segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O cientista que percorre milhares de quilômetros para salvar uma das águias mais misteriosas da América do Sul.

Um encontro com uma águia morta mudou a vida do cientista argentino José Sarasola. Ele havia acabado de se formar na universidade e começava seus trabalhos de conservação ambiental na província de La Pampa, no centro do país, quando viu a ave caída perto de uma cerca.
“Era uma águia-cinzenta jovem que havia sido abatida com arma de fogo, e foi meu primeiro encontro com uma destas aves”, relata.
“Ela foi propositalmente colocada ali, porque existe uma crença, não só nesta região mas também na Patagônia, e em relação a outras espécies consideradas prejudiciais para o gado, como raposas e pumas, que expor os indivíduos abatidos dessa maneira mantém outros animais longe.”
O pesquisador diz que o encontro foi marcante para seu futuro na conservação ambiental. Sarasola decidiu a partir dali se dedicar a proteger a água-cinzenta (Buteogallus coronatus), uma das mais ameaçadas de extinção na América do Sul.
Em sua missão de protegê-la, Sarasola desafia crenças e percorre milhares de quilômetros para levar sua mensagem aos povoados locais e escolas remotas.
E seu trabalho lhe rendeu neste mês um dos maiores reconhecimentos na área, o prêmio Whitney, entregue anualmente pela fundação de mesmo nome sediada na Inglaterra.

Espécie era quase desconhecida

A águia-cinzenta pode ser encontrada no Sul do Brasil, no Paraguai, na Bolívia e na Argentina, até o norte da Patagônia.
A União Internacional pela Conservação da Natureza, uma organização sediada na Suíça, diz que a espécie corre risco de extinção e estima sua populção global em menos mil indivíduos reprodutores.
Estas águias vivem principalmente em habitats áridos ou semiáridos formados por arbustos, pastagens e bosques, onde se alimenta dos animais que vivem nestes locais, principalmente tatus e serpentes, explica Sarasola.
O cientista fundou em 2001 o Centro de Estudo e Conservação das Aves de Rapina da Argentina (Cecara) na Universidade Nacional de La Pampa, por meio do qual começou a estudar a ecologia da águia-cinzenta.
“A espécie era quase desconhecida, não só para a população local, mas também para a ciência, já que o último registro de aninhamento havia sido feito há mais de 25 anos no noroeste argentino”, destaca Sarasola.

Águias eram perseguidas e morriam afogadas e eletrocutadas.

A primeira ameaça identificada pelo Cecara foi a perseguição de águias por humanos pela crença de que “comem as ovelhas”. Sarasola também registrou casos de águias que morreram afogadas acidentalmente nos reservatórios de água para gado nestas regiões secas.
Outro grande perigo foi identificado quando o biólogo colaborou com o Centro de Biologia e Conservação do Estado de Virginia, nos Estados Unidos, para colocar rastreadores por satélite nas aves.
“Descobrimos que elas morriam eletrocutadas nos fios elétricos. É um problema que afeta especialmente as grandes aves, como as águias, porque ocorre quando o animal faz contato com dois cabos condutores ao mesmo tempo, algo que só aves maiores conseguem fazer ao voar a partir ou para os postes que sustentam a fiação”, diz Sarasola.

Rampas e pontes

Para evitar os afogamentos, Sarasola e seus colegas criaram o que chamam de “rampas de resgate”, uma estrutura feita com uma tela de arame para ligar a borda do tanque ao fundo. Assim, os pássaros e outros animais selvagens conseguem sair dos reservatórios e podem beber água com segurança.
Isso fez a mortalidade da fauna silvestre nos tanques equipados com rampas cair pela metade, e nenhuma águia-cinzenta foi encontrada afogada em um deles.
Quanto às mortes por eletrocutamento, o monitoramento das linhas de energia permitiu detectar os postes mais perigosos que, apesar de serem apenas 1% do total na área, eram responsáveis por quase 20% das mortes das aves.
“A característica que os torna tão perigosos é que são construídos em concreto (que são condutores de eletricidade por serem construídos com aço por dentro) e têm uma alça do cabo elétrico acima deles. As aves podem ser eletrocutadas ao estar empoleiradas no poste e, ao mesmo tempo, tocar na alça suspensa.”
De acordo com Sarasola, a solução foi simplesmente colocar essas alças abaixo do topo do pilar.

Mudando crenças

Para combater a perseguição das águias pelos moradores locais, os cientistas monitoraram e filmaram as presas das águias. “Analisamos mais de 600 presas e nenhuma delas era de gado doméstico, então, o motivo do conflito não era real.”
Os biólogos mostraram as filmagens e fotos de águias levando para seus ninhos presas de espécies silvestres como tatus, roedores e serpentes.
E explicaram a importância destas aves como predadores no topo da cadeia alimentar daquele ecossistema, ao se alimentarem de um grande número de serpentes venenosas e cobras.
Hoje, o conhecimento da espécie é muito maior. “Um exemplo disso é que, em dezembro de 2016, um artista local fez uma escultura de uma águia que logo foi colocada na praça principal da cidade de Santa Rosa, capital da província de La Pampa”, diz o cientista.

