Como as ervas daninhas podem ajudar a combater as mudanças climáticas.
Há mais de 60 anos, quando era criança, o fazendeiro Peter Andrews viu sua primeira tempestade de poeira. Ele ainda se lembra.
“O barulho era horrível”, diz ele. “Nós nos escondemos na casa esperando ela passar. O céu inteiro estava escuro. E o estrago que vimos no dia seguinte foi ainda mais terrível”.
O vento destruiu totalmente muitas das árvores da propriedade de sua família. Muitos de seus cavalos e gado foram asfixiados sem conseguir respirar na poeira.
Essa experiência o levou a um chamado: tentar recuperar a terra da Austrália, já que as tempestades de poeira ocorrem em regiões áridas e quentes onde há pouca vegetação para ancorar o solo.
“Isso realmente me levou a pensar em como achar soluções para manter o equilíbrio da terra”, diz Andrews. “Durante muitas décadas eu aprendi, através da observação, como manter a terra fértil, como cada terreno tem seu próprio sistema natural. Aqui na Austrália, destruímos a terra com o estilo europeu de agricultura. Precisamos achar uma maneira de recuperar a terra”.
Nos anos 1970 e 1980, Andrews começou a se interessar por agricultura sustentável. Ele olhou para as passagens de água e para as plantas crescendo em sua propriedade e tentou evitar fertilizantes e herbicidas. Ele queria tornar a fazenda o mais resiliente ao tempo possível.
Um grande problema era a seca. Outro era que as ervas daninhas cresciam na propriedade enquanto as plantas nativas não.
Ele percebeu duas coisas. Primeiro, que as plantas são fundamentais para manter o balanço da terra. Segundo, que a água também.
Todo terreno, percebeu ele, tem seus próprios contornos – um ponto onde a água se origina e um ponto onde ela flui. Para recuperar um terreno, você começa no ponto mais alto, devagar passa para a corrente de água e então trabalha dali adiante, filtrando a água com a vegetação que houver ali. Essa foi a gênesis de sua ideia de agricultura em sequência natural.
Ervas daninhas para água
Este foi o ano mais seco e quente na maior parte da Austrália. Um relatório científico recente mostra como o último verão no país foi caracterizado por “ondas de calor continentais e prolongadas, recordes de temperatura, queimadas em toda a Austrália e chuvas torrenciais e inundações no norte de Queensland”.
As mudanças climáticas e as limpezas de terra levaram a temperaturas e a um clima intensos na Austrália, diz o relatório, e “os últimos quatro anos têm sido os mais quentes registrados”. Muitas pessoas que não conseguem plantar ou alimentar gado e ovelhas estão abandonando sua fazendas como resultado disso.
Pesquisas do Conselho de Conservação Natural da Austrália (NCC, na sigla em inglês) também apontam para o problema do desmatamento, especialmente na região de New South Wales – “em uma escala jamais vista em mais de 20 anos”, diz a executiva-chefe do NCC Kate Smolski.
O relatório da NCC explica que destruir florestas implica em menos árvores para “fazer chuva, esfriar o clima e guardar carbono”.
É por causa dessas condições em declínio, além do desmatamento, que Andrews chama a Austrália de “laboratório do mundo quando se trata de adaptação ao clima”.
A agricultura de sequência natural tem quatro elementos principais. Primeiro, restaurar a fertilidade para melhorar o solo; depois, aumentar a quantidade de água subterrânea; o terceiro é restabelecer a vegetação, incluindo ervas daninhas se necessário; e quarto entender as necessidades únicas de uma paisagem específica.
As ideias de Andrews não são universalmente aceitas. Por décadas, ele foi visto por muitos como um aventureiro. Ele não é um cientista e foi apenas em 2013 que evidências científicas apontaram que a agricultura de sequência natural pode ser eficaz.
Alguns críticos questionam se uma gestão melhor da terra e deixar de usar métodos destrutivos de agricultura (como cortar árvores) já bastariam. Outros discordam da sugestão de usar ervas daninhas – projetos de conservação geralmente promovem a plantação endêmica (com espécies naturais do local) em vez de trabalhar com plantas invasivas, já que acredita-se que elas competem por água.
Mas um projeto local piloto de agricultura de sequência natural na Austrália parece estar comprovando as ideias de Andrews sobre a eficácia das ervas daninhas – ao menos em uma escala pequena, por enquanto. O piloto fica em Mulloon Creek e é uma rede de fazendas orgânicas que usam e promovem o trabalho de Andrew.
A Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas anunciou em 2016 que as Fazendas Naturais de Mulloon Creek são um dos poucos locais do mundo realmente sustentáveis e recomendou o modelo de agricultura de sequência natural.
