segunda-feira, 15 de abril de 2019

Como nascem os lixões no Brasil.

Passados quase cinco anos do prazo dado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) para o fim dos lixões no Brasil, que venceu em julho de 2014, cerca de metade dos municípios brasileiros ainda destina seus resíduos incorretamente. E, na semana que passou, durante a Marcha de Prefeitos a Brasília, parte deles voltou a pleitear um novo adiamento do prazo ao Congresso e foi aprovado um requerimento que pede urgência urgentíssima para a votação da prorrogação do prazo.

Mais do que mais prazo, porém, o que talvez as cidades precisem é entender as causas do problema para atacá-lo. É o que sugere um estudo elaborado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb) que analisou os fatores que tornam as cidades mais propensas a adequarem corretamente seus resíduos ou não. O trabalho, divulgado com exclusividade pelo Estado, revela como surgem os lixões no Brasil.
Os pesquisadores desenvolveram um modelo matemático que analisou fatores socioeconômicos que podem ter mais impacto na capacidade da cidade de lidar com o lixo e concluíram que três são os mais significativos: índice de crianças matriculadas na escola; independência financeira do município e densidade populacional. É relevante ainda a existência ou não de taxas específicas de limpeza urbana.
O trabalho, que será divulgado nesta segunda-feira, 15, durante o Seminário Internacional de Resíduos Sólidos, em São Paulo, considera a base de dados do Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (Islu), criado em 2016 pelo Selurb para mensurar o grau de aderência das cidades às metas e diretrizes fixadas pela política nacional. Da edição anterior do levantamento, de 2018, participaram 3.374 cidades – 53% ainda têm lixões.
Entre aquelas que fazem a destinação correta dos resíduos, a média de crianças entre 6 e 14 anos matriculadas na escola é de 87,26%. Já nos municípios com lixões, a taxa cai para 84,9%. A densidade populacional dos primeiros é de 264,40 hab/km², já dos segundos, de 78,55 hab/km².
O gasto com limpeza urbana no orçamento também difere consideravelmente: a média é de R$ 534,10/mês nas cidades com destinação adequada, ante R$ 73,50 nas com lixão. Em relação à participação das transferências intergovernamentais na receita do município é de 79,14% ante 90,82%, respectivamente.
“Basicamente, quanto menos educação, maior dependência de repasses estaduais e federais e menor densidade demográfica (ou concentração urbana – municípios com área muito grande e população espalhada), mais vulnerável está o município ao surgimento de lixões”, resume o economista Jonas Okawara.
Um exemplo do que indica o estudo é Resende, no Rio, onde os indicadores educacionais e de dependência financeira não são bons. A cidade até possui economia de escala, com 115 hab/km², mas seus gastos com limpeza urbana são de R$ 14 por habitante por mês. A cidade ainda destina seus resíduos para um lixão.
Na outra ponta está Joinville, que faz a destinação correta dos resíduos: 96% das crianças estão matriculadas; a dependência de recursos intergovernamentais é baixa (44%); a densidade populacional é de R$ 512 hab/km² e, juntando orçamento com taxa de lixo, o valor por habitante é de R$ 22/mês.
Há, no entanto, exceções ao modelo. É o caso de Macaé (RJ), sede das operações da Petrobras na Bacia de Campos. Apesar de ter indicadores muito bons – 99% de crianças matriculadas; 44% de dependência financeira; 200 hab/km2 e um gasto de R$ 31,5 por hab/mês com limpeza urbana -, a cidade ainda destinava seus resíduos para um lixão até o ano passado. Desde o início de 2019, no entanto, a destinação final dos detritos é um aterro sanitário, conforme preconizado.

Soluções

O trabalho também aponta soluções: o aumento em 10% no número de crianças matriculadas nas escolas pode diminuir em 3,6% a probabilidade das cidades destinarem os seus resíduos em lixões. Já o aumento de 1.000 hab/km² pode diminuir em 2,1% essa probabilidade.
Com isso, diz Okawara, ganha-se em escala econômica, tornando mais viável a coleta. Outra sugestão já conhecida é a adoção de consórcios entre cidades vizinhas pequenas para compartilhar os custos e viabilizar o serviço. Por outro lado, o aumento da dependência das transferências intergovernamentais em mais 10% acresce a probabilidade de a cidade destinar resíduos inadequadamente em 10,6%.
“Quanto maior essa dependência, maior a chance de ter lixão. Para ter a destinação adequada é preciso ter condições de fazer o custeio operacional para manter a operação. Se não tem autonomia para fazer a gestão, isso facilmente pode se deteriorar. Há cidades que chegaram a fazer aterros sanitários e começar a fazer a destinação correta, mas quando perdeu essa autonomia, rapidamente voltou a ter lixão”, diz Okawara.