A águia que chora

Sarasola percorreu milhares de quilômetros no oeste dos pampas argentino, uma zona árida de pouca densidade populacional, para levar sua mensagem às crianças. Os biólogos foram a escolas rurais para apresentar um documentário feito por Sarasola com o jornalista Matías Sapegno.
O filme A Águia que Chora conta a história verídica de um adolescente da região que descobre a espécie e seu ninho e participa com pesquisadores do estudo e monitoramento de uma águia-cinzenta jovem.
As crianças e suas famílias têm sido fundamentais nestes esforços, porque têm informações importantes sobre a localização dos ninhos e casais de águias. “É impossível reunir essas informações por conta própria em uma região tão vasta”, diz Sarasola.
As escolas visitadas pelos cientistas ficam em locais muito remotos e distantes de centros urbanos. Os alunos vivem nas escolas e voltam para suas casas a cada 15 ou 20 dias.
“Perguntamos nas conversas se eles conhecem alguma espécie que corre risco de extinção, e as referências deles são de outras espécies emblemáticas e conhecidas mundialmente, mas não vinculadas à sua realidade, como tigres e pandas”, diz Sarasola.
“O que primeiro chama sua atenção é saber que vivem muito próximo de uma espécie nesta condição e que podem observá-la, com um pouco de sorte, no próprio pátio da escola ou em suas casas.”
Fonte: BBC

Tamar e Petrobras anunciam a chegada da tartaruga protegida 40 milhões.

A Petrobras e o Tamar anunciam um importante marco que será alcançado na próxima temporada de desova: 40 milhões de tartarugas marinhas protegidas e devolvidas ao oceano. Este número representa um marco nos resultados do projeto, reconhecido internacionalmente como uma das mais bem-sucedidas iniciativas de conservação marinha do mundo. O objetivo principal do projeto é a conservação de cinco espécies de tartarugas, todas ameaçadas de extinção. Atualmente, o Projeto Tamar está presente em 26 localidades, distribuídas em áreas prioritárias de desova, alimentação, migração e descanso. Estudos científicos mostram que as populações de tartarugas marinhas no Brasil estão se recuperando.

“Na próxima temporada de desova, o Tamar vai completar 40 anos e atingir a marca de 40 milhões de tartarugas marinhas protegidas. Podemos dizer que a tartaruga de número 40 milhões já existe e navega em uma viagem transcontinental rumo às praias brasileiras. Mas é importante lembrar que a cada mil tartarugas que nascem, apenas uma ou duas sobrevivem. Ainda há muito a fazer para livrar esses animais da ameaça de extinção”, diz o fundador do Projeto Tamar, Guy Marcovaldi.
São animais de ciclo de vida longo, que levam de 20 a 30 anos para se reproduzir. A cada temporada reprodutiva o número de filhotes que nascem nas praias monitoradas pelo Projeto passa de 2 milhões, além de muitas tartarugas jovens e adultas que são protegidas e salvas da captura incidental na pesca. Acidentes com redes e anzóis, atropelamentos, trânsito de veículos nas praias e plástico são fatores de risco para as tartarugas.
No próximo dia 18/9 (quarta-feira), o início do ciclo reprodutivo da tartaruga marinha 40 milhões protegida e devolvida ao oceano pelo Tamar será anunciado com a soltura de filhotes na Praia do Atalaia, em Aracaju,  Sergipe, onde fica uma das bases do projeto.  Além da soltura, será realizado o “Concerto às Tartarugas Marinhas”, com Orquestra Sinfônica de Sergipe.
Pesquisa e desenvolvimento científico
O Projeto Tamar contribuiu, em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICM-Bio), para o início da recuperação – comprovada cientificamente – das populações de quatro espécies de tartarugas marinhas: tartaruga-oliva, tartaruga-de-pente, tartaruga-cabeçuda e tartaruga-de-couro, e pela estabilidade da tartaruga-verde em Fernando de Noronha (PE) e Trindade (ES).
A ação do Tamar se estende por cerca de 1.100 km de praias, em áreas de alimentação, desova, crescimento e descanso das tartarugas, no litoral e ilhas oceânicas dos estados da Bahia, de Sergipe, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte, do Ceará, do Espírito Santo, do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Santa Catarina. A principal missão é a pesquisa, a conservação e o manejo das cinco espécies de tartarugas marinhas, todas ameaçadas de extinção.
Outro aspecto relevante é o fato de todo esse trabalho contar com o apoio das comunidades costeiras dos locais onde há a ocorrência das espécies ameaçadas. Anualmente, são atendidas diretamente cerca de 800 pessoas em ações socioeducativas, de valorização da cultura, de capacitação e inclusão social.
O Tamar é membro da Rede de Projetos de Biodiversidade Marinha (Rede Biomar), grupo composto também pelos Projetos Albatroz, Baleia Jubarte, Coral Vivo e Golfinho Rotador, todos patrocinados por meio do Programa Petrobras Socioambiental. Juntos, esses projetos atuam em diferentes frentes e são um símbolo da atuação da Petrobras na conservação marinha no Brasil. 

domingo, 29 de setembro de 2019

ONU Meio Ambiente: foco político na crise climática é o maior em uma década.

A ONU Meio Ambiente divulgou no domingo (22) relatório mostrando que o foco político na crise climática é o maior em pelo menos uma década, inclusive por meio do Acordo de Paris para o clima. Eleitores e manifestantes do mundo todo, principalmente jovens, estão deixando mais claro que a crise climática é prioridade.

