As justificativas do Japão para liberar a caça de baleias após 30 anos de proibição.
A caça às baleias é um dos debates sobre preservação do meio ambiente que mais geram reações emocionais.
A caça comercial desses animais é proibida há mais de 30 anos, depois que algumas espécies foram praticamente levadas à extinção pela pesca predatória. Agora, porém, essa restrição pode estar prestes a cair, a pedido do Japão.
Em reunião no Brasil desde o início da semana, a Comissão Internacional das Baleias (IWC, da sigla em inglês) analisa uma proposta do país para acabar parcialmente com a probição.
A decisão deve sair na próxima semana, quando se encerra a 67ª reunião anual da instituição, sediada em Florianópolis, Santa Catarina.
A relação do Japão com as baleias
Em tese, o Japão permite hoje que se matem baleias apenas com fins científicos, mas essa é uma questão conversa.
O país tem capturado entre 300 e 400 por ano, incluindo animais jovens e fêmeas grávidas, sob essa prerrogativa. Os registros da IWC mostram que esse número já chegou a passar de mil nas temporadas de 2005 e 2006.
A justificativa é que, com isso, estão sendo investigandos os níveis populacionais das baleias, se elas estão ameaçadas.
Críticos contra-argumentam, porém, que as pesquisas são apenas um subterfúgio para matar baleias de olho na indústria de alimentos. E, de fato, a carne dos animais mortos para pesquisas geralmente acaba sendo vendida posteriormente.
Membros da IWC estabeleceram a proibição à caça em 1986, para possibilitar que as populações de baleias se recuperassem.
Os países a favor da caça esperavam que a medida fosse temporária, que ficasse vigente somente até se chegar a um consenso sobre cotas sustentáveis de captura dos animais.
Mas, em vez disso, a proibição se tornou quase permanente, medida que agradou os preservacionistas e decepcionou, além do Japão, países como Noruega e Islândia, que argumentam que a caça às baleias faz parte de sua cultura e deve continuar de forma sustentável.
Qual é a proposta do Japão?
Hideki Moronuki, o principal negociador de pescas do Japão e comissário da IWC, disse à BBC que o país quer que organização retome o objetivo que tinha originalmente – de conservar as baleias, mas também de promover seu “uso sustentável”.
A caça intensa às baleias no século 19 e início do século 20 deixou esses gigantes mamíferos à beira da extinção.
Na década de 1960, métodos cada vez mais eficientes captura e enormes navios-fábrica tornaram evidente que a caça não poderia continuar sem controle, sob o risco de os animais desaparecerem por completo. Daí a proibição.
Hoje, os estoques de baleias são cuidadosamente monitorados, e, ainda que a maioria das espécies siga ameaçada, outras – como a baleia-de-minke, que o Japão caça principalmente – não estão mais.
Portanto, o Japão, que atualmente preside a IWC, está propondo um pacote de medidas, incluindo a criação de um Comitê de Pesca Sustentável e a fixação de limites de captura sustentáveis ”para espécies e estoques abundantes”.
Em um aceno aos países que se opõem à caça de baleias, as propostas também incluem facilitar o estabelecimento de novos “santuários”, ou seja, áreas de preservação desses animais, onde a captura seria proibida.
Mas a caça comercial às baleias não é simplesmente errada?
Ativistas anti-caça estão protestando contra a proposta de retomada da prática. Nem todo mundo pensa, porém, que ela é errada.
“Esses gigantes graciosos já enfrentam inúmeras ameaças em nossos oceanos degradados, como o risco de ficarem presos em redes, poluição por plástico, poluição sonora e mudanças climáticas. A última coisa de que precisam é serem colocados de volta na mira dos caçadores”, diz Kitty Block, presidente da organização global de proteção aos animais Humane Society International.
Há também o argumento de que as baleias são animais muito inteligentes, com estruturas sociais altamente desenvolvidas. Matá-las causaria aos grupos em que vivem medo, pânico e dor.
O método antigo de caça com um arpão comum significava uma morte lenta e agonizante.
