segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Como Brasil pode ganhar dinheiro com turismo ecológico sem derrubar a Amazônia.

Para o professor Virgilio Viana, PhD pela universidade de Harvard e superintendente da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), “não há dúvida de que o Brasil está perdendo uma enorme oportunidade.”

Em evidência por causa do aumento das queimadas, o interesse internacional na Floresta Amazônica poderia ser usado “a nosso favor”, segundo o especialista, por meio do estímulo ao ecoturismo na região. Ainda incipiente, essa atividade econômica tem forte potencial graças justamente ao fascínio que a beleza da floresta tropical exerce sobe visitantes.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil disseram que o turismo autossustentável deu certo em países com florestas tropicais e se mostrou uma forma eficiente de proteger e conservar a floresta e trazer benefícios a populações locais.
Na região amazônica, “o turismo ainda não possui escala econômica ou poder político para substituir o desmatamento em massa, que é a razão dos incêndios”, lamenta o professor Ralf Buckley, da Universidade Griffith, na Austrália, autor de diversos livros sobre o ecoturismo no mundo.
“Mas, uma vez estabelecido, o turismo é muito maior do que a indústria madeireira, agrícola ou de mineração em termos de escala econômica e geração de empregos.”
Buckley calcula que a indústria do turismo e de atividades ao ar livre movimente anualmente 1 trilhão de dólares (ou mais de R$ 4 trilhões) no mundo todo. Faltam, porém, estatísticas globais consolidadas sobe turismo sustentável.
Apesar de a organização de turismo UNWTO, ligada à Organização das Nações Unidas, compilar dados em diversos países, o órgão não dispõe de informações específicas sobre o nicho do ecoturismo. “Não há um único modelo universalmente aplicável”, pondera Buckley. “Cada país tem diferentes histórias, leis políticas, sociedades e economias.”

Experiências na selva

No entanto, há exemplos de negócios que deram certo nessa área e que poderiam servir de inspiração a novos projetos na Amazônia brasileira.
É o caso do ecoturismo na Amazônia peruana, estudado de perto por Amanda Stronza, professora e codiretora do programa de ciência aplicada a biodiversidade da universidade A&M do Texas. Para ela, um dos segredos da viabilidade do modelo de turismo sustentável no Peru esteve em iniciativas de desenvolvimento que tiveram seu ponto de partida nos interesses da comunidade local.
Na comunidade de Infierno, junto ao rio Tambopata e adjacente ao parque nacional de Bahuaja-Sonene, uma parceria entre uma empresa canadense e os índios da comunidade Ese-Eja resultou na construção de em um resort de luxo no anos 1990.
O empreendimento é lucrativo há mais e 20 anos e paga dividendos às famílias locais por estar situado próximo à comunidade indígena.
“É importante lembrar que a Amazônia não é terra selvagem desabitada, terra de ninguém como dizem. Há milhares de pessoas lá, comunidades locais que vivem lá. Esse é o território deles e qualquer empreendimento econômico tem que envolvê-los”, defende Stronza.
Mas ela ressalta que o turismo ecológico “é uma opção que deve ser empregada em conjunto a outras, como a extração vegetal e o manejo da agricultura familiar”.
Outro exemplo de sucesso no ecoturismo em floresta tropical é a Costa Rica, onde passeios de aventura e natureza estão entre os principais chamarizes de turistas estrangeiros.
O pequeno país da América Central, ao norte do Panamá e ao sul da Nicarágua, obteve US$ 3,8 bilhões (R$ 15,44 bi) em renda com a indústria do turismo em 2018. O Brasil todo faturou US$ 5,9 bilhões no mesmo período.
Apesar de o tamanho do território costa-riquenho não chegar a corresponder a 1% do brasileiro, o país recebeu em 2018 mais de 3 milhões de turistas, quase metade do total de 6,6 milhões de visitantes que foram ao Brasil. O turismo corresponde a mais de 6,4% do Produto Interno Bruto do país.
“A Costa Rica é um excelente modelo”, elogia Virgilio Viana, da FAZ.

