Por que a China empresta e aluga pandas a zoológicos ao redor do mundo.
Wang Wang e Funi foram da China para a Austrália há uma década. Complicada, seria a melhor forma de descrever a relação deles. Apesar da considerável assistência médica, nunca conseguiram procriar. E isso coloca um grande ponto de interrogação sobre se serão autorizados a permanecer na Austrália.
O destino dos dois pandas gigantes vai depender da decisão do novo governo australiano, já que para manter o casal no jardim zoológico de Adelaide, na Austrália do Sul, a Austrália terá que pagar cerca de 1 milhão de dólares australianos por ano ao governo chinês.
É apenas mais um capítulo na história de uma espécie icônica em que a política, a economia e a diplomacia internacional muitas vezes ofuscam a questão da conservação.
Programa de reprodução em cativeiro
A China tem atualmente pandas emprestados (ou alugados) para 26 zoológicos em 18 países. O mais recente a integrar a seleta lista foi o zoológico de Ähtäri, na Finlândia, que recebeu dois pandas em um empréstimo de 15 anos em 2018. O zoológico de Copenhague, na Dinamarca, aguarda ansiosamente dois pandas que devem chegar em abril.
Oficialmente, tudo isso faz parte de um programa de reprodução em cativeiro para ajudar a salvar a espécie da extinção. Embora seu status de conservação não seja mais “ameaçado” (foi atualizado para “vulnerável” em 2016), existem apenas de 500 a 1 mil pandas adultos vivendo em meio à vida selvagem, em seis cadeias de montanha isoladas no centro-sul da China.
As estadias no exterior ampliam as 67 reservas da China dedicadas à conservação de pandas. Qualquer filhote nascido fora do país é propriedade da China e normalmente retorna ao território chinês para continuar o programa de reprodução em cativeiro.
Mas o número de nascimentos em zoológicos tem sido bastante baixo. Como Bill McShea, “o cara dos pandas” na Smithsonian Institution, destaca, os animais que vivem na natureza têm menos problemas de acasalamento ou reprodução.
“Na natureza, agrupamentos de pandas machos se formam ao longo do topo das colinas na primavera, e um fluxo de visitantes fêmeas no cio mantém intensa a atividade de acasalamento.”
Os jardins zoológicos não conseguem imitar essas condições. E, como os pandas gigantes são animais solitários, eles são alojados separadamente, exceto nos poucos dias do ano em que a fêmea está pronta para acasalar.
Como não há escolha de parceiros em cativeiro, o acasalamento natural é raro. A maioria dos nascimentos é resultado de tratamentos de fertilização in vitro.
Questões comerciais
Isso não quer dizer que as estadias em zoológicos no exterior não tenham valor de conservação. Mas outros objetivos estratégicos, como melhorar a imagem pública da China e consolidar as relações comerciais, pesam bastante.
Por exemplo, a nova jaula de pandas do zoológico de Berlim, na Alemanha, foi inaugurada pouco antes da cúpula do G20 em Hamburgo, em 2017. A abertura contou com a presença da chanceler alemã, Angela Merkel, e do presidente chinês, Xi Jingping.
O evento foi interpretado como um sinal do endosso da China à Alemanha como concorrente dos Estados Unidos à liderança do mundo ocidental.
A decisão de 2012 da China de enviar quatro pandas para os zoológicos de Toronto e Calgary, no Canadá, estava ligada a negociações comerciais bem-sucedidas, particularmente sobre um Acordo de Proteção ao Investimento Estrangeiro, após quase 20 anos de negociação.
A chegada de dois pandas ao zoológico de Edimburgo, na Escócia, em 2011 estava vinculada a transações comerciais no valor de bilhões de dólares.
Já o empréstimo do casal de pandas para o zoológico de Adelaide, foi anunciado pelo então presidente chinês, Hu Jintao, na cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) em Sydney, em 2007.
No mesmo dia, o então primeiro-ministro australiano, John Howard, e o presidente Hu também anunciaram planos para um “diálogo de segurança” anual.
Embaixadores peludos
Acredita-se que a diplomacia dos pandas data do século 7, quando a imperatriz Wu Zetian enviou um casal de presente para o Japão. No século 20, Mao Tsé-Tung abraçou a estratégia, presenteando nações comunistas com pandas.
