sábado, 29 de junho de 2019

Mais de 120 obras na Amazônia ameaçam povos indígenas isolados.

Ao todo 58 povos indígenas isolados estão ameaçados por 123 obras de infraestrutura na Amazônia, segundo um levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) divulgado nesta quarta-feira (24/10). Entre os empreendimentos estão hidrelétricas, termelétricas, ferrovias, hidrovias e rodovias.

“Esses povos estão em perigo, porque a floresta, que garante seu modo de vida, está desaparecendo. E pode desaparecer ainda mais rapidamente com a construção desse pacote de empreendimentos”, disse Antonio Oviedo, um dos autores do estudo.
De acordo com o levantamento, tanto a vida como o território dos povos isolados correm risco devido obras que estão planejadas próximo de suas comunidades. O estudo aponta que a Fundação Nacional do Índio (Funai) reconhece 114 registros de comunidades e etnias que nunca foram contatas ou optaram por se isolar. O isolamento voluntário está relacionado a massacres, epidemias e violência causados pelo contato com não indígenas.
Entre esses 114 grupos, a Funai confirmou a presença de 28 por meio de expedições, 26 estão em estudo, embora haja documentos que mostram sua existência, e de 60 há registros, mas ainda não há pesquisas mais profundas sobre esses povos.
O levantamento do ISA mostrou que, nos territórios das 28 etnias confirmadas, 29 obras de infraestrutura colocam em risco esses locais, incluindo uma linha de transmissão, duas rodovias e uma estrada de ferro.
O estudo destacou que 35 hidrelétricas planejadas na Amazônia terão um impacto sobre 16 terras indígenas e 12 unidades de conservação, onde há o registro de 39 povos isolados. “Com a iminência do início das obras, é cada vez mais urgente a confirmação da presença dessas comunidades para que ela possa ser considerada no licenciamento dos empreendimentos”, destaca o ISA.
Segundo o levantamento, a região mais ameaçada é o Parque Indígena Aripuanã, localizado na divisa entre o Mato Grosso e Rondônia, onde oito projetos abrangem a região onde foi registrada a presença de ao menos dois povos isolados. A reserva enfrenta ainda a invasão de garimpeiros e de madeireiros.
“Caso o licenciamento destas obras inicie antes da qualificação destes registros, as
medidas mitigadoras e condicionantes estabelecidas pelos órgãos responsáveis pelo
licenciamento podem não considerar esses territórios e povos, violando seus direitos fundamentais”, destaca o ISA.
Fonte: Deutsche Welle

Indígenas dos EUA resgatam o bisão para suas terras.

O bisão-americano impressiona. Coberto por um espesso pelo castanho-escuro, pode chegar a ter mais de dois metros de altura e pesar mais de uma tonelada. Numa certa época, mais de 60 milhões deles habitavam as pradarias da América do Norte, desde o Alasca Ártico até o sul do Golfo do México.