Além disso, cidades, regiões e empresas não estão esperando imposições de governos centrais. Cerca de 7.000 cidades de 133 países, 245 regiões de 42 países e 6.000 empresas com receita de pelo menos 36 trilhões de dólares se comprometeram a reduzir as emissões.
Tudo isso é um progresso importante, mas não chega perto do suficiente, segundo o documento. Os países devem pelo menos triplicar o nível de ambição refletido em suas promessas climáticas sob o Acordo de Paris para alcançar a meta de um aquecimento abaixo de 2°C. Eles devem aumentar a ambição pelo menos cinco vezes para a meta de 1,5 °C.
A ONU Meio Ambiente divulgou no domingo (22) uma retrospectiva de dez anos de seu Relatório de Emissões, publicação que compara os níveis de emissão de gases de efeito estufa para evitar os piores impactos das mudanças climáticas.
À primeira vista, as notícias parecem sombrias. O mundo parece ter passado a última década fazendo exatamente o oposto do que deveria. Apesar dos avisos dos relatórios anuais, as emissões de gases de efeito estufa cresceram a uma média de 1,6% ao ano entre 2008 e 2017. De fato, essas emissões são agora quase exatamente o que os primeiros relatórios projetavam para 2020 se o mundo não alterasse seus modelos de crescimento insustentáveis e poluentes.
Com as políticas atuais em vigor, o mundo caminha para um aumento de temperatura de 3,5°C neste século, em comparação com os níveis pré-industriais. Isso está muito além dos objetivos do Acordo de Paris, que visa limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C, ou pelo menos bem abaixo de 2°C. Se este mundo mais quente se concretizar, todas as previsões de impactos climáticos catastróficos se tornarão realidade. Elevação do nível dos mares, eventos climáticos extremos e danos incalculáveis ​​às pessoas, prosperidade e natureza.
Mas por trás das manchetes sombrias, uma mensagem diferente emerge do resumo de dez anos — uma de oportunidade. “A última década não trouxe a queda nas emissões de gases de efeito estufa que queríamos, isso é verdade. Mas, de várias maneiras, estamos em um lugar melhor do que há dez anos”, afirmou a diretora-executiva da ONU Meio Ambiente, Inger Andersen.
“Grandes avanços na conscientização, na tecnologia e na vontade de agir significa que agora estamos prontos para reduzir rapidamente as emissões de gases de efeito estufa”, acrescentou.
O resumo de dez anos apresenta uma série de desenvolvimentos encorajadores: o foco político na crise climática é o mais alto de todos os tempos, inclusive por meio do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas, enquanto eleitores e manifestantes de todo o mundo, principalmente os jovens, estão deixando cada vez mais claro que a crise climática é prioridade.
Além disso, cidades, regiões e empresas não estão esperando imposições de governos centrais. Cerca de 7.000 cidades de 133 países, 245 regiões de 42 países e 6.000 empresas com receita de pelo menos 36 trilhões de dólares se comprometeram a reduzir as emissões.
A tecnologia para reduzir de forma rápida e econômica as emissões também melhorou significativamente. A energia renovável é um exemplo perfeito. Crescimento explosivo significa que a energia limpa evitou a emissão de aproximadamente 2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono em 2017, pois forneceu cerca de 12% do suprimento global de eletricidade. A instalação de tecnologias agora está mais barata do que nunca.
Tudo isso é um progresso importante, mas não chega perto do suficiente, segundo o documento. De acordo com o resumo dos dez anos, as nações devem pelo menos triplicar o nível de ambição refletido em suas promessas sob o Acordo de Paris — conhecidas como contribuições nacionalmente determinadas ou NDCs — para alcançar a meta de um mundo abaixo de 2°C. Eles devem aumentar a ambição pelo menos cinco vezes para a meta de 1,5 °C.
Será crucial uma ação forte dos membros do G20, que juntos representam 80% de todas as emissões de gases de efeito estufa. Essa ação ainda não foi vista, de acordo com um capítulo preliminar do relatório, que foca nas maneiras pelas quais o grupo pode aumentar a ambição climática.
O relatório afirma que o G20 e outras nações têm dezenas de opções para cumprir as metas de Paris. Ao usar apenas tecnologias comprovadas, o mundo poderia cortar 33 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente por ano até 2030. Isso é mais da metade das emissões globais anuais de gases de efeito estufa atuais. É mais do que suficiente para permanecer no caminho para o objetivo de 1,5 °C.
Cerca de dois terços desse potencial estão disponíveis em áreas onde um rápido progresso é possível: energia solar e eólica, aparelhos eficientes, automóveis de passageiros eficientes, reflorestamento e interrupção do desmatamento. Apenas uma fração desse potencial é capturada em compromissos nacionais sob o Acordo de Paris.
E ainda há muitas outras oportunidades.
O fim dos subsídios aos combustíveis fósseis reduziria as emissões globais de carbono em até 10% até 2030. A redução de poluentes climáticos de curta duração — como fuligem e metano — pode reduzir as temperaturas rapidamente, pois estes não permanecem na atmosfera da mesma maneira que o dióxido de carbono.
Além dessas iniciativas, a Emenda Kigali ao Protocolo de Montreal é um compromisso internacional de reduzir o uso de gases com alto potencial de causar aquecimento, conhecidos como HFCs, na indústria de refrigeração. Esta alteração pode resultar em até 0,4 °C de redução no aquecimento. Se a indústria melhorar a eficiência energética ao mesmo tempo, poderá dobrar os benefícios climáticos.
Em novembro, a ONU Meio Ambiente publicará a décima edição do relatório. Ele detalhará o tamanho dos cortes anuais de emissões necessários para permanecer no caminho certo para cumprir as metas do Acordo de Paris. Isso informará os negociadores dos países que se reunirão para a próxima rodada de negociações climáticas sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).
Já sabemos que esses cortes terão de ser significativos. Todo ano de ação atrasada significa que os cortes necessários passam a ser maiores, mais caros e mais impraticáveis. Se chegarmos a 20 anos de relatório e as emissões ainda não tiverem caído, o mundo enfrentará um desastre. Simplesmente não podemos dispor de mais uma década perdida, segundo a ONU Meio Ambiente.
Na Cúpula de Ação Climática, nas negociações climáticas de dezembro em Santiago do Chile, em todos os escritórios do governo, salas de diretoria, empresas e residências todos os dias, precisamos fazer muito mais a respeito da questão climática para garantir a segurança de gerações futuras.
A ONU Meio Ambiente divulgou o resumo de dez anos na Cúpula de Ação Climática das Nações Unidas como parte de um pacote que analisa os avanços na ciência climática. O capítulo preliminar do G20 foi lançado de forma independente como mais uma contribuição para a Cúpula.
Fonte: ONU