Caçadores modernos tentam matar o animal instantaneamente, geralmente com um arpão explosivo, mas as entidades de preservação afirmam que, ainda assim, a morte pode ser muito demorada.
Dois anos atrás, o governo australiano divulgou imagens explícitas gravadas em 2008 mostrando um navio de pesquisa japonês atirando um arpão em uma baleia que o grupo ativista Sea Shepherd disse ter demorado mais de 20 minutos para morrer.
“E isso sem falar que eles estão matando famílias de animais, com os filhotes tendo de testemunhar os membros de suas famílias urrando de dor”, diz Jeff Hansen, diretor da Sea Shepherd na Austrália.
Aqueles favoráveis à caça dizem, por sua vez, que tais casos são exceções – acidentes que podem acontecer em qualquer abatedouro.
Eles argumentam ainda que a oposição à caça sustentável espécies não ameaçadas de extinção é “profundamente hipócrita”.
Nessa linha de argumentação, esses grupos apontam que animais como porcos, vacas e galinhas voltados à produção de alimentos muitas vezes são criados em cativeiro e em condições que geram questionamentos, como falta de espaço e os métodos usados para abate. Mas que, ainda assim, há consumidores no mercado em busca de um bom corte de carne.
Eles também defendem que matar um animal selvagem é mais ético do que criar um animal em cativeiro com o único propósito de comê-lo.
Lars Walloe, ex-chefe da delegação da Noruega na IWC, disse à BBC que caçar baleias é o mesmo que matar “outros grandes mamíferos na floresta, como veados e alces”.
“Nós os matamos pela carne e não vemos diferença entre matar uma baleia-de-minke e um alce, desde que isso seja feito sem crueldade.”
Qual é o provável veredicto sobre a retomada da prática?
Líderes de países anti-caça às baleias, como a Austrália, já disseram que se uniriam para rejeitar qualquer tentativa de reverter a proibição atual.
O país tem sido, aliás, o maior adversário do Japão nessa questão e quer fortalecer a proteção aos animais pela IWC.
A capital australiana, Camberra, levou a questão à Corte Internacional de Justiça, que em 2014 decidiu contra o Japão, afirmando que não era necessário matar baleias para estudá-las.
A decisão, no entanto, se referia a um programa científico em particular – que o Japão simplesmente alterou e então retomou a caça.
Autoridades japonesas disseram à BBC que esperam que a nova proposta seja considerada e adotada. “Esta questão deve ser resolvida com base na ciência e no direito internacional, mas não com emoção”, afirma Hideki Moronuki.
Donald R Rothwell, professor de direito internacional na Universidade Nacional da Austrália, disse à BBC que o fim da proibição pode, no final das contas, não ter muito impacto.
“Se o Japão propusesse acabar com seu programa científico, uma futura cota comercial de baleias provavelmente mudaria muito pouco o número atual de baleias mortas”, disse ele.
Dentro do programa científico, o Japão captura em média entre 300 e 400 animais por ano, e uma cota comercial poderia limitá-los a um número parecido.
Atualmente, o Japão também caça baleias em um santuário na Antártida, sob o argumento de que o lugar serve para proteger contra a caça comercial, mas que a caça científica não infringe nenhuma regra.
Se, no futuro, o Japão obedecesse uma eventual cota estabelecida pela IWC para fins comerciais, estaria então sujeito às regras do santuário.
E mesmo que optasse por deixar de ser membro da instituição para tentar driblar a restrição, ainda estaria sujeito a leis internacionais que obrigam os países a “cooperarem para a preservação das baleias”.
Em última análise, contudo, há uma boa chance de que a questão polêmica vá, gradualmente, perdendo força por si mesma.
A demanda japonesa por carne de baleia há muito tem diminuído.
E, como a indústria também sobrevive com subsídios estatais, em algum momento, mudanças nesse aspecto podem significar que a caça comercial seja revertida por uma aritmética absolutamente comercial.
Fonte: BBC
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