Não é nenhuma surpresa que os animais – também conhecidos popularmente como búfalos – fossem parte essencial dos ecossistemas locais e vitais para a sobrevivência de muitos povos nativos americanos que conviviam com eles.
A situação mudou durante o século 19, quando os colonizadores europeus caçaram e abateram sistematicamente os rebanhos e quase aniquilaram a espécie. Já em 1889, haviam sobrado apenas 541 bisões-americanos.
“Nós virtualmente eliminamos o bisão, e muito disso tem a ver com a expansão para o oeste e com as atrocidades cometidas contra os nativo-americanos”, diz Chamois Andersen, porta-voz da organização de conservação ambiental Defenders of Wildlife.
Atualmente, os descendentes dos nativo-americanos estão ajudando a trazer de volta este símbolo do oeste americano ao dar aos bisões-americanos um novo lar nas reservas dos Índios das Planícies.
Um desses descendentes é Jason Baldes da tribo Shoshone do leste, baseados predominantemente no atual estado de Wyoming. Baldes é também o diretor executivo da organização comunitária Wind River Native Advocacy Center em Fort Washakie. A vida de seus ancestrais estava intimamente ligada aos bisões.
“Em vez de fazer compras no supermercado, o búfalo era o nosso Walmart”, diz Baldes, referindo-se à enorme cadeira varejista americana. “O retorno do bisão-americano é uma bênção.”
Os Índios das Planícies – nativos americanos que viviam nas planícies de pastagens, uma faixa larga de pradarias que se estende a leste das Montanhas Rochosas, do sul dos Estados Unidos até as províncias canadenses de Saskatchewan e Alberta – dependiam de todas as partes do animal para sobreviver: de comida, vestimentas a abrigo.
Baldes afirma que a perda dos rebanhos de bisões-americanos foi quase tão devastadora para seu povo quanto a realocação forçada – em grande parte no século 19 – para reservas estipuladas pelo governo dos Estados Unidos.
Desde o final do século 19, a população de bisões-americanos tem se recuperado lentamente e computa atualmente cerca de 500 mil animais nos Estados Unidos. Os animais vivem principalmente em parques nacionais e em algumas reservas. Eles têm poucos outros lugares para ir. Ao devolvê-los às terras dos nativo-americanos, os bisões têm a chance de expandir seu habitat.
Para Baldes, esses esforços não representam somente a conservação de vida selvagem, mas também oferecem uma oportunidade de se reconectar a um modo de vida extinto há mais de um século. Baldes é responsável pelas medidas de recuperação dos bisões-americanos na reserva Wind River. Ele cuida de um pequeno rebanho de bisões-americanos selvagens em 121 hectares de pastagem no cerne da reserva de 2,4 milhões de acres.
Ele começou em 2006 com 10 bisões-americanos. Esse número cresceu para 28 animais. O objetivo é fornecer um habitat sustentável para um rebanho muito maior em 400 mil acres de terras adequadas, que permitem que o bisão-americano seja manejado como uma espécie silvestre, e não como animais cativos.
O pequeno rebanho de Baldes é descendente de búfalos selvagens e geneticamente puros resgatados da quase extinção no Parque Nacional de Yellowstone. Atualmente, cerca de três mil bisões-americanos vivem em Yellowstone.
Em contraste, cerca de 20 mil búfalos vivem em um milhão de acres de terra indígena nos EUA, onde são mantidos para fins cerimoniais, alimentação e conservação. É o ponto culminante de uma longa batalha, diz Baldes. “Há fortes interesses agropecuários em Montana, Idaho e Wyoming, em oposição aos esforços de recuperação de búfalos”, explica.
Isso é em parte porque existe o risco de que búfalos errantes possam carregar a brucelose. Bisões inicialmente contraíram a doença infecciosa depois de entrar em contato com gado doméstico não nativo. Embora tenha sido amplamente erradicado entre o gado, a doença persiste entre alguns bisões selvagens. A brucelose aparenta ter apenas um impacto marginal sobre os animais selvagens, mas pode ser devastadora para as populações de gado.
Parte do rebanho em Yellowstone é abatida todos os anos para evitar o sobrepastoreio e manter a população estável, para que os animais não se dispersem do parque. No ano passado, defensores da vida selvagem processaram agências governamentais para impedir o abate dos búfalos de Yellowstone. E caso os animais saíssem do parque, eles insistiram que fossem transferidos para reservas de búfalos depois de terem sido colocados em quarentena e considerados estáveis.
Estas ações judiciais resultaram na transferência bem-sucedida de búfalos de Yellowstone para as reservas Fort Belknap e Fort Peck, em Montana. Em 2018, os funcionários do parque também anunciaram a criação de um novo programa para capturar e colocar em quarentena o excedente de búfalos com o objetivo de estabelecer rebanhos livres de doenças em todo o país. Esses rebanhos podem ajudar a restaurar um habitat em extinção.
Cerca de 170 milhões de acres de pastagens altas existiam nas Grandes Planícies dos EUA durante o século 19. Apenas aproximadamente 4% da área original permanece intacta.
“É realmente um ambiente ameaçado”, diz Andersen. Os conservacionistas esperam devolver o bisão-americano para pelo menos parte dessa terra. Para eles, o simbolismo e o significado da conservação de búfalos são importantes, porque a presença deles não apenas desperta a imaginação de um passado distante, mas também literalmente molda a paisagem atual.
Os animais ruminantes e que adoram chafurdar também criam habitats para que prosperem outras espécies nativas, como os cães de pradaria. Suas pelagens desgrenhadas dispersam sementes de plantas nativas, e suas abundantes urinas e fezes fertilizam os campos.
Caso tudo ocorra conforme planejado, os conservacionistas esperam que o bisão-americano possa retomar seu papel de regulador da pradaria. “O bisão evoluiu com as planícies, e as planícies evoluíram com o bisão”, diz Andersen. “É uma relação simbiótica incrível.”
Fonte: Deutsche Welle

sexta-feira, 28 de junho de 2019

A emocionante despedida de elefantas que viveram por 40 anos em cativeiro no Brasil.

Diante do corpo de grandes proporções caído à sua frente, na noite de segunda-feira (24 de junho), Maia permaneceu em silêncio. Hesitante, cheirou vagarosamente a amiga, que a acompanhou por mais de quatro décadas. Não havia mais sinais vitais em Guida. Mesmo sem respostas, permaneceu ao lado da companheira.