Oceanos ficarão mais quentes e ácidos com aquecimento global, aponta ONU.

Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas divulgado nesta quarta-feira (25) traz dados preocupantes sobre como as mudanças climáticas vão afetar oceanos e a criosfera, área terrestre coberta por gelo.
Mais de 100 autores de 36 países avaliaram cerca de 7 mil publicações científicas para criar o relatório. Divulgado dois dias após o fim da Cúpula Climática da ONU, que aconteceu em Nova York entre os dias 21 e 23 de setembro, e os protestos globais pelo clima, os organizadores do documento querem reforçar a necessidade de atitudes mais radicais dos governos em torno das emissões de carbono.
“Se reduzirmos as emissões bruscamente, as consequências para as pessoas e seus meios de subsistência ainda serão desafiadoras, mas, potencialmente, mais gerenciáveis ​​para os mais vulneráveis”, disse Hoesung Lee, membro do IPCC, em comunicado. “Aumentaremos nossa capacidade de criar resiliência e, assim, haveá mais benefícios para o desenvolvimento sustentável.”
O nível do mar
Uma das informações que mais chama atenção diz respeito ao aumento do nível do mar, que subiu 15 centímetros no século 20 – o que tem acontecido cada vez mais rápido nos últimos anos. 
De acordo com o relatório, mesmo que as emissões de gases de efeito estufa sejam reduzidas e o aquecimento global seja limitado a, no máximo, 2 °C, o nível das águas aumentará entre 30 e 60 centímetros até 2100. Se nada for feito para conter o aquecimento global, esse crescimento pode chegar a 110 centímetros.
A elevação do nível do mar impactará diretamente fenômenos naturais que têm relação com os oceanos, como marés altas, tempestades e ciclones tropicais. Um exemplo disso é o furacão Dorian, que atingiu as Bahamas e os Estados Unidos no início de setembro e, segundo os especialistas, foi particularmente forte por conta das mudanças climáticas. 
Cada vez mais, esses eventos colocarão em risco pessoas ao redor do planeta, principalmente quem vive em cidades costeiras e pequenas ilhas. Michael Meredith, da British Antarctic Survey, disse à NewScientist que mesmo os países desenvolvidos sofrerão com o aumento do nível das águas e terão de reforçar a defesa costeira.
Os ecossistemas
O relatório do IPCC também aponta que os oceanos absorveram mais de 90% do excesso de calor causado pelas mudanças climáticas. Isso significa que, mesmo que as emissões de carbono diminuam, até 2100 os mares absorverão de duas a quatro vezes mais calor do que entre 1970 e a atualidade. Entretanto, se o aquecimento global ultrapassar os 2 °C, essa quantidade pode ser até sete vezes maior.
O aumento da absroção de carbono pelas águas afeta diretamente a fauna e a flora dos biomas aquáticos, pois altera não apenas sua temperatura, mas também a acidificação da água e os níveis de oxigênio e nutrientes essenciais para a manutenção de um ecossistema equilibrado.
Isso também é prejudicial para os seres humanos, já que a dieta de diversas populações é baseada na pesca. “O corte das emissões de gases de efeito estufa limitará os impactos nos ecossistemas oceânicos, que nos fornecem alimentos, apoiam nossa saúde e moldam nossas culturas”, explicou Hans-Otto Pörtner, que fez parte da pesquisa. 
O permafrost
O solo de permafrost, no Ártico, também está sofrendo com o aumento da temperatura da Terra. Congelado por muitos anos, essa camada de gelo está derretendo em um ritmo preocupante — até o fim do século 21, estima-se que ele deixará de existir.
Os pesquisadores estimam que, mesmo que o aquecimento global seja limitado a menos de 2 °C, cerca de 25% do permafrost próximo à superfície (3 a 4 metros de profundidade) derreterá até 2100. Entretanto, se as emissões de gases de efeito estufa continuarem aumentando, até 70% dessa camada de gelo poderá ser perdida durante o período.
Como explicaram os membros do IPCC, o permafrost ártico e boreal é importante porque retém grandes quantidades de carbono orgânico. Logo, seu derretimento pode resultar em um aumento significativo de gases poluidores lançados na atmosfera.
É preciso agir agora
A conclusão dos especialistas após a publicação do novo documento não foi surpresa para ninguém: é preciso agir agora. “Só conseguiremos manter o aquecimento global bem abaixo de 2 °C (…) se efetuarmos transições sem precedentes em todos os aspectos da sociedade”, apontou Debra Roberts, uma das especialistas.
“Quanto mais decisiva e rapidamente agirmos, mais capazes seremos de enfrentar mudanças inevitáveis, gerenciar riscos, melhorar nossas vidas e alcançar sustentabilidade para ecossistemas e pessoas ao redor do mundo — hoje e no futuro”, disse Roberts.
Fonte: Revista Galileu

