sexta-feira, 3 de abril de 2020

Queixa contra TÜV Süd avança na Alemanha.

Brasilien klagt TÜV Süd wegen Staudammbruch mit 270 Toten an (Getty Images/AFP/D. Magno)
Um ano depois, consequências da catástrofe ainda afetam seres humanos e animais
Ulrich von Jeinsen representou as vítimas europeias do ataque à discoteca La Belle em Berlim em 1986, foi o defensor de vários americanos no julgamento contra o terrorista Mounir el-Motassadeq no ataque de 11 de setembro de 2001, e ajudou parentes das vítimas do acidente do Concorde de julho de 2000. Portanto, quando o advogado aceita um caso de indenização por danos a seus clientes, as luzes de alarme da pessoa ou empresa acusada devem piscar em vermelho escuro.
Agora, o especialista em direito internacional de reparação de danos está representando 1.048 familiares de vítimas e vários municípios brasileiros no processo contra a empresa de auditoria técnica TÜV Süd na Alemanha. A acusação: homicídio culposo, suborno e infração do dever de supervisão, que levaram a um dos maiores acidentes industriais da história do Brasil.
“Eu já tive a ver com navios, com aviões, agora é com uma represa”, comenta Von Jeinsen, mandatado por uma rede internacional de advogados para pedidos de indenização. A questão é até que ponto a empresa com sede em Munique falhou na verificação da barragem de uma mina de ferro, certificando-a como segura em 2018.
Von Jeinsen se diz absolutamente convencido de que a TÜV Süd infringiu seu dever de diligência: “Isso pode ser constatado a partir das fichas de investigação da CPI financeira e do Ministério Público brasileiro. E um parecer legal também confirmou que a TÜV Süd de Munique era responsável pelas atividades da subsidiária no Brasil.”
O que está em jogo não é apenas a reputação da TÜV (sigla em alemão para Technische Überwachungsverein – Associação de Auditoria Técnica), mas também muito, muito dinheiro. “No final, serão pedidos de indenização de várias centenas de milhões de euros”, adianta Ulrich von Jeinsen.
Empresa de Munique se defende contra acusações
Por sua vez, a TÜV Süd, que fatura no exterior quase metade do sua receita anual de mais de 2 bilhões de euros, se diz injustamente no banco dos réus.
À DW, a empresa alemã respondeu: “O terrível acidente de 25 de janeiro de 2019 nos afetou profundamente. Nossos pensamentos ainda estão com as vítimas e seus parentes. No entanto, estamos convencidos de que a TÜV Süd não tem nenhuma responsabilidade legal por esse acidente. A TÜV Süd, portanto, se defenderá com firmeza de ações de indenização. Pedimos sua compreensão de que não comentaremos mais perguntas devido aos processos em trâmite.”
Muito está em jogo para a empresa, já que agora ela também está sendo investigada na Alemanha. Dentro de algumas semanas, promotores públicos e policiais alemães voarão de Munique para Minas Gerais. Eles querem investigar por que, em 25 de janeiro de 2019, uma barragem da mina de ferro perto da pequena cidade de Brumadinho se rompeu. E que responsabilidade a TÜV Süd tem por isso.
Brasilien Brumadinho ein Jahr nach Dammbruch (DW/N. Pontes)
Cruzes lembram os 270 mortos do rompimento da barragem em Brumadinho
ECCHR também processa TÜV Süd
Canelle Lavite poderia contar muito aos investigadores. Ela esteve em Brumadinho em junho de 2019 e conversou com muitos parentes das vítimas. “Acima de tudo, as pessoas querem que isso nunca aconteça novamente. Até agora, não escutaram uma palavra de desculpas, algo que as aflige muito. Elas querem pelo menos um pedido de desculpas e uma admissão de culpa”, explica a especialista em direitos humanos e economia do Centro Europeu de Direitos Constitucionais e Humanos (ECCHR).