Juntas, as duas encontraram a liberdade há dois anos e oito meses, quando chegaram ao Santuário de Elefantes Brasil (SEB), em Chapada dos Guimarães (MT) – o primeiro lugar destinado à conservação de tais animais na América Latina.
As elefantas asiáticas, segundo estimativas do SEB, têm entre 45 e 47 anos. Elas passaram quatro décadas sofrendo maus-tratos em circos brasileiros. Em dupla, eram usadas em apresentações por diversas cidades.
Representantes do santuário acreditam que elas vieram ao país após serem traficadas da Tailândia, com o objetivo de serem usadas em espetáculos circenses.
“Elas chegaram ao Brasil ainda filhotes. Existe um método que chamam de sensibilização, no qual dizem que o quanto antes tirar o elefante da mãe, mais fácil será para que ele se torne submisso. Esses animais costumam ser espancados para obedecer ordens”, explica o biólogo Daniel Moura, um dos diretores do SEB.
No Brasil, apresentações de animais em circos são ilegais em 12 Estados. Há um projeto de Lei Federal em discussão há anos na Câmara dos Deputados, para que a proibição seja adotada em todo o país. Porém, a medida segue sem prazo para ser votada pelos parlamentares.
Quando faziam apresentações circenses, Maia e Guida chegavam a viajar acorrentadas e espremidas em um trailer com mais dois camelos. Em 2010, foram retiradas de um circo da Bahia pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e levadas a um sítio em Paraguaçu (MG), onde viveram por seis anos acorrentadas.
A relação entre as duas elefantas não era boa durante o período em que viviam na propriedade rural em Minas Gerais. Elas eram mantidas afastadas para que não brigassem. Segundo especialistas, o estresse era causado pela falta de espaço, que dificultava o convívio entre os animais.
Em outubro de 2016, as elefantas percorreram 1,6 mil quilômetros em contêineres, de Minas Gerais a Mato Grosso, para que chegassem ao SEB. Elas são as primeiras moradoras do lugar, localizado em uma antiga fazenda de gado de 1,1 mil hectares. O santuário se mantém por meio de doações feitas por simpatizantes do exterior e do Brasil.
Desde que chegaram ao SEB, que não é aberto ao público para evitar incômodo aos animais, o estresse das elefantas cessou e elas se tornaram grandes companheiras.Guida estava abaixo do peso e ganhou 400 quilos no primeiro ano no santuário. Ela passou a ser brincalhona e a tristeza deu lugar à vontade de desbravar a natureza que antes parecia tão distante. Maia deixou o rótulo de “garota má” e se tornou mais dócil.
Juntas, caminhavam durante todo o dia pelos 29 hectares disponíveis no santuário – somente as áreas já adaptadas são liberadas aos animais, para que eles possam circular com o apoio necessário na mata. Na parte destinada às elefantas, há área médica, tanques de água e setor de alimentação para elas.

A redescoberta da vida

Guida e Maia redescobriram a vida somente na maturidade. Segundo especialistas, os elefantes se tornam idosos a partir dos 60 anos. Em casos de animais que ficaram em cativeiros, a expectativa de vida é menor e muitos consideram que devem ser tidos como idosos a partir dos 50 – período próximo às estimativas aplicadas às duas elefantas.
Os dois animais tinham muito em comum, mas também havia muita diferença. Maia costuma fazer movimentos bruscos e involuntários. Sutilmente desajeitada, ela arranca risos de quem a acompanha.
Guida era considerada mais tranquila. Ela costumava comer sempre três folhas de uma árvore, duas de outra e uma de palmeira.
“Ela é uma dama”, diziam aqueles que a conheciam. Em contrapartida, Maia é pouco exigente com comida.
Apesar das diferenças entre elas, o presidente do SEB, o americano Scott Blais avalia a relação das duas como extremamente positiva.
“Elas eram praticamente inseparáveis e celebravam suas vidas dentro do santuário, emitindo alguns trombeteios de alegria”, comenta.
Em dezembro passado, elas receberam a companhia da elefanta asiática Rana, que também sofreu maus-tratos em circos durante décadas. Logo se tornaram amigas.
O SEB tenta trazer outros elefantes do Brasil e de outros países da América do Sul, que tenham sido vítimas de exploração, mas ainda não há prazo para que novos animais cheguem ao santuário.
“Estamos resolvendo as questões burocráticas, que levam tempo”, justifica Daniel Moura.

O adeus a Guida

Guida fazia uma trilha na tarde da última segunda-feira quando ficou presa em um trecho do percurso. Os veterinários a auxiliaram. A fraqueza e o cansaço dela surpreenderam, pois a elefanta sempre foi considerada uma grande desbravadora e costumava atravessar diversas áreas do SEB.
Em certo momento, ela se deitou no chão, como se precisasse descansar. Conforme os representantes do SEB, os veterinários aplicaram soro intravenoso nela, a medicaram e colheram amostras de sangue. Depois, a deixaram descansar.
“Após algum tempo, a respiração dela começou a oscilar até que simplesmente parou de respirar”, relata a americana Kat Blais, vice-presidente do santuário. Silenciosamente, sem emitir sinais de dores, Guida morreu. “Ela se foi em paz. Não esperávamos que ela se fosse”, relata Kat.
A morte da elefanta causou surpresa nos especialistas que a acompanham no SEB. Segundo Scott, que trabalha há mais de trinta anos com elefantes, as décadas de maus-tratos colaboraram para fragilizar a saúde do animal.
“Tragicamente, os danos cumulativos causados pela negligência do cativeiro podem criar impactos devastadores e inesperados na vida dos elefantes”, afirma.
“Impossível imaginar que Guida não estará mais lá quando formos cuidar das meninas. Muito difícil aceitar que seus trombeteios infantis do dia anterior foram os últimos que ouvimos”, lamenta Kat.
Maia avistou a amiga caída no solo e se aproximou, hesitante. Conforme Kat, a amiga de quatro décadas manteve a tromba distante do corpo de Guida, a princípio. Depois, a cheirou vagarosamente e se afastou.
“Após alguns momentos tocando e cheirando Guida, ela conseguiu entender o que aconteceu”, diz a vice-presidente do SEB.
“Esse processo [de luto] será particularmente difícil para a Maia. Ela precisará de tempo para se adaptar. Não há dúvida de que ela e todo nós carregaremos, em nossos corações, a alegria pura e plena que a Guida dividiu com todos que tiveram a chance de conhecê-la”, diz Scott.
Maia permaneceu calada e desorientada diante da partida de Guida. Os veterinários a deixaram sozinha por um tempo, diante do corpo da amiga. De longe, Rana acompanhou a cena, em silêncio.
“É devastador olhar para Maia e saber que ela perdeu sua melhor amiga poucos anos depois de ter, realmente, a encontrado”, lamenta Kat.
Na madrugada de terça-feira (25), Maia se manteve próxima do corpo da amiga. Durante o dia, por diversas vezes, em silêncio, observou o corpo. Calada, Rana também se aproximou do corpo de Guida várias vezes.
“Permitimos que elas ficassem com Guida durante a noite, tendo o tempo necessário para prestar suas homenagens e se despedirem dela. É comum que elefantes honrem a morte dos membros de sua família”, afirma Scott.
Maia continuou perto da amiga morta durante a madrugada desta quarta-feira (26). Ela apenas se afastou após a chegada de uma equipe de patologistas da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que foi ao santuário para fazer a necropsia do corpo de Guida.
Os especialistas irão investigar as causas da morte da elefanta. Não há previsão para os resultados dos exames.
Os representantes do SEB comentam que ainda não há suspeitas sobre a causa da morte de Guida.
“Ela estava muito bem dias antes. O falecimento dela foi uma surpresa. O que imaginamos é que há impacto do período em que ela sofreu maus-tratos e exploração”, diz Daniel Moura.
Nos próximos dias, o corpo de Guida será enterrado em uma área do santuário.
Fonte: BBC