Quando Richard Nixon foi para a China em 1972, Deng Xiaoping deu dois pandas a ele. Desde então, os animais têm sido majoritariamente destinados a nações capitalistas ricas. Há duas razões para isso.
Primeiramente, a China usa os pandas para melhorar sua imagem e aprofundar relações com países capazes de fornecer recursos valiosos e tecnologia. Isso foi habilmente descrito como um exercício de “soft cuddly power”, que pode ser traduzido como “poder de influência suave e carinhoso”.
Em segundo lugar, desde o devastador terremoto de Sichuan, em 2008, a China usou empréstimos de pandas para pagar os esforços locais de conservação, reformar instalações de conservação danificadas e conduzir pesquisas com pandas gigantes.
Relação financeira
Para os zoológicos beneficiários, manter os pandas é um negócio caro. Considere os custos do jardim zoológico de Adelaide, mesmo com o governo federal cobrindo a taxa de aluguel anual dos pandas de 1 milhão de dólares australianos. Desde o início, o zoológico se endividou para construir uma jaula especial para pandas (avaliada em cerca de 8 milhões de dólares australianos).
Cuidar de cada um deles também custa centenas de milhares de dólares por ano. O panda é o animal mais caro para se manter em um zoológico – custa cerca de cinco vezes mais do que um elefante.
A alimentação por si só é uma dor de cabeça logística. Os pandas gigantes não são biologicamente herbívoros, mas por algum motivo eles começaram a gostar de bambu há cerca de 6 mil anos e deixaram de ter uma dieta variada, incluindo carne.
O bambu, no entanto, é pobre em nutrientes e de difícil digestão, o que significa que os pandas têm que comer muito e depois descansar.
Por dia, um panda adulto pode mastigar cerca de 12 quilos de bambu fresco – e, como eles são exigentes, precisam receber mais do que o dobro dessa quantidade.
Tudo isso significa que um panda deve ser tratado como uma proposta de negócio. Haverá retorno do investimento? Seu custo será justificado pelos visitantes extras que o zoológico vai atrair?
O zoológico de Adelaide tinha altas expectativas que foram rapidamente frustradas. Como aconteceu em outros zoológicos, foi registrado um grande pico inicial no número de visitas, mas em 2010 o número de visitantes retornou aos níveis pré-panda.
Ficou claro que Funi e Wang Wang não acrescentariam em receitas obtidas pelo zoológico os 600 milhões de doláres australianos previstos à economia da Austrália do Sul ao longo de uma década.
Em seu ano de lua de mel, a pesquisa sugere que eles arrecadaram apenas 28 milhões de dólares australianos. Mas a chegada de um bebê panda melhoraria consideravelmente seu valor de atração.
Além do valor financeiro
Por isso, é fácil entender por que alguns chamam os pandas de elefantes brancos.
Mas não podemos esquecer da importante contribuição da diáspora dos pandas para retirar o animal da lista de espécies “ameaçadas”.
Parte disso se deve às taxas de empréstimo pagas à China. O dinheiro financiou pesquisas e projetos de conservação de pandas em Bifengxia e Wolong, na província chinesa de Sichuan.
Há também valor nos tratadores dos zoológicos, veterinários e cientistas australianos que fazem parte de uma rede global de conhecimento.
Ainda sabemos muito pouco sobre o comportamento dos pandas e os efeitos ambientais que os colocam em risco.
Fizemos uma pequena contribuição com nossa própria pesquisa sobre estratégias para reduzir o estresse de pandas gigantes em cativeiro.
Se Funi e Wang Wang permanecerem em Adelaide, o zoológico tem potencial para fornecer mais conhecimento valioso.
Como cientistas que se preocupam com animais e seu bem-estar, acreditamos que é importante lembrar também que o casal ajudou a conectar milhares de crianças e adultos à natureza.
Esses dois pandas gigantes têm personalidade própria e um vínculo forte com as pessoas que cuidam deles todos os dias.
A natureza não é apenas um bem econômico, mas vital para nossa sobrevivência. Se você ainda não visitou Funi e Wang Wang, aproveite a oportunidade enquanto há tempo.
*Jillian Ryan é pesquisadora de pós-doutorado na CSIRO, órgão nacional para pesquisa científica na Austrália, e Carla Litchfield é professora na Escola de Psicologia, Serviço Social e Política Social da Universidade da Austrália do Sul.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.
Fonte: BBC
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