segunda-feira, 16 de março de 2020

Cientistas usam drones para medir efeitos da lama da Samarco em baleias e botos da foz do Rio Doce

Baleias jubarte
Baleia jubarte mãe dando a primeira lição de natação ao filhote, que acabou de nascer.
Um drone de 32,2 por 24,2 cm e 8,4 cm de altura está ajudando pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (UFMG) a estudar a biologia e o comportamento de golfinhos e baleias próximo à foz do rio Doce.
Um dos objetivos da pesquisa é entender também os efeitos da lama, que chegou à região com o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, sobre a megafauna marinha. Para isso, o monitoramento será realizado durante vários anos. Os resultados preliminares mostram que o local é muito usado para alimentação e criação de filhotes.
De acordo com o biólogo Agnaldo Silva Martins, do Departamento de Oceanografia e Ecologia da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), líder do grupo de pesquisa, os estudos começaram em setembro de 2018, com testes de utilização de drones.
“O objetivo é conhecer o ‘uso do habitat’ das espécies de golfinho que frequentam a região, sendo que pelo menos duas delas, o boto-cinza (Sotalia guianensis) e a toninha (Phocoena phocoena), estão bastante ameaçadas de extinção”, conta.
Martins explica que “uso do habitat” é como os golfinhos e baleias utilizam a região para sobrevivência, ou seja, se é para descansar, se alimentar, se levam os filhotes, se eles nascem no local ou se é só para passagem (deslocamento), por exemplo. “Com isso, saberemos o potencial impacto que a lama de rejeito da Samarco pode ter sobre essas espécies”, diz. “Quanto mais usarem [a região], mais delicada será a situação.”
O estudo está sendo feito com decolagens mensais do drone de três localidades, uma próxima à foz do rio Doce, uma a 10 km e outra 30 km ao sul desse local, junto à desembocadura de outro rio, o Piraquê Açú. “De cada um deles, o aparelho sai e voa uma distância de 3 km a partir da praia, rastreando grupos de golfinhos, tartarugas, tubarões ou qualquer organismo grande o suficiente para ser visto de cima, a 50 m de altura”, explica Martins.
O modelo de drone empregado pelos pesquisadores é de uso pessoal (não profissional), pequeno, que pesa apenas 700 g e é muito fácil de transportar e montar para decolar. “Optamos por este aparelho devido ao baixo custo e aos altos riscos de perda pelo fato de voar sobre o mar”, conta Martins. “Se ocorre qualquer evento que obrigue o pouso, o perdemos, pois ele não é à prova d’água e, se isso ocorre, ele afunda. Já perdemos um dessa forma, que sofreu pane ao ser atingido por uma chuva rápida.”
Segundo Martins, drones profissionais podem custar entre R$ 100 mil e R$ 500 mil ou mais. Os pesquisadores têm que usar vários deles (eles possuem três, sendo dois para uso simultâneo e um de reserva, além de cerca de 15 baterias). De acordo com eles, um kit composto pelo drone, mais três baterias e outros acessórios, é vendido por cerca de R$ 10 mil.
Golfinhos
Golfinhos de dentes rugosos mãe e filhote (abaixo) repartindo um peixe com outro golfinho de dentes rugosos
Martins afirma que são necessárias pelo menos quatro pessoas na operação.
“O piloto do drone, que é um profissional especializado, um biólogo com olhos treinados para reconhecer a fauna, que fica com uma máscara de realidade virtual, um observador de drone com um binóculo superpotente (para termos a licença de voo, a premissa é que o aparelho não pode ser perdido de vista, pois se uma aeronave tripulada se aproxima, temos que afastá-lo imediatamente da área). Temos também um quarto componente que anota todos os resultados em planilhas.”
A máscara virtual recebe um sinal de rádio enviado pelo drone, que é transformado em imagem de vídeo. Ao mesmo tempo, ela é gravada em resolução maior num cartão de memória do aparelho voador. Quando o cientista com a máscara avista, por meio da imagem de vídeo, algum alvo de interesse, ele avisa e orienta do piloto do drone, que então opera o aparelho para obter as melhores imagens.
Com elas, é possível saber o que aqueles animais estão fazendo no local (se alimentando, interagindo ou se deslocando, por exemplo). “Isso dura alguns minutos”, conta Martins. “Uma vez identificada a atividade, o drone continua a viagem de rastreamento até achar outro grupo. Isso é repetido várias vezes em um dia, pois a bateria do aparelho dura apenas 20 minutos.”
A busca é por qualquer organismo marinho grande, que os pesquisadores chamam de ‘megafauna marinha’. “Geralmente são botos cinza e toninhas na região onde voamos”, diz Martins. “Mas já observamos outra espécie de golfinho, tartarugas e aves marinhas, cardumes de peixes e um tubarão baleia.”
Por enquanto, os cientistas não têm uma ideia definitiva sobre o efeito da lama da barragem da Samarco sobre a fauna local. De acordo Martins, os efeitos agudos já passaram e agora a região vive a fase crônica, na qual as alterações serão pequenas ao longo dos anos.
Por isso, os órgãos ambientais federais e do Espírito Santo exigiram um monitoramento da biodiversidade marinha de longo prazo, de cinco a dez anos, justamente para saber se os efeitos crônicos estão aumentando ou não, e causando mais problemas para a fauna.
O trabalho será feito durante vários anos, para saber se o uso do habitat da foz do Rio Doce pela megafauna marinha aumenta ou diminui. “Se aumentar, isso pode significar que os efeitos da lama estão diminuindo e eles estão voltando a usar mais”, diz Martins. “Se diminuir, quer dizer que os crônicos estão atuando e vamos ter que pensar em soluções para reparar esse dano.”
Baleia jubarte
Baleia jubarte emergindo e borrifando
Os resultados dos estudos vão dar subsídios para que se apliquem medidas mitigatórias (redução de impacto) e compensatórias (quando não é mais possível reduzir e se opta por melhorar a situação em outra região onde isso ainda é possível). Uma das medidas, por exemplo, seria a criação de áreas protegidas em locais mais preservados, para evitar que os animais sejam mortos por outras causas que os atingem, como as redes de pesca, por exemplo.
Paralelamente ao trabalho com os golfinhos, os pesquisadores estão fazendo testes também para aplicação do método para avaliar o uso do ambiente pela baleia jubarte.
“Mas, como esses animais não se aproximam muito da costa, estamos fazendo a mesma coisa, só que decolando o drone a partir de um barco, o que é muito mais desafiador”, conta Martins. “Nesse caso, o monitoramento ainda não começou pra valer. Só fizemos os testes em 2019 e devemos iniciar o monitoramento agora em 2020, quando as baleias voltarem para a região.”
Fonte: BBC

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