Oito anos depois de chocar o Brasil, safári de caça a onças no Pantanal teve maior parte dos crimes prescritos.

Um vídeo mostrando uma onça-pintada despencando de uma árvore após levar um tiro chocou o país em 6 de maio de 2011, quando o Jornal Nacional divulgou os vídeos de um safári de caça a onças-pintadas e outros animais silvestres em Mato Grosso do Sul. Oito anos depois, o que começou com uma investigação da Polícia Militar Ambiental do estado e se transformou em uma operação da Polícia Federal acabou se arrastando na Justiça.

Agora, boa parte dos crimes pelos quais os réus foram denunciados já prescreveu, o que quer dizer que o período em que a Justiça poderia julgar e puni-los foi esgotado. Além disso, dois dos sete réus originais já não podem mais responder pelos crimes.
A decisão judicial mais recente foi publicada na segunda-feira (17) pela Vara Criminal de Aquidauana, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJ-MS), e determinou a prescrição de seis das 11 acusações às quais respondem os cinco réus ainda listados. O G1 procurou os advogados de defesa, mas só conseguiu contato com o de uma das rés no processo (veja abaixo o que diz a defesa dela).
As dificuldades que as autoridades encontram para fiscalizar e, depois, para punir o crime de caça de animais silvestres e a pesca ilegal são o tema das reportagens deste mês do Desafio Natureza do G1.
Um levantamento feito junto às instâncias estaduais e federais mostra que, atualmente, o Pantanal tem um fiscal a cada 204 km² para combater esses e outros crimes ambientais.
Ao mesmo tempo em que as autoridades não conseguem colocar policiais ou fiscais em todos os rios e fazendas do Pantanal, as probabilidades de punir crimes como a caça caem drasticamente quando os autores não são pegos em flagrante.
Por isso, o vídeo obtido por policiais mostrando as pessoas atirando e matando a onça na Fazenda Santa Sofia, uma reserva de proteção natural no sul de Mato Grosso do Sul, passou a ser considerado uma peça chave na tentativa de levar o caso à esfera penal.

Crimes ambientais

As acusações contra os réus nesse caso envolveram três leis diferentes: a Lei de Crimes Ambientais, o Código Penal e o Estatuto do Desarmamento.
A primeira delas teve sua redação mais recente definida em 1998, e determina que é crime “matar, perseguir, caçar, apanhar e utilizar espécimes da fauna silvestre” sem autorização. A pena, no caso de matar uma onça-pintada, é ainda maior, porque trata-se de uma espécie em extinção.
O processo também teve o agravante de que o safári acontecia em um território destinado à conservação da natureza.
Os cinco réus ainda listados no processo também respondiam por associação criminosa, um artigo do Código Penal, mas essa acusação prescreveu para todos eles na decisão judicial da semana passada.

Safári de caça a onças

Dos cinco réus atuais, a proprietária da fazenda, Beatriz Rondon, era a que respondia pelo maior número de acusações. Eram cinco os crimes imputados a ela — além da lista acima, ela também foi denunciada em outro ponto da Lei de Crimes Ambientais, e por posse e porte ilegal de armas e munições, ferindo artigos do Estatuto do Desarmamento.
No vídeo obtido pela Polícia Federal durante a investigação, que teria sido feito por estrangeiros, é Beatriz quem aparece comentando sobre uma onça-pintada fêmea que havia acabado de ser morta pelo grupo.
“É uma grande fêmea muito bonita. E estava comendo minhas vacas aqui”, diz ela nas filmagens.
A Fazenda Santa Sofia tem status de Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), um tipo de unidade de conservação no qual o terreno é privado e o próprio dono toma a iniciativa de transformá-lo em um território de conservação perpétua, tanto dos rios e recursos naturais quanto da diversidade biológica.

