quinta-feira, 24 de maio de 2018

Fux considera só 3 pontos do novo Código Florestal inconstitucionais

Após o voto, a presidente do STF, a ministra Cármen Lúcia, pediu vista do processo, adiando o resto da votação. Não há previsão de quando a discussão vai ser retomada pelo plenário do STF.
No principal ponto rejeitado, Fux entendeu que o artigo 59 da lei 12.651/2012, que alterou o antigo Código Florestal, vai contra a Constituição. O artigo estabelece o Programa de Regularização Ambiental (PRA) – dispositivo que trata sobre como deve se dar a regularização de áreas que foram desmatadas ilegalmente.
Ele traz um parágrafo que prevê que a partir do momento que o proprietário de terra aderir ao PRA e enquanto estiver sendo cumprido o termo de compromisso, ele não poderá ser autuado por infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008 por desmatamento em Áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal. Ou seja, ao se comprometer a restaurar suas áreas, o proprietário não pode mais ser multado.
Fux lembrou em seu voto que a Constituição prevê que condutas lesivas ao ambiente sujeitam os infratores a sanções penais ou administrativas, independentemente de o infrator promover uma reparação. “A lei confere verdadeira anistia condicional a esses infratores, em total desconformidade com o mandamento constitucional”, disse.
“Indicadores científicos evidenciam que, até 2012, o desmatamento em território brasileiro decresceu constantemente, chegando a atingir o menor nível naquele ano, segundo dados do Prodes. No entanto, desde a aprovação do Código Florestal, os índices de desmatamento cresceram progressivamente. Em 2016, a alta já era de 74,8%”, complementou.
Para ele, “a anistia das infrações cometidas até 22 de julho de 2008 pode ser apontada como uma das possíveis causas para esse aumento”. E continuou: “Ao perdoar infrações administrativas e crimes ambientais pretéritos, o Código Florestal sinalizou uma despreocupação do Estado para com o direito ambiental, o que consequentemente mitigou os efeitos preventivos gerais e específicos das normas de proteção ao meio ambiente.”
Segundo o ministro, esse item da lei incentiva a crença de que de tempos em tempos a lei vai ser revisada para perdoar infrações passadas. “Incentiva a ideia de que pode desmatar livremente no presente porque no futuro novos programas de regularização serão implementados”, afirmou. Em seu entendimento, os danos ambientais não são apagados com simples reflorestamento da área, que ele chamou de paliativo, por não apagar os efeitos da ausência da vegetação nos anos anteriores.
Outro ponto que Fux considerou inconstitucional foi a criação de regimes diferenciados de recomposição da vegetação para antes e depois do dia 22 de julho de 2008. Segundo o artigo 7º do novo Código, o proprietário é obrigado a recompor a vegetação desmatada em APP se ela não tiver sido autorizada. E se essa supressão não autorizada tiver ocorrido depois de 22 de julho de 2008, o proprietário não pode conseguir novas novas autorizações para supressão de vegetação. “Não encontrei justificativa racional para o marco temporal estabelecido pelo legislador”, afirmou o relator.
Questionamentos
Está sob análise no STF quatro ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) – sendo três ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e uma pelo PSOL – e uma ação declaratória de constitucionalidade (a favor do Código) do Partido Progressista. Ao todo, 58 pontos estavam sendo questionados. Fux os agrupou em 22 e considerou a maioria constitucional. Para o relator, somente 3 não são.
Apesar de a liberação das multas ter sido um dos pontos cruciais durante a tramitação do novo código, outros ainda mais polêmicos acabaram sendo considerados legais pelo relator, o que torna o seu voto mais favorável aos defensores da lei como ela foi aprovada. Para ambientalistas e cientistas que foram ouvidos em audiência públicas durante a análise do tema no STF, esses outros pontos resultaram em diminuição da proteção ao ambiente.
As ADIs questionam, entre outros aspectos, artigos que liberam de recuperação áreas desmatadas ilegalmente até julho de 2008 – o que, segundo cálculos da Esalq/USP, isentou 41 milhões de hectares desmatados. Também são questionados a redução de Áreas de Preservação Permanente (APPs), como matas ciliares, e de Reservas Legais (RLs), e o artigo que estabelece como pode se dar a compensação das RL desmatadas. Para Fux, todas eles são constitucionais.
Para André Nassar, diretor do Agroícone – think tank que realiza análises sobre o agronegócio –, o voto de Fux foi positivo. “Para quem gostaria de ver o código preservado como foi aprovado, o voto caminhou bem”, disse. Ele lembra, porém, que a multa é uma questão sensível. “Ouvi de muitos produtores que eles iriam aderir ao PRA para poder converter a multa. Então imagino que vair tirar muita gente da zona de conforto.”
Ainda assim, Nassar pondera que outros artigos, se fossem considerados inconstitucionais, seriam pior para o agronegócio. É o caso do artigo que estabelece a “escadinha” – item que definiu o tamanho da APP desmatada que tem de ser recomposta nas margens de rios conforme o tamanho da propriedade. Assim, terrenos pequenos, de até 4 módulos fiscais, por exemplo, precisam recompor só 5 metros de margem – a APP mínima no Código Florestal era de 30 metros. Quanto maior o terreno, maior a área.
O ambientalista Mauricio Guetta, do Instituto Socioambiental (ISA), afirma que esse era justamente um dos itens que o setor esperava ver declarado inconstitucional. Outro era um que estabelece a forma de medir as APPs de cursos d’água – a partir da “borda da calha do leito regular do rio”. Antes a referência era o leito maior, na cheia. Contando a partir da calha, o espaço para APP fica muito menor. Na Amazônia essa perda de proteção pode ser de 400 mil quilômetros quadrados de mata ciliar, segundo cálculos do ISA.
“Essas foram as grandes derrotas para a gente. Ter declarado inconstitucionais anistias a sanções administrativas e criminais e a desproteção de nascentes é bom, mas consideramos insuficiente para garantir o equilíbrio ambiental”, complementou.
A PGR, ao ajuizar as três ADIs, defendeu que os dispositivos questionados da lei “inserem uma absurda suspensão das atividades fiscalizatórias do Estado, bem como das medidas legais e administrativas de que o poder público dispõe para exigir dos particulares o cumprimento do dever de preservar o meio ambiente e recuperar os danos causados”.
“Os dispositivos normativos impugnados, além de tornarem caótico o sistema de controle ambiental no Brasil, afrontam de forma severa o art. 225, § 3°, da Constituição Federal, o qual determina que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas e jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”, argumentou a PGR.
Fonte: O Estado de S.Paulo

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