sábado, 28 de setembro de 2019

Amazônia: os esforços para ajudar os animais feridos pelos incêndios.

Em quase todos os últimos 35 dias, o biólogo Raúl Ernesto Rojas e um grupo de voluntários procuram por animais ao redor das chamas que atingem Santa Cruz, na Bolívia. O que eles mais encontram são corpos ou ossos carbonizados. Para qualquer sobrevivente invisível, eles deixam milho e água fresca em cascas de palmeiras.

Os animais mortos não são uma surpresa. Nada na Amazônia é adaptado para lidar com os incêndios, que ocorrem em várias partes da Bolívia e do Brasil, assim como no Peru e no Paraguai. A maioria das queimadas são intencionais para limpar a floresta para a agricultura. Até o momento, na região de Chiquitanía, nos arredores de Santa Cruz, 24,3 mil km² de floresta – uma área do tamanho de Vermont— já queimaram, segundo o governo da cidade. Ainda não é claro quanto da Amazônia brasileira foi queimada neste ano, mas o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) do país diz que os incêndios são sem precedentes.
O preço que as chamas estão cobrando da vida selvagem da Amazônia pode nunca ser conhecido. Ainda assim, relatos de testemunhas ilustram as consequências individuais para os animais – e os tremendos desafios enfrentados pelas pessoas que querem ajudar.
“Encontramos muitos esqueletos”, diz Rojas, que trabalha para o governo de Santa Cruz. Os animais “estavam tentando correr do fogo, mas foram pegos pelas chamas e queimados. O principal cenário é de devastação e morte. São cinzas.”
Até macacos estão aparecendo mortos, diz ele. Se animais que são rápidos e ágeis não conseguem escapar das chamas, “é um sinal muito ruim” para as criaturas que se movem mais devagar. “Tenho contato com desastres como esse há 15 anos, mas este aqui é sem precedentes.”
A cidade de Santa Cruz designou Rojas e outros cinco funcionários do governo para trabalhar no Hotel Biotermal Aguas Calientes, que foi transformado em um centro temporário de resgate e reabilitação de animais. Cinco voluntários da Universidade de Santa Cruz e um parque local de vida selvagem também se uniram ao esforço. O Centro de Resgate para Vítimas de Incêndios Biotermal, como é chamado o local, abriu em 21 de Agosto em Aguas Calientes, cidade com cerca de 900 habitantes nos arredores de Santa Cruz. A instalação é uma das doze na Bolívia que fornece assistência de resgate e reabilitação para animais selvagens – e é a única dedicada às vítimas dos incêndios.
Até agora, a equipe tratou de 70 animais, incluindo tartarugas de barriga vermelha, periquitos, tucanos e um texugo. Há duas semanas, eles resgataram uma tamanduá gigante, cujas patas estavam cobertas de queimaduras de terceiro grau. “As quatros patas estavam totalmente queimadas”, diz Flora Cecilia Dorado, veterinária do governo de Santa Cruz que lidera os trabalhos de reabilitação. Ela conta que a tamanduá, que a equipe batizou de Valentina, foi o resgate que gerou mais estresse até agora. Logo após sua chegada, ela entrou em coma e assim ficou por mais de 18 horas. “Ela assustou a todos”, diz Dorado. “Será um longo caminho para a Valentina.”  
A história da tamanduá é rara: a maioria dos animais que entram em contato direto com os incêndios morre. É por isso que a contagem de resgastes do centro ainda não superou o número 100: os corpos superam em muito o número de sobreviventes. A maioria dos animais que fogem das chamas e são levados ao centro estão famintos e severamente desidratados.
Os habitantes de Aguas Calientes e das redondezas estão ajudando. “As comunidades vizinhas sobrevivem da caça,” diz José Sierra Rodriguez, dono do hotel (agora fechado para hóspedes) com sua esposa, Claudia Mostajo Hollweg. “Mas, ao mesmo tempo, muitas pessoas estão trazendo animais [feridos].” Quatro jovens porcos-do-mato órfãos, por exemplo. Um morador os encontrou correndo ao redor da mãe, que havia morrido, e os trouxe para o centro.
Dorado diz que cuidar desses animais é cansativo e emocionalmente doloroso. Eles exigem atenção 24 horas por dia. A veterinária dorme cerca de três horas por noite. Cinco animais, entre eles um tucano e uma capivara, morreram mesmo depois de resgatados. Outros – incluindo papagaios, tartarugas e um texugo – se recuperaram completamente.  
Dorado diz que ela e seus colegas minimizam o contato com os animais, pois pretendem retornar o maior número possível deles para a natureza. Na semana passada libertou uma águia. Antes disso, um tatu adulto. Animais que não podem ser libertados na mata, como um tatu bebê, são enviados ao zoológico de Santa Cruz para cuidados de longo prazo.

