quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Os segredos do clima guardados pela ilha mais isolada do mundo.

Tarefa de coletar dados na Ilha é díficil – o clima pode mudar de uma hora para outra e só é possível chegar até lá de helicóptero
É assim que a pesquisadora Liz Thomas descreve a sensação de trabalhar na inóspita Ilha Bouvet, uma pequena rocha vulcânica no Atlântico Sul. Esse território no meio do oceano, ao sul da Antártica, com altos penhascos cobertos por gelo, fica a milhares de quilômetros da civilização.
O clima lá não ajuda. As condições meteorológicas podem se deteriorar de maneira imprevisível. Em um momento, o céu está claro, mas no outro, você se vê rodeado por nuvens e névoas. Não é a toa que navegadores chamam Bouvet de a ilha mais remota do mundo e escritores e diretores de filmes de ficção científica a mencionam ou descrevem em livros e roteiros.
Mas essa ilha solitária tem chamado cada vez mais a atenção de cientistas pelo quanto ela pode nos informar sobre o clima da Antártica no passado.
Bouvet está em posição privilegiada para prover informações valiosas, já que ela se situa em um meio a um cinturão de ventos do oeste que têm efeito profundo na mudança climática.
Eles contribuem, por exemplo, para o aumento do nível do mar, ao mover para a superfície águas quentes do fundo do oceano que, então, derretem geleiras.
Pesquisadores coletam núcleos de gelo para desvendar informações sobre as mudanças climáticas através dos anos.
“Sabemos, por meio do histórico de observações, que esses ventos têm aumentado de força, mas esses registros só vão até 30 ou 40 anos atrás”, diz Liz Thomas, do instituto de pesquisa British Antarctic Survey (BAS)
“O que nos interessa é saber se esse aumento da força do vento é resultado de uma variação natural. Eles aumentam em velocidade e depois diminuem? Ou isso é algo incomum, um efeito do impacto humano sobre o clima?”, questiona.
Thomas e colegas pesquisadores recentemente desceram até a ilha de helicóptero – a única maneira de chegar lá – para coletar amostras de um núcleo de gelo. Os flocos de neve compactados são como um filme que registra o passado.
Quanto mais forte e rápido o sopro do vento, mais neve deve ser incorporada ao núcleo. E há outros marcadores. Diátomos – uma alga minúscula – que vivem na superfície do oceano são transportados da água para a neve.
Quanto mais vento, mais concentrada é a presença desses organismos nas camadas de neve da Ilha de Bouvet.

Gelo no mar

E não é apenas o registro do vento que a equipe de Thomas quer computar.
O grupo quer saber o tamanho do deslocamento anual de gelo nas águas, vindo da Antártica. Em alguns anos, as correntes chegam a empurrar o gelo até Bouvet.
A estudante de doutorado Amy King está examinando o núcleo de um composto orgânico específico que chegou até a ilha e que pode servir de base para entender as condições do gelo no mar existentes no passado.
A visibilidade para o acesso à ilha pode ficar prejudicada pelo acúmulo inesperado de nuvens
Esse composto orgânico é um químico associados com uma alga que floresce no mar quando o volume de gelo diminui (pelo derretimento), liberando pigmentos fotossintéticos.
“Quanto mais gelo sobre as águas a gente recebe no inverno, maior o volume (desses químicos). Quando o gelo derrete na primavera, há uma área maior para o fitoplâncton crescer”, explica King.
“Quanto mais fitoplâncton, mais desses compostos e ácidos metasulfônicos vamos encontrar no núcleo do gelo. Então, se estamos vendo compostos dessas origens no gelo, isso significa que houve um volume maior de gelo sobre as águas este ano (vindo da Antártica).”
As descobertas do time de Thomas foram apresentadas na American Geophysical Uninon, o maior encontro anual de cientistas que estudam a Terra e o espaço.
O pedaço de 14 metros de gelo retirado de Bouvet pela equipe de pesquisadores só traz dados sobre as condições de gelo aquático e de vento de 2001 para cá. Mas cientistas estão convencidos de que, se o grupo puder retornar à ilha, vai encontrar áreas de gelo e neve com registros mais antigos.
“Só ficamos em Bouvet por algumas horas, porque só podíamos trabalhar numa janela climática boa e tivemos que deixar a ilha rapidamente quando as nuvens começaram a baixar”, explica Thomas.
“Mas eu definitivamente acho que existe a possibilidade de voltar lá e coletar um núcleo mais profundo de gelo que traga informações de centenas de anos, se não milhares, sobre as variações climáticas.”
A pesquisa de Thomas foi feita em conjunto com as universidades de Maine, nos Estados Unidos, e Copenhague, na Dinamarca. Foi conduzida como parte da expedição antártica liderada pelo instituto de pesquisa Swiss Polar.
Fonte: BBC

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