O que diz a defesa

Ao G1, Rene Siufi, advogado de Beatriz, afirmou que, a partir da decisão judicial proferida no dia 17, a ré agora responde apenas pelo porte ilegal de arma. No caso dela, as acusações por caça ilegal já prescreveram em 2018, porque ela tem mais de 70 anos, o que faz com que o período até a prescrição caia pela metade.
Na decisão deste mês, as acusações de associação criminosa e posse ilegal de arma também foram extintas porque a dona da fazenda não pode mais responder por elas.
“Ela ficou no crime de desarmamento, de arma sem porte, sem nada. Então esse processo vai continuar”, afirmou Siufi, ressaltando que as armas apreendidas na fazenda da pecuarista “são registradas no quartel como arma de coleção”. Das cinco acusações, o crime de porte ilegal de arma é o que tem a pena mais rígida.
Henrique Gabriel Dimidiuk, que defende Juscelino Machado Araripe, outro dos cinco réus, enviou um comunicado ao G1 na tarde desta terça-feira (25). Nele, o advogado diz acreditar que a Justiça vai determinar a prescrição dos crimes, “vez que, sendo reconhecida apenas uma das atenuantes, a pena em concreto ficaria abaixo dos quatro anos, e se concretizaria o instituto que determina a perda da pretensão punitiva estatal”.
“Portanto”, continuou Dimidiuk, “não adianta um processo ir até a sentença ou acórdão final para só então ser declarado prescrito, o que deve ser feito antecipadamente pelo juiz quando, em uma analise sucinta do caso, concorram as circunstâncias que farão com que a pena aplicada permita o reconhecimento da prescrição”.

O que diz a acusação

G1 procurou o Ministério Público Estadual, responsável pela acusação no processo. A promotora Angélica de Andrade Arruda afirmou que o MPE não vai recorrer da decisão sobre a prescrição dos crimes.
Segundo a promotora, os fatos “ocorreram entre os dias 27 de junho e 08 de julho de 2004”, e dois fatores auxiliaram na prescrição das acusações: “as penas cominadas aos crimes ambientais ainda são muito brandas em nosso país” e a idade de Beatriz “faz com que os prazos prescricionais sejam reduzidos de metade”.
Por isso, diz ela, a prescrição “ocorreu antes mesmo da instauração do inquérito policial, (instaurado em 2011) quando os fatos (ocorridos em 2004) vieram à tona”.
Pantanal tem um fiscal a cada 204 km² para combater a caça e a pesca ilegal

Esferas judiciais

Desde 2011, o processo já tramitou em duas esferas judiciais diferentes. Inicialmente, a investigação que havia começado na Polícia Militar Ambiental (PMA-MS) passou para as mãos da Polícia Federal em função do envolvimento de estrangeiros.
Por isso, o caso foi levado, em 2011, à 5ª Vara da Justiça Federal de Mato Grosso do Sul. Mas, em 26 de novembro de 2012, ele foi “encaminhado à Justiça Estadual da Comarca de Aquidauana/MS”, segundo afirmou ao G1o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). O motivo, segundo o TRF-3, foi o “declínio de competência”.
Ele precisou, então, recomeçar na esfera estadual, agora com o Ministério Público Estadual (MPE) à frente da acusação. A distribuição por sorteio no Tribunal de Justiça (TJ-MS) aconteceu em 3 de dezembro de 2012, junto com a entrega dos autos ao Ministério Público.
O inquérito só retornou ao TJ-MS em maio de 2015, quando começaram as citações e intimações. Mas o advogado de Beatriz Rondon explicou que o processo ainda está nos estágios iniciais, e nenhuma testemunha foi ouvida.
“Teve a denúncia, agora o juiz verificou nos autos, constatou que 20 testemunhas têm que ser ouvidas ainda. Primeiro testemunha de acusação, defesa. Depois há o interrogatório dos acusados”, afirmou o advogado Rene Siufi.

O que dizem os demais réus

G1 procurou a defesa do terceiro réu que tem advogados constituídos no processo, mas a defesa não retornou as ligações até a publicação desta reportagem.
Outros dois réus são estrangeiros, não têm advogados constituídos e, segundo as informações públicas do processo, não foram encontrados para intimação. Um deles foi intimado por edital e, segundo o juiz Ronaldo Gonçalves Onofri, “a presente ação penal (…) está com o seu processamento suspenso em decorrência da não citação e intimação” do outro estrangeiro, de origem búlgara.
Por isso, na decisão da semana passada, a Justiça determinou o desmembramento do processo dele em relação ao dos demais réus, para não “comprometer a esperada celeridade ou razoável duração do processo”.
Fonte: G1

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Por que a China empresta e aluga pandas a zoológicos ao redor do mundo.

Wang Wang e Funi foram da China para a Austrália há uma década. Complicada, seria a melhor forma de descrever a relação deles. Apesar da considerável assistência médica, nunca conseguiram procriar. E isso coloca um grande ponto de interrogação sobre se serão autorizados a permanecer na Austrália.

O destino dos dois pandas gigantes vai depender da decisão do novo governo australiano, já que para manter o casal no jardim zoológico de Adelaide, na Austrália do Sul, a Austrália terá que pagar cerca de 1 milhão de dólares australianos por ano ao governo chinês.
É apenas mais um capítulo na história de uma espécie icônica em que a política, a economia e a diplomacia internacional muitas vezes ofuscam a questão da conservação.

