Como os absorventes tornaram-se tão insustentáveis.
O plástico permeia a vida moderna e a menstruação não é exceção. Desde meados do século 20, muitos absorventes menstruais continham um pouco ou muito plástico em seu design básico – algumas vezes por razões de design, mas muitas vezes por razões menos cruciais.
Controlar quanto lixo plástico vem de produtos menstruais é difícil, em parte porque o material é considerado lixo médico e não precisa ser rastreado, e em parte porque poucas pesquisas sequer analisaram o escopo do problema. Porém, estimativas aproximadas para a produção provável são surpreendentes: somente em 2018, a população dos EUA comprou 5,8 bilhões de absorventes internos e, ao longo da vida, uma única mulher usará entre 5 e 15 mil absorventes internos e externos, e a grande maioria acabará em aterros como lixo plástico.
Retirar o plástico dos materiais de cuidados menstruais, no entanto, levará mais do que a mudança de design, porque os motivos pelos quais o plástico se alojou tão profundamente no design estão entrelaçados em uma teia que envolve cultura, vergonha, ciência e muito mais.
O problema menstrual do plástico
A maioria das mulheres americanas menstrua por cerca de 40 anos, com fluxo de cerca de cinco dias por mês, ou cerca de 2,4 mil dias ao longo da vida – cerca de seis anos e meio, ao todo.
Todo esse fluido menstrual tem que ir para algum lugar. Nos EUA, geralmente termina em um absorvente interno ou externo e, após seu breve momento de utilidade, esses produtos geralmente acabam no lixo.
Os produtos menstruais mais comuns são uma verdadeira cornucópia de plástico. Os absorventes internos são embalados em plástico, envoltos em aplicadores de plástico, com cordas de plástico penduradas em uma extremidade e muitos até incluem uma fina camada de plástico na parte absorvente. As almofadas geralmente incorporam ainda mais plástico, da base à prova de vazamentos aos sintéticos que absorvem o fluido da embalagem.
Para Ann Borowski, que pesquisou o impacto ecológico dos produtos sanitários, os números foram surpreendentes.
“Não quero contribuir com 40 anos de lixo para um aterro sanitário apenas para gerenciar algo que nem deveria ser visto como um problema”, diz ela. “Parece algo que deveríamos ter um pouco mais de controle agora. Não quero colocar este peso nos ombros do planeta”.
Uma breve história sobre tratamento menstrual
Na Grécia antiga, o sangue menstrual era visto pelos escritores da época como algo fundamentalmente insalubre, um símbolo do excesso feminino, um “humor” que precisava ser expulso do corpo para manter o equilíbrio e a saúde. O próprio sangue era considerado doentio – até venenoso. Essa visão persistiu por séculos.
Em meados dos anos 1800, nos EUA, a cultura em torno da menstruação se tornou uma narrativa simples: o sangue menstrual era visto como “sangue ruim”, tanto sujo quanto vergonhoso, diz Chris Bobel, especialista em menstruação da Universidade de Massachusetts, Boston.
Mas a menstruação era uma realidade inevitável que precisava ser tratada. As mulheres nos EUA anteriores ao século 20 usavam uma abordagem de “bricolagem” para gerenciá-la, redirecionando todo tipo de itens comuns em objetos semelhantes a absorventes, explica a historiadora Susan Strasser. Isso significava restos de tecido, tiras de casca de madeira ou qualquer outra coisa disponível e absorvente. Mas as ferramentas deixavam muito a desejar. Eles eram geralmente volumosos e difíceis de manejar e tinham que ser lavados e secos – o que significava que seriam exibidos publicamente, uma situação menos do que desejável em uma cultura que estigmatizava a menstruação.
Em 1921, o primeiro pacote de Kotex atravessou um balcão de farmácia. Assim começou uma nova era: a do produto menstrual descartável.
Os Kotex eram feitos com Cellucotton, um material hiper absorvente à base de plantas que havia sido desenvolvido durante a Primeira Guerra Mundial para uso como curativo médico. Os enfermeiros começaram a redirecionar o material para as almofadas menstruais, e a prática continuou.