‘Pousada do Garido’

A própria Fundação Amazônia Sustentável ajudou a orientar projetos que já vingaram nessa área, sempre com participação da população local.
Como exemplo, cita a Pousada do Garido e o restaurante Sumimi, no Estado do Amazonas. A hospedaria envolve sete famílias e garante um faturamento médio mensal bruto por família de R$ 11.200, e o restaurante chega a alcançar faturamento bruto médio por família de R$ 18.842.
“Há histórias muito legais. Na região do Tumbira teve um ex-madeireiro que virou dono de pousada. Isso foi uma revolução”, conta Viana.
“Recentemente, inauguramos mais uma pousada no rio Uatumã que é de uma comunidade que já tem dez pequenas pousadas ligadas à pesca esportiva. No ano passado eles tiveram um faturamento bruto de mais de RS$ 5 milhões, que para esse mundo ali são valores espetaculares”, diz.
Segundo a presidente da Amazonastur, Roselene Silva de Medeiros, o turismo de base comunitária faz parte da estratégia turística da região. “Queremos receber mais gente, sim, e expandir esse tipo de projeto”, afirma.
“Há ações para desenvolver o turismo de base comunitária na região do Baixo Rio Negro e do turismo de pesca esportiva no Alto Rio Negro, nos município de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro.”

Infraestrutura

Para Ralph Buckley, um dos grandes desafios do incremento do turismo sustentável na Amazônia está num passo básico: a criação de uma estrutura adequada.
“A indústria do turismo poderia ter escala, mas ainda não tem. Porque o turismo cresce lentamente e precisa de infraestrutura para transportar as pessoas”, diz.
Segundo Buckley, “falta conectividade confortável pública”.
“Se você é um barão de petróleo, madeira ou gado, poderá entrar em um helicóptero e levar uma frota de escavadeiras para abrir uma estrada. Mas se você é só um turista, não pode circular com segurança e facilidade”, diz.
Ele mesmo visitou a Amazônia e resume a experiência: “A parte da floresta amazônica do Equador e do Peru tem melhor infraestrutura de turismo. No Brasil, você voa até Manaus, mas e daí faz como? Há apenas rios! Há muito turismo fluvial no rio Negro. Mas, para se ir além, até as partes intocadas da floresta, onde verdadeiramente está a vida selvagem, não é fácil. Isso leva dias em barcos pequenos ou eventualmente até em canoas indígenas”.
Para Virgilio Vinana, uma opção para melhorar as conexões na floresta seria a construção de ferrovias. Apesar de ter um custo de construção mais elevado do que o de uma estrada, a ferrovia é mais barata no longo prazo porque têm menor manutenção, cobrindo melhor as grandes distâncias e resistindo às condições extremas do clima amazônico.
A abertura de ferrovias, no entanto, traria duros impactos aos ecossistemas locais. Mas a abertura de autoestradas, segundo o especialista, levaria a um desmatamento mais amplo, porque às margens do caminho costumam se desenvolver novas ocupações.
É um efeito chamado “espinha de peixe”, onde a estrada principal desencadeia a abertura de ramificações laterais irregulares na selva.

De olho nos alemães

Mas a Embratur, agência de promoção do turismo no Brasil, está de olho no problema da conectividade, e quer facilitar a chegada de turistas europeus à região amazônica – em particular, os alemães, tentando ajudar na viabilização de voos direto da Europa com a companhia aérea Condor.
Os números indicam que os turistas alemães têm um perfil de particular interesse para o segmento sustentável, porque a maioria deles prefere florestas à praias.
Dos 209 mil alemães que visitaram o país no ano passado, segundo o órgão, 32,4% o fizeram a lazer, 16,5% a trabalho e 51,1% por outros motivos.
Entre as motivações da viagem, 45,1% expressaram o intuito de praticar ecoturismo e aventura, optando por sol e praia em apenas 24,9% das vezes.
Trazer mais turistas aumenta as chances de estimular o apetite por parcerias no mercado do ecoturismo e tirar proveito do conhecimento europeu em tecnologia de mobilidade.
Apesar de o ecoturismo ser a principal motivação dos visitantes estrangeiros que chegam à região amazônica, em números absolutos a participação de visitantes de fora é pequena: das 6,62 milhões de chegadas de estrangeiros ao país em 2018, 143 mil foram registradas em Estados do bioma amazônico – e destas, boa parte foram de venezuelanos, o que sugere que as estatísticas podem apresentar uma distorção devido à recente crise humanitária-migratória no país vizinho.
Fonte: BBC

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