Programa de reprodução em cativeiro

A China tem atualmente pandas emprestados (ou alugados) para 26 zoológicos em 18 países. O mais recente a integrar a seleta lista foi o zoológico de Ähtäri, na Finlândia, que recebeu dois pandas em um empréstimo de 15 anos em 2018. O zoológico de Copenhague, na Dinamarca, aguarda ansiosamente dois pandas que devem chegar em abril.
Oficialmente, tudo isso faz parte de um programa de reprodução em cativeiro para ajudar a salvar a espécie da extinção. Embora seu status de conservação não seja mais “ameaçado” (foi atualizado para “vulnerável” em 2016), existem apenas de 500 a 1 mil pandas adultos vivendo em meio à vida selvagem, em seis cadeias de montanha isoladas no centro-sul da China.
As estadias no exterior ampliam as 67 reservas da China dedicadas à conservação de pandas. Qualquer filhote nascido fora do país é propriedade da China e normalmente retorna ao território chinês para continuar o programa de reprodução em cativeiro.
Mas o número de nascimentos em zoológicos tem sido bastante baixo. Como Bill McShea, “o cara dos pandas” na Smithsonian Institution, destaca, os animais que vivem na natureza têm menos problemas de acasalamento ou reprodução.
“Na natureza, agrupamentos de pandas machos se formam ao longo do topo das colinas na primavera, e um fluxo de visitantes fêmeas no cio mantém intensa a atividade de acasalamento.”
Os jardins zoológicos não conseguem imitar essas condições. E, como os pandas gigantes são animais solitários, eles são alojados separadamente, exceto nos poucos dias do ano em que a fêmea está pronta para acasalar.
Como não há escolha de parceiros em cativeiro, o acasalamento natural é raro. A maioria dos nascimentos é resultado de tratamentos de fertilização in vitro.

Questões comerciais

Isso não quer dizer que as estadias em zoológicos no exterior não tenham valor de conservação. Mas outros objetivos estratégicos, como melhorar a imagem pública da China e consolidar as relações comerciais, pesam bastante.
Por exemplo, a nova jaula de pandas do zoológico de Berlim, na Alemanha, foi inaugurada pouco antes da cúpula do G20 em Hamburgo, em 2017. A abertura contou com a presença da chanceler alemã, Angela Merkel, e do presidente chinês, Xi Jingping.
O evento foi interpretado como um sinal do endosso da China à Alemanha como concorrente dos Estados Unidos à liderança do mundo ocidental.
A decisão de 2012 da China de enviar quatro pandas para os zoológicos de Toronto e Calgary, no Canadá, estava ligada a negociações comerciais bem-sucedidas, particularmente sobre um Acordo de Proteção ao Investimento Estrangeiro, após quase 20 anos de negociação.
A chegada de dois pandas ao zoológico de Edimburgo, na Escócia, em 2011 estava vinculada a transações comerciais no valor de bilhões de dólares.
Já o empréstimo do casal de pandas para o zoológico de Adelaide, foi anunciado pelo então presidente chinês, Hu Jintao, na cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) em Sydney, em 2007.
No mesmo dia, o então primeiro-ministro australiano, John Howard, e o presidente Hu também anunciaram planos para um “diálogo de segurança” anual.

Embaixadores peludos

Acredita-se que a diplomacia dos pandas data do século 7, quando a imperatriz Wu Zetian enviou um casal de presente para o Japão. No século 20, Mao Tsé-Tung abraçou a estratégia, presenteando nações comunistas com pandas.
Quando Richard Nixon foi para a China em 1972, Deng Xiaoping deu dois pandas a ele. Desde então, os animais têm sido majoritariamente destinados a nações capitalistas ricas. Há duas razões para isso.
Primeiramente, a China usa os pandas para melhorar sua imagem e aprofundar relações com países capazes de fornecer recursos valiosos e tecnologia. Isso foi habilmente descrito como um exercício de “soft cuddly power”, que pode ser traduzido como “poder de influência suave e carinhoso”.
Em segundo lugar, desde o devastador terremoto de Sichuan, em 2008, a China usou empréstimos de pandas para pagar os esforços locais de conservação, reformar instalações de conservação danificadas e conduzir pesquisas com pandas gigantes.

Relação financeira

Para os zoológicos beneficiários, manter os pandas é um negócio caro. Considere os custos do jardim zoológico de Adelaide, mesmo com o governo federal cobrindo a taxa de aluguel anual dos pandas de 1 milhão de dólares australianos. Desde o início, o zoológico se endividou para construir uma jaula especial para pandas (avaliada em cerca de 8 milhões de dólares australianos).
Cuidar de cada um deles também custa centenas de milhares de dólares por ano. O panda é o animal mais caro para se manter em um zoológico – custa cerca de cinco vezes mais do que um elefante.
A alimentação por si só é uma dor de cabeça logística. Os pandas gigantes não são biologicamente herbívoros, mas por algum motivo eles começaram a gostar de bambu há cerca de 6 mil anos e deixaram de ter uma dieta variada, incluindo carne.
O bambu, no entanto, é pobre em nutrientes e de difícil digestão, o que significa que os pandas têm que comer muito e depois descansar.
Por dia, um panda adulto pode mastigar cerca de 12 quilos de bambu fresco – e, como eles são exigentes, precisam receber mais do que o dobro dessa quantidade.
Tudo isso significa que um panda deve ser tratado como uma proposta de negócio. Haverá retorno do investimento? Seu custo será justificado pelos visitantes extras que o zoológico vai atrair?
O zoológico de Adelaide tinha altas expectativas que foram rapidamente frustradas. Como aconteceu em outros zoológicos, foi registrado um grande pico inicial no número de visitas, mas em 2010 o número de visitantes retornou aos níveis pré-panda.
Ficou claro que Funi e Wang Wang não acrescentariam em receitas obtidas pelo zoológico os 600 milhões de doláres australianos previstos à economia da Austrália do Sul ao longo de uma década.
Em seu ano de lua de mel, a pesquisa sugere que eles arrecadaram apenas 28 milhões de dólares australianos. Mas a chegada de um bebê panda melhoraria consideravelmente seu valor de atração.