Em Mulloon Creek, eu conheci Gary Nairn, chefe do Instituto Mulloon, uma organização de pesquisa e ensino para agricultura regenerativa e sustentável que promove o trabalho de Andrew. Ele aponta para os mirtilos invasivos que sua equipe cortou; os arbustos ceifados agora estão concentrados em uma parte da lagoa, ajudando a filtrá-la. Ao me aproximar, ouço o som de água corrente e pássaros pequenos.
O Instituto Mulloon, que fica em um galpão ao lado de uma lagoa batizada em homenagem a Andrews, ensina métodos de agricultura de sequência natural a fazendeiros, cientistas e universitários. O instituto também trabalha com várias universidades australianas para monitorar a água ao longo do córrego.
“Os cientistas mostraram que a agricultura de sequência natural realmente aumenta a corrente de água, fazendo crescer o lençol freático”, explica Nairn.
Sua equipe agora está trabalhando em um córrego de 43km que cruza 20 mil hectares de fazenda para construir uma represa com mais ervas daninhas, assim como uma parede de barragem. As represas são feitas de pedras e as fendas entre as pedras são preenchidas com ervas-daninhas de mirtilos para filtrar e diminuir a corrente do rio.
Apesar de ter tão pouca chuva, o córrego agora segue de novo e as pastagens que antes eram solo árido corroído pela seca estão se tornando verdes. Isso é porque as ervas-daninhas estão funcionando, deixando o solo absorver mais umidade e permitindo o crescimento de plantas nas barreiras da água.
“As ervas daninhas e as represas tiram a energia da água, hidratando de novo o terreno”, diz Nairn.
O processo todo é um pouco como criar “esponjas gigantes com ervas daninhas”, diz ele.
“O que aprendemos é nunca tirar uma erva daninha até que você saiba qual era seu propósito. Muitas ervas daninhas geralmente significam que há algo errado com a fertilidade da terra. Se você a retira, você precisa substituí-la com outra planta”, diz ele.
Mas essas ervas podem ser cortadas e colocadas em um corpo d’água, como na lagoa do lado de fora do Instituto Mulloon.
De acordo com Nairn, dessa forma plantas nativas da Austrália vão crescer de novo aos poucos. De fato, algumas já estão crescendo ao longo do córrego.
Tanque de carbono
A beleza das ervas daninhas é que elas também atuam como um tanque de carbono: um sistema que tira o gás da atmosfera e o guarda de outra forma. Isso pode ajudar a controlar as mudanças climáticas.
Christa Anderson, uma pesquisadora de clima do Fundo Mundial da Natureza nos EUA, explica que a quantidade de dióxido de carbono passível de ser absorvida por um ecossistema depende de sua localização e administração.
“Enquanto as florestas têm o maior potencial para armazenar carbono e portanto podem ajudar a mitigar a emissão de poluentes, há também uma série de práticas de agricultura que também podem aumentar o armazenamento de carbono”, diz Anderson.
“Precisamos remover o carbono da atmosfera melhorando a administração de florestas, protegendo e restaurando pantanais, turfeiras e ervas daninhas”.
Alguns cientistas estão agora se perguntando se até mesmo projetos pequenos como o de Mulloon Creek podem funcionar como tanque de carbono para restaurar habitats, caso outros fazendeiros também criem “esponjas gigantes de ervas daninhas”.
“Quando você contém a água no terreno, você coloca o carbono de volta nele também e o torna mais produtivo e sustentável”, diz Nairn.
Isso é importante porque muitas florestas estão sendo extintas diante da agricultura de massa, e por isso tanques de carbono estão desaparecendo. Partes das regiões de New South Wales e Queensland se tornaram áridas devido ao desmatamento. Mas, tonelada por tonelada, solos e plantas armazenam duas vezes mais carbono que a atmosfera – então mais, e não menos plantas, são necessárias para absorver nossa produção cada vez maior de carbono pela queima de combustíveis fósseis.
A questão é se projetos pequenos como esse serão o suficientes para trazer as fazendas de volta à vida, dadas as taxas enormes de desmatamento e degradação do solo.
Nairn acredita que há motivos para ser otimista. “Você só precisa da vontade de fazê-lo”, diz ele. “O que nos orgulhamos é de dar esperança aos jovens com a agricultura de sequência natural – esperança que você ainda pode viver na terra se administrar melhor água e plantas”.
Peter Andrews concorda, apesar de dizer que nunca gostou do termo agricultura de sequência natural.
“O nome me irrita. É apenas observação do terreno e transformá-lo no que era na melhor maneira que você puder. Toda planta tem um propósito”.
Enquanto os líderes do mundo debatem se, quando e como as emissões de carbono devem ser cortadas, uma farmácia sustentável em Mulloon Creek na Austrália está mostrando como ervas daninhas “low-tech” podem ajudar a armazenar carbono e fazer um rio correr de novo. É uma pequena mas significativa solução para um problema global sério.
Fonte: BBC
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