Enormes desafios

Apesar do apoio da comunidade e da dedicação da equipe temporária, o centro está em dificuldades. Os funcionários do governo de Santa Cruz, incluindo Rojas e Dorado, podem ser retirados do centro a qualquer momento, e não há equipamento disponível para diagnosticar lesões internas. Uma égua chamada Milagros ficou presa no cercado enquanto as chamas a rodeavam, e acabou sofrendo queimaduras de quarto grau em todo o corpo. José Rodriguez diz que os funcionários suspeitavam que seus pulmões e fígado tinham sido severamente prejudicados pela inalação de fumaça, mas não tinham como ter certeza. Milagros morreu.  
A equipe está preocupada com o fato de não ter o equipamento necessário para fornecer cuidados de longo prazo aos animais. “É uma tragédia nesse momento”, diz Dorados. “Mas, o mais importante é: o que vai acontecer depois desse evento?”
É período de eleições na Bolívia e as autoridades locais estão felizes em comparecer em liberação de animais resgatados e obter cobertura da mídia, diz Rojas. Mas ele teme que esse nível de atenção não dure e não faça com que o centro se torne permanente ou obtenha mais equipamentos.
“É necessário que seja dito em voz alta e repetidas vezes”, diz Rojas. Quando as chuvas chegarem e os incêndios cessarem “todo mundo vai se esquecer disso. Após as eleições, todo mundo vai esquecer os animais. E eles ainda vão precisar de atenção por muito e muitos meses depois. É preciso apoiar essa iniciativa.”

No Brasil, opções limitadas

A situação dos animais no Brasil é semelhante à da Bolívia, segundo João Gonçalves, gerente de comunicações da World Animal Protection, organização internacional de bem-estar animal sem fins lucrativos. Muitos animais não escapam e as mortes são muito comuns. Aqueles que conseguem fugir das chamas e da fumaça geralmente ficam órfãos ou queimados.
Não há um esforço nacional unificado para ajudar animais feridos pelos incêndios, diz Gonçalves. Os resgates são realizados em uma base local e voluntária, e a extensão varia amplamente em diferentes áreas. Na maior parte do país, cabe aos bombeiros que se deparam com animais sobreviventes decidir resgatá-los e levá-los a um centro de reabilitação local – se houver algum na região.
Gonçalves destaca duas regiões, a 480 quilômetros uma da outra, Rio Branco e Porto Velho, que estão enfrentando queimadas. Rio Branco tem um centro para animais que é gerenciado pelo governo, mas Porto Velho não. Lá, conta Gonçalves, “se um bombeiro quiser resgatar um animal, ele não tem para onde levar o animal para receber tratamento.” Existem apenas outros dois centros de animais na Amazônia brasileira e nenhum deles fica perto das áreas de queimadas intensas.
Bombeiros normalmente não recebem treinamento de resgate de animais e não têm equipamentos ou ferramentas usadas nos primeiros socorros de animais, como ganchos para levantar cobras ou caixas para transporte. A World Animal Protection está fornecendo treinamento e recursos através de parcerias com brigadas de incêndio em Rio Branco e nas redondezas e espera expandir esses esforços.
Entre os animais que o centro de Rio Branco recebeu, estão duas bebês preguiças órfãs encontradas pelos bombeiros. Por necessidade, os socorristas se concentram em mitigar o sofrimento de cada animal, mas os incêndios estão tão generalizados que populações inteiras de animais podem ser prejudicadas.
Panthera, uma organização global de conservação de felinos selvagens, estima que os incêndios já deixaram 500 onças-pintadas feridas ou mortas no Brasil e na Bolívia. São 500 de uma população já em declínio, ameaçada pela perda de habitat, fragmentação e caça, diz Esteban Payán, diretor regional da organização na América do Sul.
“É a velocidade da devastação” que é tão perigosa, ele diz. “Nunca teríamos centenas de onças-pintadas mortas por caçadores em apenas duas semanas.”

Em alerta

Para os bolivianos que trabalham no centro de resgate em Aguas Calientes, cada sucesso é uma vitória. “Toda vida é importante. Todo animal é importante,” diz Rojas, o biólogo que passa os dias vasculhando as zonas queimadas atrás de animais nas cinzas.
“É muito triste o que aconteceu,” diz Dorado. Ela espera que as histórias de cada animal – Valentina, a tamanduá, os porcos-do-mato órfãos, Milagros, a égua que sucumbiu aos ferimentos – levem as pessoas a verem as consequências dos incêndios. “Espero que as pessoas possam ter consciência de que os humanos são a principal razão do que está acontecendo com esses animais e com a natureza. Espero que as pessoas possam acordar.”
No dia 14 de setembro, um sábado, Dorado se casou no abrigo com seu companheiro de longa data. “Ele sempre dizia: ‘Amanhã, quando tivermos mais dinheiro’. Mas depois de ver isso e ficar aqui por 15 dias, eu disse a ele: ‘Quero me casar com você aqui, porque não há amanhã.”
Então, na manhã da segunda-feira seguinte, ela levou Valentina até Santa Cruz para receber mais tratamento. Pouco tempo depois, a tamanduá começou a andar novamente.
Fonte: National Geographic Natasha Daly

Óleo em praias do NE não é brasileiro, diz Ibama; ANP não registra vazamento.

