e Table Mountain – poderiam fornecer até 150 milhões de litros, ou um quinto da água potável da Cidade do Cabo. A cidade planejava desenvolver os aquíferos antes da seca, mas agora o projeto adquiriu nova urgência. “O cronograma inicial era de vários anos, talvez cinco ou seis”, explica Holmes. “Agora trabalhamos com um prazo de um a dois anos.”
Perfuração em andamento
Porém desenvolvimento realmente leva tempo. O maior aquífero, sob a Table Mountain, fica a cerca de um quilômetro de profundidade, e a água dos três reservatórios subterrâneos terá que ser tratada e canalizada até as tubulações municipais.
“Os engenheiros que trabalham no projeto precisam construir novas infraestruturas à medida que desenvolvemos os poços”, diz Holmes. Enquanto isso, a fundação sul-africana Gift of the Givers planeja perfurar cerca de 200 poços em toda a região da Cidade do Cabo, nos próximos meses.
Ali Sablay, gerente de projetos do escritório de caridade na Cidade do Cabo, comentou à DW que, embora o Dia Zero tenha sido evitado, ele continua recebendo telefonemas ansiosos de escolas e asilos: “Há muito pânico no momento.”
Um dos novos poços está em construção na escola Peak View, num subúrbio da Cidade do Cabo. A perfuradora cobre o pátio da escola com uma poeira fina úmida e o barulho dificulta a concentração dos alunos nas aulas.
Mas é tudo por uma boa causa. O diretor Oswald de Villiers teve que cobrir e trancar as torneiras externas da escola para cumprir o racionamento de água. Ele mantém um armário abastecido com água mineral para distribuir entre os estudantes com sede. O poço vai proporcionar água potável à escola e à comunidade vizinha. “Isso será um grande alívio”, comenta Villiers. “Estamos com extrema necessidade de água.”
A arte de economizar água
A vereadora da Cidade do Cabo Xanthea Limberg conta que mais de 22 mil pontos de perfuração e poços privados já foram cavados na cidade, a maioria deles durante a seca recente. No entanto eles não representam um suprimento ilimitado de água a ser consumido livremente: segundo Limberg, só deveriam ser usados antes das 9h00 e depois das 18h00, em certos dias da semana, por poucas horas seguidas a cada vez.
Christine Colvin, especialista em recursos hídricos da WWF da África do Sul, registra que a observância dessas regras é pequena. “No momento não há um plano real de gestão coordenada e integrada. Isso apresenta risco de um impacto cumulativo de extração excessiva dos aquíferos.”
Enquanto isso, a cidade usa de criatividade para encontrar maneiras de economizar. A fim de encorajar seus residentes a acelerarem no banho, lançou um álbum com “músicas de dois minutos para o chuveiro”, gravado por artistas locais. Cozinheiros importantes aceitaram o desafio de cozinhar sem água numa série de jantares em locações improvisadas. E numa conferência sobre planejamento d’água no centro da Cidade do Cabo, foram colocados nos banheiros jarros com água turva cinzenta, para ser usada como descarga.
Preparando-se para um futuro mais seco
Por um lado, os últimos meses tornaram os moradores da Cidade do Cabo mais conscientes do que nunca de seu consumo de água, mas por outro eles também podem estar agora na linha de frente de uma tendência global.
De acordo com um relatório recente das Nações Unidas, 3,6 bilhões de pessoas – quase metade da população mundial – vivem em áreas de potencial escassez de água por pelo menos um mês por ano.
Moradores da metrópole São Paulo tiveram a água cortada durante uma severa seca em 2015; e a Cidade do México atravessa atualmente um período de escassez, com alguns bairros sem acesso a um suprimento constante d’água.
Segundo Betsy Otto, diretora global do programa hídrico do Instituto de Recursos Mundiais, “certamente estamos diante da prova” de que a mudança climática vem causando secas mais frequentes e mais profundas: “Acho que muitas cidades devem olhar para a Cidade do Cabo e aproveitar a oportunidade para ver o que podem fazer de diferente.”
“Por que tratamos a água com um padrão altíssimo, potável, e aí a usamos para refrigerar prédios e regar plantas? Poderíamos capturar água pluvial, reciclar a água, até residual, e usá-la num tipo de sistema fechado.”
Com as temperaturas globais em ascensão, a Cidade do Cabo pode ser vista como um alerta, incentivando as autoridades do mundo todo a repensarem seus sistemas hídricos. Entretanto, preparar-se para o pior não costuma ser uma prioridade – até que o pior acontece.
Na Cidade do Cabo, o estado precário do abastecimento de água estava evidente há anos, confirma Holmes. Duas décadas atrás, ele participou de um estudo sobre como desenvolver um aquífero sob o Cape Flats, uma área mais baixa da cidade. E também pesquisou o aquífero sob a Table Mountain, mas ninguém estava disposto a financiar os projetos.
“A verdade é que, uns anos atrás, tivemos um recorde de precipitação pluvial. E acho que, considerando todos os desafios que o governo enfrenta em termos de moradia, saúde e educação, eles têm que priorizar.”
Fonte: Deutsche Welle

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