As plantas nativas que desafiaram a urbanização e surgem entre o concreto e o asfalto de São Paulo.
As epífitas – plantas que vivem sobre outras, mas sem parasitá-las, como bromélias, orquídeas, samambaias e alguns cactos – são antes de tudo resistentes e teimosas. Embora tenham sido praticamente dizimadas com a expansão e a urbanização da cidade de São Paulo, elas voltaram, desafiando o concreto e o asfalto.
Hoje há uma média de duas epífitas em cada árvore nativa ou plantada. Foi o que descobriu a bióloga Andrea Vasconcellos Crespo, numa pesquisa que realizou para seu trabalho de iniciação científica apresentado na Universidade de São Paulo (USP).
De acordo com ela, os estudos sobre a variedade de espécies e a distribuição de epífitas no Brasil são escassos. Em cidades, mais ainda.
“Levando em consideração a carência de pesquisa sobre epifitismo em áreas urbanas, sobretudo no Estado de São Paulo, meu trabalho teve como objetivo realizar um levantamento daquelas que ocorrem na arborização da capital”, explica. “O objetivo era determinar as de maior ocorrência, sua frequência, abundância e outras características da estrutura da comunidade.”
Para isso, ela selecionou três bairros da zona oeste da cidade, um mais arborizado (Butantã), um médio (Pinheiros) e outro menos (Itaim Bibi). Escolhidas as áreas, Andrea fez o levantamento das espécies de árvores, de rua em rua, concomitantemente ao das epífitas sobre elas apoiadas. O número variou de uma para outra, porque algumas ruas tinham um maior adensamento de plantas e, em outras, a distância entre elas era maior. “No total, analisei 300 árvores, 100 em cada um dos bairros”, conta.
A pesquisadora encontrou 28 espécies de árvores distribuídas nos três bairros. “Em números absolutos houve predominância de duas exóticas, a tipuana (Tipuana tipu), originária do norte da Argentina e Bolívia, com 69 indivíduos, e o alfeneiro (Ligustrum vulgare), nativo da Europa, com 38, que foram plantadas em dois projetos de arborização de São Paulo em diferentes épocas”, informa Andrea. “Essas duas espécies representaram 30% da riqueza de árvores coletadas.”
A nativa sibipiruna (Caesalpinia pluviosa) também esteve bem representada, com 61 espécimes.
Dispersadas pelo vento
Quanto às epífitas, foram encontradas 29 espécies, sendo 15 exóticas, pertencentes a 19 gêneros de 10 diferentes famílias. Apesar de mais da metade das encontradas serem de fora, elas estiveram presentes em apenas 35% das árvores. No total, Andrea registrou 751 indivíduos nas 300 estudadas, o que dá uma média de pouco mais de dois em cada uma.
A epífita encontrada em maior número foi o cipó-cabeludo (Microgramma squamulosa), que, apesar do nome popular, é uma pequena samambaia nativa. “Achei 169 delas, ou seja, ela estava presente de 56% das árvores”, conta a pesquisadora. “Em seguida vieram duas outras samambaias, a Pleopeltis pleopeltifolia (118 ou 39%) e a Pleopeltis hirsutissima (77 ou 25%).”
Segundo Andrea, a surpresa nos resultados do trabalho ficou por conta de haver uma maior diversidade de epífitas na cidade do que as próprias espécies de árvores.
“Esperávamos encontrar pouca riqueza e pouca diversidade dessas plantas por estarem em áreas que, mesmo quando consideradas mais arborizadas, possuem um baixo adensamento, estando enfileiradas nas calçadas a médias e grandes distâncias umas das outras”, diz. “Foi interessante ver também um número relativamente alto de orquídeas associada ao manejo humano.”
Diante desses dados, pode-se perguntar: se as epífitas foram praticamente erradicadas da cidade, junto com a mata nativa original, como agora elas estão em toda parte? Para responder essa questão, primeiro deve-se considerar que elas provavelmente não sumiram completamente da cidade, porque a vegetação local também não foi totalmente extinta.
“Possivelmente, elas conseguiram se manter e se expandir graças a alguns pontos de dispersão, como a cidade universitária (câmpus da USP), que tem uma área de reserva, o Parque Ibirapuera e outros parques ou praças que possuem uma arborização um pouco mais condensada do que a das calçadas”, explica Andrea. “Elas devem ter sido dispersas pelo vento ou por animais.”
Projeto de arborização
Além de mostrar a diversidade das epífitas em São Paulo, a pesquisa de Andrea também pode ter aplicação prática. “O trabalho foi feito em parte pensando na possibilidade de um novo projeto de arborização para a cidade e em estimular o desenvolvimento de espécies que originalmente a habitaram, buscando a recomposição, ainda que de maneira ínfima, de sua flora original”, explica.
“Esse era um dos objetivos, porque com a flora nativa, espera-se também que haja uma maior possibilidade de aumento da diversidade e riqueza de epífitas também nativas, ao invés de só priorizarmos plantas herbáceas, que também possuem sua importância na composição dos espaços verdes, mas não permitem um maior grau de complexidade desses microambientes dentro do perímetro urbano.”
Além disso, diz a pesquisadora, as epífitas possuem um papel ecológico importante, pois geram microclimas e microhabitats, abrigando parte da diversidade daquele ecossistema. “Elas também disponibilizam recursos como flores, frutos e néctar para insetos, pássaros e outros animais e, até armazenam e oferecem água, umidificando o ambiente do dossel, melhorando a qualidade do ar, o que traz benefícios para o ambiente urbano”, acrescenta.
Fonte: BBC
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