Amazônia pode ser menos resistente ao efeito estufa do que se pensava.
Um estudo publicado pela revista científica Nature Geoscience, capa da edição de setembro, indica que a Floresta Amazônica pode ser menos resistente às mudanças climáticas do que se pensava.
Os autores do estudo concluíram que a quantidade de fósforo presente no solo está ligada à capacidade da floresta de absorver dióxido de carbono (CO2), um dos gases responsáveis pelo efeito estufa no planeta.
Conforme o pesquisador David Lapola, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), um dos 28 cientistas que assinam o estudo, com menos fósforo disponível para as plantas, a capacidade de absorção do CO2, necessário para a realização da fotossíntese, pode ser limitada, em média, a 50%.
Na prática, se a mata absorve menos CO2, tende a contribuir também em menor parcela para a redução dos gases de efeito estufa no planeta. Além disso, o fenômeno lança dúvidas sobre hipóteses que sugerem que o aumento do gás carbônico na atmosfera seria, na realidade, benéfico para as plantas, que absorvem CO2 para fazer a fotossíntese e, assim, poderiam se tornar mais vigorosas.
Essas hipóteses consideram que, com mais vigor, as florestas se adaptariam melhor às mudanças climáticas e se tornariam mais resistentes aos impactos do efeito estufa, como menos chuvas, temperaturas mais altas e a transformação de parte das florestas úmidas em savanas.
No entanto, ao identificar que a baixa concentração de fósforo no solo pode limitar a capacidade de absorção de CO2, novas perguntas surgem na comunidade científica.
“A maior parte dos resultados de impactos que as mudanças do clima podem ter na floresta vem de simulações em modelos, feitas há quase 20 anos. Elas colocam que se o efeito de fertilização por gás carbônico existir e for forte o suficiente poderia contrabalancear o ciclo ruim de aumento de temperatura e redução de chuva. Aí, a floresta permaneceria mais ou menos do jeito que ela é”, explica Lapola.
“O problema é que essas simulações feitas lá atrás consideravam que o efeito de fertilização por CO2 era algo que não tinha limitação. Mas este estudo nosso mostra que pode haver uma limitação forte causada por nutrientes, o fósforo é o principal deles”, afirma.
Baixa concentração de fósforo
A causa da baixa concentração de fósforo no solo amazônico é um fenômeno natural, afirma o cientista. Diferentemente do ciclo do carbono e da água, que apresentam fases atmosféricas, isto é, evaporam e retornam depois ao solo, o fósforo está nas rochas. Com a erosão natural, as rochas ricas em nutrientes se desmancharam, e o mineral foi lavado pelas chuvas ao longo das eras geológicas. Não há o que possa ser feito para reverter o quadro.
“Esses solos foram tão lavados pelas chuvas nas eras geológicas, que praticamente tudo o que existe do mineral na floresta está na vegetação. Por isso, quando você vai a uma floresta assim, você vê uma camada muito densa de raízes no meio da folhagem seca que caiu. Até mesmo quando cai um galho de uma árvore, não dá nem 15 dias e já tem um monte de raízes dentro desse galho. São as árvores pegando o fósforo que está dentro dessa biomassa, porque no solo não tem quase nada”, diz.
Conforme o pesquisador, já é conhecido pelos cientistas que 60% do solo amazônico, especialmente nas regiões leste, sul e central, apresentam a maior carência da substância. Essas são justamente as regiões mais afetadas pelo desmatamento nos últimos 30 anos e focos de queimadas registrados nas últimas semanas.
Com os incêndios, parte do fósforo até permanece nas cinzas, mas em poucos anos se dilui e não pode mais ser reaproveitado pela floresta, interrompendo o mecanismo de reciclagem natural.
Na avaliação de Lapola, essas interferências humanas apenas pioram o quadro, porque hoje é justamente na vegetação onde se encontra a maior reserva amazônica de fósforo.
Fase de campo não tem recursos para prosseguir
Também assinam o artigo da Nature Geoscience Katrin Fleischer, da Universidade Técnica de Munique, pesquisadores da Universidade de Augsburg e do Instituto de Bioquímica Max Planck, da Alemanha, além de instituições de Austrália, Estados Unidos, França, Áustria e Reino Unido.
Pesquisadores do projeto Amazon-Face, que testará emissão de grandes quantidades de CO2 na floresta para avaliar reação às mudanças climáticas
Os resultados do estudo foram obtidos por meio de simulações feitas em computador, considerando cálculos de níveis de fotossíntese, acúmulo de biomassa, injeção de diferentes níveis de gás carbônico e dados já disponíveis a respeito das condições geológicas da área central da Amazônia. O próximo passo é testar em campo o que foi verificado nas simulações, dentro da floresta. Mas justamente aí está a dificuldade para os pesquisadores avançarem, por falta de recursos.
Desde 2014, o projeto Amazon-Face, coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), com apoio de universidades brasileiras, europeias e americanas, tem como objetivo testar como a vegetação da Amazônia responde a altos níveis de CO2.
Por meio de torres de 30 metros de altura numa área ao norte de Manaus, na Amazônia Central, os cientistas projetam borrifar o gás e, assim, fertilizar as árvores do entorno para avaliar se há aumento de biomassa. Com a nova descoberta relacionada à escassez do fósforo, o experimento também ajudará a identificar o quanto exatamente a carência do mineral no solo local interfere na absorção de CO2.
A próxima fase do estudo deve custar em torno de R$ 10 milhões, mas não há sinalização de recursos para financiar o projeto, que vêm sendo protelado desde 2016. Procurados pela DW Brasil para falar a respeito das verbas, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e o Inpa não responderam aos questionamentos.
Como alternativa, os pesquisadores estão trabalhando numa fase simplificada do estudo de campo para coletar as primeiras amostras. A partir deste mês, em vez das torres do Amazon-Face, eles usarão oito câmaras, que funcionarão como espécie de estufas, montadas na floresta sobre árvores jovens, de até 3 metros de altura, que no futuro serão a base da floresta.
Dentro dessas câmaras, haverá a aspersão de CO2 durante cerca de um ano. Segundo Lapola, os resultados são muito aguardados pela comunidade científica.
Fonte: Deutsche Welle
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