Turística, Resende tem descarte irregular

Resende é considerado um dos mais importantes municípios do interior do Rio. Sede do maior complexo militar da América Latina – a Academia Militar das Agulhas Negras -, da única indústria de enriquecimento de urânio do Brasil e da maior fábrica de caminhões do País, o município é também uma referência regional no turismo; perdendo apenas para a capital em número de visitantes.
Em contraste com a aparente pujança, porém, a cidade guarda uma alta dependência de recursos intergovernamentais (63%). E tem índices educacionais abaixo do esperado: 83% das crianças entre 6 e 14 anos estão na escola – os dois fatores tornam a cidade mais propensa a não ter um descarte adequado de resíduos sólidos, como sugere o estudo do Serlurb (leia mais na pág. ao lado). De fato, Resende convive com um lixão.
“O lixão é uma armadilha porque, embora aparentemente seja uma solução mais barata, acaba saindo caro a médio e longo prazo”, explica o pesquisador da Coppe/UFRJ Luciano Basto Oliveira, especialista em resíduos sólidos e planejamento energético. “Os maiores riscos são o da contaminação do solo e do lençol freático (com eventuais problemas de saúde para a população). Estudo da Organização Mundial de Saúde mostra que metade dos leitos hospitalares do mundo são ocupados por doenças relacionadas à falta de saneamento básico.”
Desde 2007, uma ação civil pública pede o fechamento do lixão que fica na área rural do município e recebe diariamente 100 toneladas de detritos não só de Resende, mas também de Penedo e Visconde de Mauá.
O presidente da Agência do Meio Ambiente de Resende, Wilson Moura, afirmou que o lixão está em processo de encerramento das atividades, o que deve acontecer em, no máximo, três meses. Segundo Moura, o município já licitou e contratou a Central de Tratamento de Resíduos de Barra Mansa para receber os resíduos de Resende.
“Em geral, a grande dificuldade de solucionar o problema está na necessidade de atender às questões ambientais, sociais (catadores de lixo) e econômicas”, disse. “E para a construção de novos aterros, centrais de tratamento ou usinas são necessários diversos estudos que atendam a processos morosos de licenciamento ambiental.”

Dificuldades

Analista técnica da Confederação Nacional de Municípios, a geógrafa Cláudia Lins explica que o aterro sanitário é uma estrutura cara, de operação e manutenção complexas e que só é viável economicamente para municípios com mais de 100 mil habitantes. Ela lembra que 90% dos municípios do País tem menos de 50 mil habitantes e que tais diferenças regionais deveriam ser levadas em conta no momento de se fazer exigências no descarte de resíduos.
“A política pública de resíduos sólidos é de competência comum de União, Estados e municípios. Ou seja, União e Estado devem dar apoio financeiro ao município para que o serviço seja prestado”, disse. “Vivemos num País com desigualdades socioambientais enormes, em que todos os municípios são tratados como iguais. A realidade de São Paulo não é a mesma de qualquer outro Estado de Norte e Nordeste, por exemplo. Como fazer gestão de resíduos da mesma forma? A lei tem que dar condições diferenciadas para ser cumprida nos municípios menores. E a única alternativa da lei é a do aterro sanitário.

Aterros regionais diminuíram o problema no MS

O seminário desta segunda-feira vai destacar um caso de sucesso desenvolvido no Mato Grosso do Sul a partir do Projeto Resíduos Sólidos – Disposição Legal. A parceria criada em 2015 entre o Ministério Público do Meio Ambiente e o Tribunal de Contas do Estado teve foco em implantar fontes de arrecadação específicas para custear os serviços de limpeza urbana e promover acordos regionais para viabilizar a atividade por meio de ganho de escala, além de acordos para tramitações de processos judiciais relacionados ao tema.
Quando o projeto teve início, 80% das 79 cidades destinavam seus resíduos para lixões. Hoje são 41%. Em volume de resíduos, 75% do que é gerado nas residência hoje vai para aterros sanitários regionalizados. Em 2015, apenas três cidades possuíam algum modelo de cobrança pelo serviço de limpeza urbana. Hoje são 20.
“Ainda há muito o que caminhar, mas percebemos que sem uma união de esforços isso não seria possível. A arrecadação específica e a regionalização dos aterros são fundamentais para o Brasil resolver esse problema”, conta o promotor Luciano Loubet, diretor do Núcleo Ambiental do Ministério Público do Mato Grosso do Sul.
Fonte: Estadão Conteúdo

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