A Marinha e a Petrobras constataram, após análises, que a substância que atingiu nas últimas semanas praias de diversos Estados do Nordeste é petróleo, produzido no exterior, mas de origem ainda não identificada, informou o órgão ambiental federal Ibama em uma nota publicada em seu site nesta quinta-feira.
Uma série de ações estão sendo realizadas desde 2 de setembro entre Ibama, Corpo de Bombeiros do Distrito Federal, Marinha e a petroleira estatal, com o objetivo de investigar as causas e responsabilidades do despejo no meio ambiente.
Procurada, a agência reguladora do setor de petróleo, a ANP, disse que está acompanhando o caso com Ibama e Marinha, ressaltando que não foi identificado nenhum vazamento em atividades de produção e exploração de petróleo que poderia explicar o óleo nas praias.
As petroleiras que operam no Brasil são obrigadas a comunicar vazamentos à ANP, quando ocorrem, destacou a assessoria de imprensa da reguladora, por telefone.
“Se fosse vazamento em plataforma, ficaria concentrado em uma mancha, se fosse vazamento não chegaria a tantos lugares.”
Sem conhecer ainda as causas do problema, a ANP reforçou ainda que “até o momento não há indícios concretos de que os produtos tenham origem em atividades de E&P (Exploração & Produção) na região”.
Para o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, o mais provável é que o petróleo tenha sido derramado por um navio que transportava o produto longe da costa brasileira.
Ainda que não tenha confirmação dessa hipótese, ele afirmou à Reuters que o petróleo, se saiu de algum navio tanque, acabou sendo dispersado pelo litoral nordestino, o que explicaria as manchas de óleo nas praias.
A Petrobras informou nesta quinta-feira que análise realizada pela empresa em amostras de petróleo cru encontrado em praias do Nordeste atestou, por meio da observação de moléculas específicas, “que a família de compostos orgânicos do material encontrado não é compatível com a dos óleos produzidos e comercializados pela companhia”.
Segundo a estatal, os testes foram realizados nos laboratórios do Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes), no Rio de Janeiro.
Na véspera, a empresa havia afirmado que está contribuindo com a limpeza das praias que apresentaram manchas de óleo.
Segundo o Ibama, a petroleira estatal irá disponibilizar ainda um contingente de cerca de 100 pessoas, nos próximos dias.
Os Estados atingidos, informou o órgão ambiental, são Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.
“Após verificação dos relatórios e gráficos mais recentes sobre a situação das manchas de óleo nas praias do Rio Grande do Norte, os analistas da equipe de monitoramento concluíram que a situação no Estado é estável até o momento”, afirmou o Ibama em comunicado publicado no seu site e atualizado nesta quinta-feira.
“Por isso, o grupo de comando foi transferido de lá para o Maranhão, onde estão chegando novos vestígios de óleo. O Ibama continuará acompanhando as ações de limpeza no litoral potiguar.”
O Ibama pontuou que, entre os animais recolhidos, uma tartaruga-marinha foi devolvida ao mar por populares e uma tartaruga-oliva foi encaminhada com vida ao Projeto Cetáceos da Costa Branca pra reabilitação, ambas no Rio Grande do Norte.
“No Maranhão, uma das tartarugas oleadas encontradas estava viva e foi devolvida ao mar por populares. Os demais animais encontrados estavam mortos ou morreram posteriormente”, afirmou.
Fonte: Marta Nogueira, Roberto Samora e Tatiana Bautzer – Reuters Staff

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Aquecimento e subida do nível do mar podem agravar inundações, diz ONU.

