Patricia Wiltshire, 77 anos, diz que nunca teve “um pingo de ambição” e que as coisas na sua vida aconteceram naturalmente, sem que ela planejasse os voos altos que acabou alçando.
De fato, talvez nunca alguém, nem ela própria, pudesse ter previsto que uma professora de ciências biológicas pudesse se tornar uma das maiores especialistas do mundo em “ecologia forense” — ou o conhecimento sobre a natureza a serviço da resolução de crimes.
Esta guinada em sua carreira aconteceu relativamente tarde: na casa dos 50 anos de idade, seu conhecimento sobre os diferentes tipos de pólen de vegetais ajudou na resolução de um assassinato.
Daquele ponto em diante, Wiltshire, nascida no País de Gales, passou a ser chamada para contribuir na apuração de outros grandes casos no Reino Unido e, depois, em outros países. Hoje, ela tem no currículo a participação em cerca de 300 investigações policiais pelo mundo.
“Diferente de outras formas de provas, o pólen não desaparece facilmente: ele gruda nas roupas, sapatos, no tapete de carros”, explicou ela em entrevista ao programa The Life Scientific, da BBC Radio 4.
“Pólen e esporos são produzidos por plantas e fungos, e crescem em lugares específicos. Então, você sabe muito bem que esta planta cresce neste solo; aquela planta cresce naquele. Por conta disso, é possível prever de onde este material (pólen e esporos) vem.”
Mas o “momento eureka” de perceber o potencial do pólen como indício em crimes veio em 1994, quando recebeu a ligação de um policial de Hertfordshire, Inglaterra, perguntando se ela poderia ajudá-lo na investigação de um assassinato.
Pólen no carro
Ela já tinha quase duas décadas de experiência como pesquisadora na Universidade King’s College London, onde se graduou em botânica e estudou também bactérias e outras coisas microscópicas, sua pequena grande paixão.
O policial contou que um corpo carbonizado fora abandonado em uma vala e havia marcas de pneus no campo ao lado.
Os investigadores queriam saber se um carro que pertencia a um dos suspeitos esteve presente naquela área.
“Eu nunca tinha feito nada assim antes, mas analisei tudo no carro e encontrei pólen nos pedais e no tapete. O material correspondia ao pólen encontrado nas bordas de campos agrícolas”, diz a professora.
“Quando o policial me levou à cena do crime, pude identificar o ponto exato em que o corpo fora abandonado pelos tipos de flores que estavam ali.”
“Foi um momento ‘eureka’ para mim, porque nunca pensei que as pistas pudessem ser tão específicas”, lembra.
Apesar de seu ceticismo inicial em relação à ecologia forense, a professora passou a trabalhar em cada vez mais casos.
Em 2002, ela ajudou a polícia a reunir indícios na investigação sobre duas meninas, Holly Wells e Jessica Chapman, assassinadas em Soham, na Inglaterra.
A polícia havia encontrado seus corpos em uma vala, mas queria descobrir o caminho que o assassino havia seguido.
Wiltshire conseguiu isso analisando a regeneração de plantas pisoteadas que levavam ao fosso.
A polícia, então, fez uma pesquisa detalhada da rota delineada pela professora e encontrou fios de cabelo de Jessica em um galho.
As evidências coletadas por ela foram apresentadas no julgamento de Ian Huntley, que foi condenado pelo assassinato das duas meninas de 10 anos.
Provas ‘eternas’ — ou quase
Há ainda mais casos dramáticos nos quais a pesquisadora trabalhou.
“Em 2005, fui chamada em New Tredegar, no vale do Rhymney (País de Gales).”
“Dois homens haviam matado um terceiro a chutes, deixando o corpo entre samambaias. Alguns dias depois, eles voltaram para queimá-lo, mas as pessoas viram a fumaça e chamaram a polícia.”
“Os dois homens foram presos e, na época, os investigadores queriam que eu descobrisse se eles haviam estado no local (do assassinato).”