O ECCHR também entrou com queixa criminal contra a TÜV Süd junto ao Ministério Público de Munique, e existem boas razões para isso. “Se não agirmos contra essa empresa, que estava ciente dos perigos da barragem e mesmo assim a certificou, nada mudará na mineração no Brasil e no sistema, e isso continuará para sempre”, diz Lavite.
Brumadinho não é, em absoluto, um caso isolado no Brasil. Quatro anos antes, em 5 de novembro de 2015, duas barragens de contenção de rejeitos de mineração romperam em Mariana, a cerca 150 quilômetros de distância, formando uma correnteza de lama que matou 19 pessoas. “Pela primeira vez interrompeu-se um pouco a impunidade, que foi tão típica do infortúnio de Mariana”, enfatiza Lavite, “agora existem investigações, queixas criminais e pedidos de indenização”.
Em sua acusação de 460 páginas, o Ministério Público de Minais Gerais atesta à TÜV Süd responsabilidade pelo acidente. Para Lavite, a companhia é responsável não apenas no Brasil, mas também na Alemanha. “Se uma empresa na Europa age em âmbito transnacional, como no caso de Brumadinho, ela também é responsável quando os direitos humanos forem violados”, argumenta a funcionária da ECCHR.
Com o enfoque internacional, Lavite quer alcançar que se desenvolva um debate sobre o papel das empresas de auditoria técnica: “A discussão sobre mineração deve transbordar da Alemanha para o Brasil e vice-versa.”
Misereor denuncia setor de mineração do Brasil
Susanne Friess diz ainda se lembrar exatamente do dia 25 de janeiro de 2019: a consultora de mineração e desenvolvimento na América Latina estava sentada num trem de Hamburgo para Colônia quando chegaram às primeiras notícias da catástrofe, dizendo que ela seria ainda pior do que a de Mariana.
“E eu pensei que nada poderia ser pior”, lembra Friess. No entanto, não ficou surpresa, pois se trata de algo sistêmico no Brasil: “Foi um acidente anunciado, é claro.” Susanne Friess trabalha para a organização católica de assistência Misereor, que também é um dos queixosos na Alemanha.
“Em setembro de 2019, 54 dessas barragens no Brasil não receberam um certificado de segurança, o que significa que existem dezenas de represas que não atendem aos requisitos técnicos”, relata Friess, que esteve em Brumadinho em maio de 2019.
E o que dizer da autoridade responsável pelo setor de mineração? Não seria necessário garantir a segurança dos moradores locais? A especialista em mineração joga as mãos para o alto e fica irada: “Em Minas Gerais, apenas três funcionários controlam as minas. Três! Num estado tão grande quanto a França! Isso é um absurdo completo!”
Friess diz estar convencida de que a TÜV Süd não deveria ter liberado a barragem. “Havia um fator de estabilidade que a barragem não cumpria, e na queixa criminal brasileira está parcialmente documentado que os funcionários enviaram um e-mail, explicando como se poderiam tomar medidas para que esse certificado de segurança ainda pudesse ser emitido. E como se poderia esconder tudo para que a mina pudesse continuar operando.”
Segundo a funcionária da Misereor, a empresa concorrente Potamos, envolvida em Brumadinho, retirou-se por esse motivo. “Em algum momento eles também disseram que não iam participar, que ‘a situação é arriscada demais para nós.'”
O conjunto de provas é esmagador, e a TÜV Süd também parece estar prevendo uma derrota no tribunal. “O último balanço mostra claramente que fizeram reservas relativamente altas para possíveis indenizações por danos”, relata Susanne Friess.
Para a especialista em mineração, só há uma conclusão possível: “Ao que tudo indica, parte-se do princípio que ou haverá um processo e um veredicto obrigando a TÜV Süd a pagar, ou se tenta evitar isso chegando a um acordo com os queixosos, talvez diminuindo o prejuízo.”
Fonte: Deutsche Welle

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