Os oceanos estão se aquecendo, e os níveis do mar sobem cada vez mais rápido, gerando consequências desastrosas para os seres humanos e o planeta, adverte um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas, divulgado nesta quarta-feira (25/09).
Os mais de 100 cientistas envolvidos no estudo constataram que o rápido aquecimento dos oceanos, das regiões polares e geleiras está exterminando cada vez mais a vida marinha e acelerando as mudanças climáticas.
Mesmo no melhor cenário de uma redução significativa das emissões de gases do efeito estufa, várias cidades costeiras e pequenos Estados sofrerão inundações extremas por volta de 2050, repetindo-se todos os anos. Até agora, isso só ocorria a cada 100 anos.
“Embora os oceanos e a criosfera [componentes congelados do sistema terrestre] pareçam estar longe da maioria, eles estão ligados a cada um de nós”, afirma Lijing Cheng, oceanógrafa da Academia Chinesa de Ciências e uma das principais autoras do estudo. “A conclusão central é que os dois grandes sistemas estão mudando, e muito rapidamente, já tendo sérios impactos sobre os seres humanos.”
Degelo e aumento do nível do mar
Aproximadamente uma em cada dez pessoas vive numa região a menos de dez metros acima do nível do mar, e muitas já são afetadas por tempestades e inundações mais graves do que as vivenciadas por seus pais e avós.
Alguns autores do relatório advertiram em entrevistas que os efeitos do aquecimento também se projetarão terra adentro, reduzindo as reservas de alimentos e forçando as populações costeiras deixarem suas casas.
De acordo com o estudo, a subida do nível do mar gera tempestades mais fortes e a uma salinização crescente, por exemplo, do delta do rio Mekong, no sudeste asiático. Isso pode resultar em perdas de colheitas e aumento dos preços de alimentos em países sem acesso ao mar de outros continentes.
Ao mesmo tempo, o degelo do permafrost no Ártico e na Sibéria está bombeando cada vez mais o metano e dióxido de carbono para a atmosfera, acelerando ainda mais o aquecimento global e gerando um perigoso círculo vicioso. E projeta-se que um terço do gelo cordilheira do Hindu Kush, no Himalaia – cujos rios alimentam hoje quase 2 bilhões de pessoas –, terá desaparecido quando as crianças de hoje forem idosos.
Quando as geleiras derretem, a água doce flui inicialmente para os oceanos, inundando as cidades costeiras e ilhas de baixa altitude. Quando o gelo se esgota, os rios secam, podendo causar estiagem.
“A água é o elemento de conexão”, explica Zita Sebesvari, da Universidade das Nações Unidas, uma das principais autoras do relatório, especializada no significado da subida do nível do mar para as costas e ilhas. “O que acontece agora é a realocação de água em grande escala, da parte congelada do planeta para o oceano. E isso causa problemas em ambas as extremidades.”
Os oceanos, que absorveram a maior parte do calor excessivo do aquecimento global, reagem apenas lentamente às alterações climáticas. Isso também significa que as emissões do passado continuarão aquecendo os oceanos, mesmo que deixemos hoje de queimar combustíveis fósseis e de derrubar florestas.
“Como não podemos voltar com o clima ao seu estado original, temos que nos adaptar”, explica Hans-Otto Pörtner, climatólogo do Centro Helmholtz de Pesquisa Polar e Marinha, na Alemanha, e copresidente do grupo de trabalho que produziu o relatório. “Não há tempo para esperar.”
Limites da adaptação
No front de uma batalha unilateral com a natureza, as cidades costeiras e ilhas de atóis já começaram a agir. Megacidades como Jacarta e Xangai construíram enormes muros para proteger a população da subida do nível do mar e de tempestades mais fortes. Nações insulares pouco povoadas como Fiji estão deslocando comunidades inteiras: as pessoas deixam suas casas, no que os cientistas denominam “retiradas coordenadas”.
Os pequenos Estados insulares e as ilhas de baixa altitude são particularmente vulneráveis por falta de recursos, afirma Hélène Jacot des Combes, baseada em Fiji, especialista em gestão de riscos para desastres na Universidade do Pacífico Sul, e uma das principais autoras do relatório.
“Qualquer que seja a solução encontrada, deve ser feita em cooperação com a comunidade global”, reivindica. Quanto à proteção costeira, o relatório salienta a importância de preservar as barreiras naturais contra as marés, como os mangues e zonas úmidas.
Mas a capacidade de adaptação tem limites, se as emissões continuarem aumentando, adverte o também coautor do relatório Matthias Garschagen, professor de geografia e especialista em pesquisa de risco na Universidade Ludwig Maximilian, em Munique.
Com cada metro de elevação do nível do mar, os custos para a proteção das costas aumentam, e o espaço nas pequenas ilhas diminui, afirma Garschagen. “Os modelos mostram que as populações só têm uma chance de adaptação bem-sucedida nos cenários de baixas emissões.”
As principais vítimas
Os cientistas do IPCC sublinham que os países menos responsáveis pela mudança climática são os mais afetados pelas alterações no oceano e na criosfera. O degelo nas montanhas e no Ártico tem tido um impacto negativo na saúde humana, nos meios de subsistência e mesmo no acesso a comida e bebida, aponta o relatório. Prevê-se que o risco de catástrofes para os povoados nas montanhas e no Ártico aumente à medida que habitantes e edifícios forem ficando mais expostos a riscos como inundações e avalanches.
A perda de populações de peixes, devido à acidificação dos oceanos, poderá ameaçar a dieta de centenas de milhares de seres humanos, muitos das quais já lutam para se alimentarem. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), os peixes representam 17% da proteína animal consumida. Além disso, algumas comunidades indígenas nas montanhas verão secar suas fontes de água.
“Há bem pouco de positivo para se ver”, afirma John Tanzer, especialista em oceanos da organização ambiental WWF. “Eu não sei se nos países ricos ‘caiu a ficha’ quanto às possíveis consequências humanitárias, que provavelmente vão se acelerar.”
Se agirem agora, contudo, as autoridades poderão limitar os danos. A proteção costeira pode reduzir o risco de inundações em dezenas a centenas de vezes neste século, indica o relatório – se os governos investirem até centenas de bilhões de dólares. Os autores acrescentam que mudanças econômicas e institucionais “profundas” permitirão o desenvolvimento sustentável, em face das mudanças nos oceanos e nas regiões geladas. “Realizar esse potencial depende de mudanças transformadoras”, concluem.
Fonte: Deutsche Welle