Além do valor financeiro

Por isso, é fácil entender por que alguns chamam os pandas de elefantes brancos.
Mas não podemos esquecer da importante contribuição da diáspora dos pandas para retirar o animal da lista de espécies “ameaçadas”.
Parte disso se deve às taxas de empréstimo pagas à China. O dinheiro financiou pesquisas e projetos de conservação de pandas em Bifengxia e Wolong, na província chinesa de Sichuan.
Há também valor nos tratadores dos zoológicos, veterinários e cientistas australianos que fazem parte de uma rede global de conhecimento.
Ainda sabemos muito pouco sobre o comportamento dos pandas e os efeitos ambientais que os colocam em risco.
Fizemos uma pequena contribuição com nossa própria pesquisa sobre estratégias para reduzir o estresse de pandas gigantes em cativeiro.
Se Funi e Wang Wang permanecerem em Adelaide, o zoológico tem potencial para fornecer mais conhecimento valioso.
Como cientistas que se preocupam com animais e seu bem-estar, acreditamos que é importante lembrar também que o casal ajudou a conectar milhares de crianças e adultos à natureza.
Esses dois pandas gigantes têm personalidade própria e um vínculo forte com as pessoas que cuidam deles todos os dias.
A natureza não é apenas um bem econômico, mas vital para nossa sobrevivência. Se você ainda não visitou Funi e Wang Wang, aproveite a oportunidade enquanto há tempo.
*Jillian Ryan é pesquisadora de pós-doutorado na CSIRO, órgão nacional para pesquisa científica na Austrália, e Carla Litchfield é professora na Escola de Psicologia, Serviço Social e Política Social da Universidade da Austrália do Sul.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.
Fonte: BBC

Letreiro famoso de Amsterdã é reinstalado em protesto pela preservação da Amazônia.

Um protesto da ONG Greenpeace reinstalou o letreiro gigante que ficava em frente ao Museu Nacional de História e Arte dos Países Baixos, o Rijksmuseum, em Amsterdã, na Holanda. Entretanto, a mensagem agora foi alteradas para exibir a “I amazonia” em um ato para chamar a atenção para a preservação da floresta.

O letreiro original, com 22 metros de extensão por 3 metros de altura, foi removido em dezembro de 2018 após 14 anos de sucesso. Ele foi retirado do local por autoridades municipais por causa da concentração de pessoas no local. O marco era dos principais destinos de instagrammers e turistas.
“Apenas quando uma coisa se vai é que percebemos o quanto sentimos falta. A icônica placa atraiu a admiração e as lentes das câmeras de milhões de pessoas em todo o mundo. Ao trazê-la de volta como ‘Iamazonia’, o Greenpeace não apenas pede a proteção urgente da maior floresta tropical remanescente no mundo, mas também envia uma forte mensagem de solidariedade ao povo indígena e comunidades tradicionais que protegem a Amazônia contra o desmatamento”, disse Sigrid Deters, ativista de florestas e biodiversidade do Greenpeace Holanda.
Fonte: G1

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Por que diferença de temperatura entre Atlântico e Pacífico aumentou inundações extremas do rio Amazonas.

Algo preocupante está acontecendo no rio Amazonas, segundo um novo estudo. As inundações extremas causadas pelas enchentes do rio quintuplicaram nas últimas duas décadas. E a explicação para este fenômeno está em uma importante diferença entre o oceano Atlântico e o oceano Pacífico, na altura da linha do Equador, segundo os cientistas.

Os pesquisadores primeiro analisaram os registros dos níveis do rio Negro em seu encontro com o Amazonas, que foram computados em Manaus durante mais de um século.
“Em 1902, uma régua foi colocada no leito do rio Negro e se começou a medir seu nível diariamente, já que isso é representativo do braço principal do Amazonas”, explicou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, o especialista em clima Jonathan Barichivich, da Universidade Austral do Chile, líder do estudo.
“Esse registro se manteve até o presente e é o registro mais longo dos rios da Amazônia.”
Os registros detalhados permitiram constatar que a frequências das inundações extremas havia aumentado de forma dramática. Na primeira parte do século 20, esses eventos aconteciam aproximadamente uma vez a cada duas décadas.
Mas, segundo Barichivich e seus colegas do Brasil, da Inglaterra, da França e do Peru, as inundações extremas do Amazonas ocorrem agora pelo menos uma vez a cada quatro anos.
O estudo foi divulgado na revista Science Advances.

A régua de Manaus

De acordo com o pesquisador, o Amazonas tem, todos os anos, uma variação em seu nível porque há uma estação chuvosa e outra seca.
“Ou seja, todos os anos o rio sobe e há inundações. Isso é normal”, explica.
No entanto, “quando o rio ultrapassa um nível de 29 metros na régua, a cidade de Manaus começa a inundar, e é aí que se declara o estado de emergência”.
“Por isso dizemos que, se o rio ultrapassa esse nível, a inundação é extrema”, disse.
Por outro lado, os pesquisadores já sabiam que o ciclo hidrológico da bacia do Amazonas estava se intensificando – a estação seca está se tornando mais seca e a estação chuvosa, mais chuvosa. Mas por quê?