Algumas mulheres fisicamente ativas, como dançarinas e atletas, se interessaram por outro produto emergente: absorventes internos. Os absorventes internos da década de 1930 não eram muito diferentes dos encontrados nas prateleiras das farmácias de hoje, geralmente feitos de um maço de algodão denso ou de um material semelhante a papel preso a um barbante.
O que todos os novos produtos tinham em comum era a descartabilidade. As campanhas de marketing apoiaram-se na ideia de que os novos produtos fariam as “mulheres modernas felizes, bem equilibradas e eficientes”, livres da tirania das antigas estratégias “improvisadas”. (O fato de serem descartáveis também significava que as mulheres precisariam estocar todos os meses, prendendo-as a décadas de compras).
“Desde o início, as empresas adotaram a ideia de que usar esses novos produtos descartáveis fariam de você uma pessoa moderna”, diz Sharra Vostral, historiadora da Universidade Purdue.
O apelo e a onipresença dos produtos descartáveis aumentaram à medida que mais mulheres ingressaram no mercado de trabalho. Os produtos ofereciam conveniência – estavam prontamente disponíveis em muitas farmácias – e discrição: as mulheres não precisavam se preocupar em levar panos usados do trabalho para casa. Ele também permitiu que as mulheres escondessem suas funções corporais das pessoas ao seu redor, permitindo que trabalhassem ininterruptamente.
“Esse tem sido o padrão”, diz Bobel, “de que mulheres e meninas sempre precisam se atentar às normas e padrões do local de trabalho, para serem hipereficientes o tempo todo. Você não pode deixar seu corpo lhe atrasar, essa é a mensagem”.
O resultado foi uma grande mudança no mercado. No final da Segunda Guerra Mundial, as vendas de produtos menstruais descartáveis haviam quintuplicado nos EUA.
Quanto de plástico há em um absorvente?
Na década de 1960, os químicos estavam ocupados desenvolvendo plásticos sofisticados e outros sintéticos. As tecnologias avançaram tão rapidamente que os fabricantes se viram à procura de novos mercados nos quais pudessem incorporar seus novos materiais.
Um dos mercados que encontraram foi o de produtos menstruais.
Os designs de absorventes começaram a incorporar polipropileno ou polietileno fino, flexível e à prova de vazamentos como base (ou, como diz a patente, a “camada de trás”). Os avanços na tecnologia de material adesivo reforçaram o uso de plásticos flexíveis, permitindo que as almofadas fossem presas diretamente às roupas íntimas, em vez de serem presas por um sistema complexo de arreios. No final da década de 1970, os designers perceberam que podiam fazer “abas” de plástico flexíveis que envolviam as roupas íntimas e prendiam a almofada no lugar. E os designers descobriram maneiras de tecer finas fibras de poliéster na parte mole do absorvente para absorver o fluido para dentro dos núcleos absorventes, que estavam ficando mais finos à medida que os materiais superabsorventes se tornavam mais sofisticados.
“Todas essas mudanças no produtos parecem incrementais”, diz Lara Freidenfelds, historiadora que entrevistou dezenas de mulheres sobre suas experiências com a menstruação em seu livro The Modern Period, “mas a soma delas acabam gerando grandes mudanças na experiência”.
“Adesivos ou abas – parece ser um pequeno aprimoramento do produto, mas na verdade as pessoas falaram que eram diferenças muito importantes. ‘Uau, isso foi um grande problema, que realmente melhorou minha vida’”, diz ela.
Absorventes internos não ficaram livres do plástico
“No início do século 20, muitos médicos, assim como parte do público, se opunham à ideia de que mulheres – especialmente mulheres jovens – pudessem entrar em contato com seus órgãos genitais durante a inserção do absorvente interno”, diz Elizabeth Arveda Kissling, especialista em estudos de gênero da Eastern Washington University e autora de Capitalizing on the Curse: The Business of Menstruation.
É possível que os inventores tenham pensado que o absorvente interno poderia ser inserido de forma mais “recatada” e higiênica com um aplicador.
