domingo, 22 de abril de 2018

Lagoa Da Tijuca – O Reflexo De Uma Cultura De Exploração De Uma Sociedade Suicida.

A lagoa da Tijuca em 1936 era o que poderíamos denominar, o paraíso sobre a Terra. Um lugar de águas salobras, translúcidas de fundo arenoso, rica em peixes e crustáceos com seus límpidos rios, onde na década de quarenta até Walt Disney e sua equipe vieram se inspirar nos papagaios locais visando criar o famoso Zé Carioca.
Isso é passado, um passado inacreditável quando comparado com o estado terminal no qual se encontra esse mesmo conjunto de ecossistemas em pleno século XXI.
Repetindo o mesmo filmeco trash de última categoria que vitimou o ambiente do resto da cidade, mais uma vez na história do Rio de Janeiro, o patrimônio ambiental da baixada de Jacarepaguá, representando por suas lagoas, manguezais, brejos, praias e restingas simplesmente vem sendo devastado criminosamente pela omissão do poder público como pela resiliência patológica de nossa sociedade acostumada à aceitar o inaceitável.
Teoricamente tem lei ambiental para tudo. Teoricamente tem órgão de fiscalização para tudo. Contudo na prática as duas heranças malditas, frutos podres das típicas culturas, oriundas de colônias de exploração, tem se fortificado e multiplicado por toda a região.
Lagoa Da Tijuca | Foto: Mario Moscatelli – biólogo
A primeira, a falta de ordenação do uso do solo associada com a falta de políticas de habitação permanentes para as classes menos privilegiadas economicamente criaram um monstro sócio-ambiental que por sua vez metamorfoseou-se ultimamente numa máquina de fazer votos para a classe política com os mais assombrosos acertos. O que é direito de todo cidadão, nas mãos dos administradores públicos, torna-se favor e moeda de troca na manutenção dos mesmos no poder. Neste contexto do primeiro círculo vicioso degradador, há uma retroalimentação permanente entre as necessidades e os favores, onde quem paga a conta é o ambiente com o crescimento desordenado da malha urbana.
A segunda, a falta de universalização do saneamento básico, é uma máquina de fazer dinheiro fácil para os que monopolizam serviços estratégicos de fornecimento de água e coleta/tratamento de esgoto. Como geralmente a venda desses dois produtos é casada, isto é, se não pagar o hipotético tratamento do esgoto não recebe a água, e sem água não se vive, mas sem esgoto se sobrevive, o que vemos acontecer é a transformação de todas as bacias hidrográficas da região metropolitana  em  imensos valões de esgoto e lixo em detrimento dos valores astronômicos obtidos com esses serviços que eu considero o maior estelionato institucionalizado em nosso país ou colônia como preferirem.
Em resumo, em detrimento de votos, muitos votos e de fazer dinheiro fácil, o patrimônio ambiental de nossa cidade e em especial do sistema lagunar de Jacarepaguá vem sendo vilipendiado historicamente por um lado, por um poder público mais interessado na sustentação das caras necessidades, mordomias e demais facilidades de suas castas, o que custa bem caro para a sociedade.  Por outro lado, a tal sociedade que banca com impostos toda essa festa no andar de cima, parece anestesiada, apresentando uma capacidade única de aceitar o inaceitável sem dar um pio, pagando cada vez mais por serviços cada vez piores, isso quando existem.
Nessa equação ambientalmente e socialmente suicida, depois de torrar 40 bilhões de reais nos jogos Olímpicos e apenas no Maracanã, 1 bilhão e seiscentos milhões de reais para a fatídica Copa do Mundo, simplesmente de todas as promessas ambientais, praticamente nada saiu do papel, apesar de todo meu particular empenho em denunciar na mídia nacional e internacional a criminosa gestão dos recursos naturais em nossa cidade e em especial no sistema lagunar de Jacarepaguá.
Além de manifestações públicas, mutirões de limpeza e de dezenas de matérias na imprensa, várias representações via OAB-Barra, foram encaminhadas ao MP estadual e federal, sem que até o momento nenhum dos dois tivesse dado qualquer resposta à degradação gritante que deixou de ser um problema eminentemente ambiental mas invadiu a agenda da saúde pública e econômica de toda a região.
De maneira incompreensível, todo o “empenho fiscalizatório espartano” apresentado pelo MP estadual e federal antes das olimpíadas, período no qual haviam recursos e vontade de fazer algo pelo sistema lagunar, simplesmente desapareceu após o evento, apesar das representações encaminhadas.
Dentro deste contexto onde de fato, as leis ambientais não servem para coisa alguma no atacado e funcionando especificamente no varejo, mais uma vez, na vida da nossa cidade temos ambiente e potencial econômico transformado em latrina e lata de lixo.
Esse é o cenário em especial da lagoa da Tijuca em pleno século XXI. Lagoa que tem em seu interior depositados 6.5 milhões de metros cúbicos de lama e lixo, além do esgoto, que não param de ser extravazados diariamente pela bacia hidrográfica local morta, transformada em parte do hipotético sistema de coleta de esgoto. Uma lagoa transformada num canal raso, fétido, pútrido, cercado por ilhas de lama e lixo e que emana metano e gás sulfídrico, altamente tóxico, 24 horas por dia, 365 dias por ano.
Reitero que todo esse cenário de horror ambiental não é gratuito. Muito pelo contrário, é intencional e tem como base a ação criminosa das autoridades públicas que historicamente não cumprem com suas obrigações estabelecidas em mais leis que na prática não servem para nada e da posição omissa, complacente da sociedade, também protagonista nesse suicídio ambiental, social e econômico no qual nos encontramos bem nesse instante.
Tem como mudar? Claro que sim!
Tecnicamente e economicamente as oportunidades estão à nossa espera. O que falta é uma mudança cultural e consequentemente uma mudança em nossas prioridades, sempre embasadas em bilhões de reais favorecendo sempre os mesmos pequenos grupos em detrimento de toda a sociedade e do ambiente do qual dependemos.
Enquanto não tomarmos vergonha na cara, as lagoas da baixada de Jacarepaguá, agonizam e nós junto delas.
Mario Moscatelli – biólogo – mestre em ecologia-especialista em gestão e recuperação de ecossistemas costeiros.
Fonte: Meio Ambiente Rio

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