Na caixa-forte de sementes mais importante do mundo, uma espécie de arca de Noé botânica, o maior carregamento já feito de uma única vez conta também com sementes brasileiras. Criado para armazenar cópias de segurança de milhares de tipos de alimentos, o Svalbard Global Seed Vault, construído em território ártico da Noruega, recebe 3.438 variedades de sementes coletadas no Brasil nesta terça-feira (25/02).
A coleção reúne sementes recolhidas ao longo dos últimos 50 anos por agricultores brasileiros, embaladas em pacotes especiais e distribuídas em 11 caixas. São variedades de arroz, milho, pimenta, cebola, abóbora, pepino, melão e melancia acondicionadas para resistir ao tempo e manter por séculos a capacidade de germinar.
“É um patrimônio do nosso povo”, comenta a bióloga Rosa Lia Barbieri, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O órgão está na lista das 36 organizações que fazem parte desse novo depósito de amostras na Noruega.
“São sementes tradicionais cultivadas por agricultores e coletadas ao longo das últimas décadas. Algumas delas não são mais cultivadas, mas foram há 50 anos, por exemplo, e temos tudo isso guardado no nosso banco”, afirma a bióloga.
Numa das ilhas do remoto arquipélago de Svalbard, que dá nome ao banco de sementes, Barbieri acompanha a entrega. “Os bancos funcionam como uma estratégia para segurança alimentar e até segurança nacional”, diz.
Em caso de catástrofes que arrasem plantações ou de doenças novas, a variação genética guardada pode ser usada como fonte na busca por alternativas, pontua a pesquisadora sobre a relevância do trabalho.
Com a nova remessa e um reforço técnico recente em suas estruturas, o banco global de Svalbard ultrapassa a marca de um milhão de variedades guardadas. Para os administradores, o número recorde de contribuições recebidas em 2020 reflete duas grandes preocupações: temores sobre o impacto das mudanças climáticas no cultivo de alimentos e a perda da biodiversidade.
“Ter uma diversidade e fontes genéticas de plantas à disposição para pesquisa e melhoramento genético é essencial para o desenvolvimento de novas variedades que serão necessárias para o abastecimento futuro de alimentos num clima que está mudando”, detalha à DW Brasil Åsmund Asdal, coordenador do Svalbard Global Seed Vault.
Resistência à prova
Fundada em fevereiro de 2008, a estrutura, mantida pelo governo da Noruega em parceria com a organização internacional Crop Trust, foi pensada para armazenar o maior número possível de sementes de plantas consumidas por humanos.
Amostras de praticamente todos os países do globo são guardadas a uma temperatura de -18 ºC. Do lado de fora, rochas e solo congelados permanentemente, o permafrost, garantem as condições ideais para que as sementes não percam suas propriedades – mesmo se houver falha de energia no prédio.
A primeira remessa de amostras brasileiras – milho, arroz e feijão –chegou ao forte norueguês em 2012. Desta vez, 125 quilos de sementes serão depositadas. Das 3.438 variedades recebidas, 3.037 são só de arroz.
“Poderemos recorrer a elas no caso de alguma catástrofe climática, como seca, enchente, destruírem plantações”, cita Barbieri. “Estamos passando por um momento em que o clima está mudando”, argumenta.
O que está armazenado no Svalbard Global Seed Vault é praticamente uma segunda cópia de segurança dos mais de 1.700 bancos de sementes espalhados pelo mundo. No Brasil, além do sistema da Embrapa, organizações estaduais de pesquisa, universidades, associações de agricultores, bancos comunitários e ONGs mantêm coleções.
“As cópias que conservamos são importantes caso alguns desses bancos, por alguma razão, perca suas sementes”, explica Asdal.
De volta às origens
O Svalbard Global Seed Vault já foi acionado por motivo de guerra. O pedido veio do Centro Internacional para Pesquisa em Agricultura em Áreas Secas (Icarda, na sigla em inglês), que em meio ao conflito civil na Síria, precisou mover sua sede de Aleppo para o Líbano e o Marrocos.
“Eles usaram as sementes que mantínhamos para criar um novo banco genético funcional”, detalha Åsmund Asdal.
Já em território brasileiro, as coleções mantidas pela Embrapa ajudaram populações a recuperar espécies de plantas perdidas com o avanço da monocultura e até com o massacre de populações indígenas.
Na década de 1990, em busca de variedades de milho usadas no passado pelo povo krahô, o indigenista Fernando Schiavini, da Fundação Nacional do Índio (Funai), e caciques recorreram à Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em Brasília. As coleções mantidas pelos pesquisadores eram fruto de coletas feitas em expedições durante os anos de 1978 e 1979.
Flávia Londres, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) acompanhou o início da parceria. “Ela foi muito importante para o resgate do milho tradicional para os krahô e não só isso, mas também de outras espécies que já tinham sido perdidas”, comenta.
Fonte: Deutsche Welle
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