A primeira patente registrada nos EUA relacionada a absorventes internos é de 1929, e incluía um design para um tubo aplicador de papelão. Outros sugeriram aço inoxidável ou mesmo vidro. Na década de 1970, os plásticos podiam ser moldados em formas arredondadas suaves, finas e flexíveis – perfeitas para aplicadores de absorventes internos, pensaram os designers.
Mas não é apenas o aplicador que é feito de plástico: muitos absorventes internos incorporam alguns pedaços de plástico na própria parte absorvente. Uma camada fina geralmente ajuda a manter a peça de algodão bem compactada. Em alguns casos, a corda é feita de poliéster ou polipropileno.
Embalagem e privacidade
Em meados do século passado, os principais players do mercado de produtos menstruais dos EUA estavam competindo ferozmente pelas clientes, mas estavam ficando sem avanços tecnológicos para promover seus produtos. Para se destacar, as empresas criaram mais e mais maneiras de oferecer a seus clientes opções discretas de compra, uso e descarte.
A obsessão pela discrição era antiga. Na década de 1920, a Johnson e Johnson incluía cupons em seus anúncios de revistas para seus absorventes higiênicos da marca “Modess”. As mulheres precisavam destacá-los e as entregá-los silenciosamente no balcão da farmácia, recebendo uma caixa quase sem identificação em troca.
No entanto, à medida que a maré se voltava contra os produtos descartáveis e portáteis, e à medida que os próprios produtos diminuíam de tamanho, o foco da embalagem mudou para embalagens individuais. As mulheres precisavam ser capazes de jogar produtos em uma bolsa e mantê-los limpos, transportá-los da mesa para o banheiro e, em seguida, da cabine do banheiro para a lixeira.
Isso significava embalagem plástica para tudo. Em 2013, os projetos de embalagens discretas atingiram seu auge quando a Kotex introduziu um absorvente com um “invólucro mais macio e silencioso para ajudar a mantê-lo em segredo”, projetado para ser aberto silenciosamente. E o descarte? Essa parte do processo também usa plástico. Em alguns banheiros públicos, pequenas sacolas plásticas perfumadas ficam nas paredes do banheiro, prontas para coletar e esconder os produtos sanitários usados no curto caminho entre o reservado e a lixeira.
“Ainda estamos vendendo vergonha junto com os produtos menstruais”, diz Kissling.
O futuro pertence ao plástico?
As novas versões embaladas em plástico de absorventes internos e externos melhoraram bastante a experiência de muitas mulheres com suas menstruações. Mas elas também deixaram gerações de mulheres viciadas em produtos feitos de plástico que permanecerão no ambiente por pelo menos 500 anos após sua breve utilização.
Mas essa não precisa ser a realidade. Na Europa, a maioria dos absorventes internos é vendida sem aplicadores. Nos EUA, há um interesse crescente por alternativas: em uma pesquisa recente, quase 60% das mulheres questionadas estavam considerando um produto reutilizável (cerca de 20% já usavam produtos reutilizáveis).
“Estamos testemunhando uma enorme mudança na maneira como as mulheres pensam em lidar com a menstruação”, diz Susannah Enkema, pesquisadora do Shelton Group que trabalhou na pesquisa.
Uma das alternativas populares é o absorvente reutilizável, uma versão melhor projetada de uma tecnologia muito antiga. Outras mulheres adotaram copos menstruais, outra tecnologia antiga que ressurgiu recentemente. Algumas empresas estão projetando roupas íntimas que absorvem diretamente o sangue da menstruação e podem ser lavadas e usadas repetidamente, enquanto outras optam por sangrar livremente durante todo o período menstrual, evitando o estigma tradicional que resulta da evidência visível da mais básica das realidades biológicas.
“Quebrar o estigma em torno da menstruação”, diz Bobel, “é fundamental para avançar em direção a um futuro mais social e ambientalmente consciente”.
“Não estou negando que precisamos de algo para absorver o sangramento”, diz ela. “E, ao mesmo tempo, quero reconhecer que estamos nos enganando se dissermos que a promoção de qualquer produto resolverá o estigma. Não resolverá”.
De acordo com ela, a mudança virá quando o teor das conversas mudar.
Fonte: National Geographic Alejandra Borunda
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