Wiltshire comparou o pólen dos sapatos dos suspeitos ao encontrado na cena do crime, mas ficou surpresa ao detectar que aquele pólen não era do tipo normalmente encontrado no País de Gales.
Depois, ela percebeu que os caminhões que passavam pela estrada adjacente carregavam moscas de outras partes da Inglaterra que depois voavam para o campo, depositando pólen e esporos ali.
O fato de o pólen ter sido localizado com tanta precisão e ser o mesmo encontrado nos pertences dos suspeitos e na cena do crime levou os dois sujeitos a confessar.
Wiltshire explica que pólen e esporos podem durar milhões de anos nas condições certas, mesmo sobre a superfície da terra e na vegetação. Um pedaço de solo pode ter milhares de tipos deles, ou nenhum, se as bactérias tiverem comido tudo.
Mas é a combinação destes materiais que os torna uma prova especialmente rica.
“Se você conhece o perfil geral do material e tem uma ou duas amostras raras (de flores muito específicas, por exemplo), você chegou lá. Se você encontra esta compatibilidade, a probabilidade de acerto é muito alta.”
‘Bruxa galesa’
Ela conta que outras experiências que teve na carreira e na vida além da universidade também ajudam. Como quando se mudou muito jovem para Londres, aos 17 anos, após o divórcio dos pais e uma vida conflituosa com a mãe.
Na capital inglesa, conseguiu logo um trabalho no funcionalismo público e, depois, se qualificou como técnica de laboratório médico no Hospital Charing Cross.
Já graduada, ela trabalhou também em muitos sítios arqueológicos colhendo amostras da terra e recriando construções romanas antigas, como a Muralha de Adriano, no norte da Inglaterra, e Pompéia, na Itália.
“Se não fosse toda a minha experiência em hospitais, laboratórios, com a bacteriologia… Todas as coisas esquisitas e maravilhosas, todo o trabalho de campo arqueológico… Eu não poderia fazer o que faço hoje. Foi preciso ter esse passado bagunçado para fazer o trabalho de hoje.”
“Às vezes, os policiais me chamam de ‘bruxa galesa’ pela maneira como processo uma quantidade enorme de dados e apresento novas ideias.”
“Mas não é mágica, é estudo”, garante a pesquisadora.
À BBC Radio 4, ela também evocou um passado e uma infância atribulada.
“Quando eu tinha sete anos, decidi assustar minha mãe pulando nela, mas não sabia que estava carregando uma panela com óleo quente”, lembra.
“Sofri queimaduras graves e tive de passar dois anos coberta de curativos.”
“Também tive pneumonia, sarampo, coqueluche e bronquite, o que me deixou com um problema crônico de tosse.”
“Perdi muitas aulas na escola, mas tinha minhas enciclopédias, que eram minha alegria”.
Ela lembrou também dos passeios que fazia com a avó, Vera May Tiley, graças a quem começou a desbravar a natureza.
“Vivíamos em uma pequena cidade de mineração, em Cefn Fforest, no sul de Gales.”
“Íamos caminhar e (minha avó) me mostrava os ninhos de pássaros, insetos e plantas que podíamos comer, como espinheiro e alho-selvagem (llium ursinum).”
“Ela também era uma boa jardineira, apaixonada por proteger suas plantas de pragas, então eu aprendi sobre suas doenças e como cultivar alimentos”, conta a investigadora.
Com suas próprias reviravoltas biográficas, como perder uma filha de 19 meses para uma doença genética e se apaixonar por seu atual marido aos 63 anos de idade, a professora respondeu à BBC Radio 4 o que pensa da morte ao tê-la visto tantas vezes em seu trabalho.
“Para mim, a morte é essencial. É preciso morte para haver nascimentos! Como sabemos, a matéria não é criada, ela se transforma. Digo aos meus alunos: no seu olho, pode ter uma molécula que foi do dedão do pé de um dinossauro! Essa é a mágica da biologia: é preciso ter a decomposição para novos nascimentos.”
Fonte: BBC
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