Temperaturas diferentes

“Encontrar a causa foi o que nos tomou mais tempo”, admitiu Barichivich.
“É preciso entender como funciona o sistema climático da bacia do Amazonas. E o que está acontecendo é que, no contexto do clima tropical, houve uma mudança forte desde 1998: o Pacífico tropical esfriou muito rápido, enquanto que o Atlântico tropical esquentou muito rápido.”

Os pesquisadores até agora não tinham uma visão clara de como essa mudança nas temperaturas do oceanos estavam afetando o ciclo de chuvas e inundações nos trópicos.
Mas o estudo conclui que o aumento das chuvas que causam as enchentes se deve à aceleração de uma corrente atmosférica chamada “circulação de Walker”, que conecta ambos os oceanos “como uma ponte atmosférica”.
“A circulação de Walker é uma corrente atmosférica (composta de ar e vapor d’água) tropical que vai de leste a oeste e se movimenta por causa das diferenças de temperatura e de pressão entre os oceanos”, explica.
“O Pacífico estava esfriando muito rapidamente e o Atlântico, esquentando muito rapidamente. Como há uma diferença maior de temperatura entre os dois oceanos, a circulação e o transporte do vapor de água entre eles ficam mais acelerados.”
“Na Amazônia, há uma zona onde este ar ascende e, como a circulação de ar se acelera, há mais convecção – ou seja, há mais chuva durante a estação chuvosa e os níveis dos rios sobem mais rápido”, afirma.
Para Manuel Gloor, professor do Departamento de Geografia da Universidade de Leeds, na Inglaterra, e outro dos autores do estudo, o efeito desta aceleração da circulação de Walker é “aproximadamente o oposto do que ocorre durante um evento de El Niño”.
“Em vez de causar secas, há mais chuvas intensas na parte norte e na parte central da bacia amazônica”, disse à BBC News Mundo.

A ‘força extra’ do Atlântico

O oceano Pacífico tem oscilações naturais, com uma fase quente e outra fria que duram várias décadas. Atualmente estamos saindo de uma fase fria.
No entanto, os cientistas também descobriram um fenômeno surpreendente nesta complexa cadeia de eventos oceânicos e atmosféricos. Agora se sabe também que o Atlântico desempenhou um papel crucial no rápido esfriamento do Pacífico.
“Sabemos que o Atlântico teve esse papel central porque os modelos de clima indicam que ele fez com que o Pacífico esfriasse mais do que deveria apenas pela variabilidade natural”, diz Barichivich.
“É como uma força extra, e grande parte desse esfriamento do Pacífico se deve ao aquecimento do Atlântico.”
Por isso, outra das perguntas-chave para os climatologistas é: a que se deve o rápido aumento de temperatura no Atlântico?
Em parte, esse aumento se explica porque o oceano Atlântico “está em uma fase quente natural de várias décadas”, segundo o pesquisador chileno.
Além disso, diz ele, o Atlântico “recebe o impacto do aquecimento global”.
Por um lado, a mudança climática impacta no Atlântico de forma direta, devido ao aumento da temperatura do oceano por efeito dos gases do efeito estufa. Mas há também um impacto indireto da mudança climática.
“Acreditamos que parte do aquecimento do Atlântico se deve à passagem das águas do oceano Índico, que também esquentou muito rapidamente.”
De acordo com Manuel Gloor, essa passagem se dá através de redemoinhos da corrente oceânica Agulhas, que transporta água quente do oceano Índico na direção sul até o extremo sul da África. Quando eles alcançam o oceano Atlântico, podem ser transportados até o Atlântico tropical.
“Mas esta chegada ao Atlântico só foi possível recentemente, porque os cinturões de vento do hemisfério Sul se moveram mais para o sul, possivelmente por causa do aquecimento global e do buraco na camada de Ozônio”, afirma.
“Esta mudança nos ventos abriu uma comporta do oceano Índico para o Atlântico.”

A possibilidade de prever as inundações na Amazônia

Para Barichivich, a mensagem do estudo é que “o que acontece com o Atlântico tropical tem um papel muito importante para a Amazônia, tanto para secas como para inundações extremas”.
Mas é importante para comunidades e autoridades saberem que “o contraste de temperaturas entre o Pacífico e o Atlântico tropical pode ser previsto com até três anos de antecedência nos modelos de previsão climática”.
Para efeitos de comparação, o fenômeno El Niño no Pacífico tropical só pode ser previsto cerca de um ano antes.
Para o climatologista chileno, a possibilidade de antecipar a diferença de temperatura entre os oceanos “nos dá uma oportunidade de melhorar a previsão das inundações extremas”.
No momento, o que está em jogo com estas previsões é a segurança de milhares de pessoas.
“O impacto das inundações é desastroso para as cidades e comunidades ribeirinhas. Pensem que a Amazônia foi povoada através de rios que são como estradas”, diz Barichivich.
“Um dos maiores problemas, pelo menos em Manaus, é que o rio pode ficar acima de 29 metros durante 60 dias ou mais. Nesse período, as pessoas sequer conseguem voltar para suas casas. E isso acontece com cada vez mais frequência.”
Fonte: BBC