Como a Europa multiplicou suas florestas (e por que isso pode ser um problema).
Ao caminhar pela Floresta de Landes, no sudoeste da França, é difícil imaginar que todos aqueles pinheiros não estavam ali há dois séculos. A área de 14 mil km² era uma região pantanosa cercada por dunas. A partir do século 19, começaram a ser plantadas árvores para produzir madeira e resina.
Hoje, Landes é não apenas a maior floresta da França, mas também a maior já criada pelo homem na Europa ocidental — e um bom exemplo para explicar como a Europa ficou mais verde.
Dados da Agência Ambiental Europeia (EEA, na sigla em inglês) apontam que, desde 1990, o continente ganhou ao menos 170 mil km² de florestas, área equivalente à do Uruguai, uma expansão de pouco mais de 10% da área total até então.
Mas esse processo vem ocorrendo há mais tempo, diz Annemarie Bastrup-Birk, especialista em florestas da EEA. “Os últimos 200 anos da Europa são uma história de florestamento”, afirma ela, em referência ao método de criação de áreas verdes em regiões que antes não eram ocupadas por florestas, por meio do cultivo de árvores.
Originalmente, a vegetação natural europeia era formada por florestas, explica Bastrup-Birk. Mas, com a colonização do continente, elas foram derrubadas para usar sua madeira para construção, produção de energia, aquecimento, fabricação de móveis, entre outras atividades.
“Diante da necessidade de obter mais madeira, o que restava passou a ser preservado e também se começou a plantar árvores para atender a essa demanda de forma planejada.”
Assim, enquanto a área florestal europeia perdeu, entre 1750 e 1850, cerca de 190 mil km², de 1850 até os dias de hoje cresceu cerca de 386 mil km². Hoje, é 10% maior do que antes da Revolução Industrial.
‘Não encontrei 1 km² de floresta na Europa’, disse Bolsonaro
As florestas da Europa ganharam destaque em meio à crise gerada pela suspensão de repasses para projetos de conservação ambiental por Alemanha e Noruega.
Esses e outros países europeus criticaram a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro (PSL), especialmente após o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontar um aumento acentuado do desmatamento na Floresta Amazônica neste ano.
Entre janeiro e setembro, houve um crescimento de 92,7% em comparação com o mesmo período de 2018, de acordo com os dados mais recentes.
Em reação, o presidente disse que gostaria de “mandar um recado” à chanceler alemã, Angela Merkel, que suspendeu um financiamento de US$ 80 milhões para projetos de proteção da Amazônia. “Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, ok? Lá está precisando muito mais do que aqui”, afirmou em agosto.
Um mês antes, o presidente já havia questionado a autoridade de Merkel e do presidente francês, Emmanuel Macron, de criticar a política ambiental brasileira. “Sobrevoei a Europa por duas vezes e não encontrei 1 km² de floresta”, disse.
Em 2007, o ex-presidente Lula fez declarações semelhantes ao afirmar que o Brasil “ainda tem 69% da sua mata original preservada, enquanto os países ricos, que tentam nos dar lição, só têm 0,3% das suas florestas preservadas”.
Menor uso de madeira e êxodo rural
No entanto, florestas ocupam hoje 1,8 milhão de km² da Europa — ou 43% de todo o continente, o que faz dele uma das regiões do mundo mais ricas em florestas, de acordo com a EEA.
De fato, grande parte da vegetação original não existe mais: apenas 3% da área total de florestas na Europa é de mata nativa, segundo a EEA.
A maior parte do que existe hoje se deve ao florestamento, mas não só. Mais recentemente, especialmente desde 2000, vem ocorrendo uma expansão natural das florestas já existentes.
Uma combinação de fatores permitiu a volta das árvores. “Com a eletricidade e os combustíveis fósseis, o consumo de madeira caiu drasticamente”, diz Bastrup-Birk.
Ao mesmo tempo, esse crescimento florestal foi favorecido pelo êxodo das zonas rurais para as urbanas, explica o diretor-adjunto para florestas do World Resources Institute (WRI), organização não governamental dedicada a pesquisas na área ambiental.
“Em países como Espanha e Itália, há vilarejos que estão sendo abandonados, assim como campos de cultivos menores, porque o preço destes produtos não está alto, e seus donos os vendem e vão para as cidades em busca de empregos”, afirma Stolle.
“Também há uma preocupação maior de muitas prefeituras de criar áreas verdes e ampliar as florestas em suas cidades e nas regiões do entorno para o proveito dos moradores e para atrair turistas.”
Impactos negativos no meio ambiente
Mas a expansão das florestas não é acompanhada apenas por boas notícias e pode, inclusive, não ser de todo benéfica, de acordo com estudos recentes.
Uma pesquisa da União Internacional pela Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), organização britânica que monitora o status de espécies biológicas, aponta que, entre as 454 espécies de árvores nativas da Europa, 42% estão ameaçadas de extinção no continente.
Entre as espécies endêmicas, aquelas que não existem em nenhum outro lugar do mundo, a situação é ainda pior: 58% estão ameaçadas.
Isso se deve à perda ou destruição de áreas naturais e pelo avanço da agricultura e de espécies invasoras e as mudanças climáticas, diz o estudo.
“Isso mostra a terrível situação de muitas espécies negligenciadas e subvalorizadas que formam a espinha dorsal dos ecossistemas da Europa e contribuem para um planeta saudável”, diz Luc Bas, diretor do escritório europeu da IUCN.
Ao mesmo tempo, a ideia de que plantar árvores ajuda a combater as mudanças climáticas porque elas absorvem carbono foi questionada por outra pesquisa, publicada em 2016 na revista Science.
Cientistas apontam que, na Europa, árvores cultivadas intensificaram o aquecimento global. Eles afirmam que a substituição de espécies de folhas largas, como carvalhos, por coníferas, como pinheiros, é uma das principais razões do impacto negativo.
Nos últimos 150 anos, privilegiou-se o cultivo de árvores de crescimento mais rápido e maior valor comercial, como coníferas. Por outro lado, estas espécies são geralmente mais escuras e absorvem mais calor do que árvores de folhas largas.
“Devido à mudança para espécies de coníferas, houve um aquecimento na Europa de quase 0,12°C, porque as coníferas absorvem mais radiação solar”, afirma Kim Naudts, principal autora do estudo.
Os pesquisadores afirmam que este aumento equivale a 6% do aquecimento global atribuído à queima de combustíveis fósseis e que impactos semelhantes são prováveis em regiões onde ocorreu o mesmo tipo de florestamento. Por isso, sugerem ser necessário examinar com cuidado os tipos de árvores que são plantadas.
‘Nem sempre plantar árvores é uma boa ideia’
Bastrup-Birk, da EEA, diz que o resultado deste estudo é relevante, mas ressalta que leva em conta apenas um aspecto destes ecossistemas.
“Florestas são multifuncionais, porque retiram carbono da atmosfera e o estocam, promovem uma maior biodiversidade, impactam a qualidade de vida. Então, precisamos olhar para isso”, afirma especialista.
“Mas este estudo reforça que não basta plantar árvores. É importante saber o que e onde plantar e fazer um melhor gerenciamento florestal para termos os melhores resultados possíveis daqui a 50 ou 100 anos, que é o tempo que se leva para formar uma nova floresta.”
A expansão das florestas também deve ter um limite, diz Stolle, da WRI, para que não seja negligenciada a necessidade de cultivar alimentos para uma população mundial que cresce em ritmo acelerado.
“Precisaremos produzir mais comida para suprir as necessidades de quase 10 bilhões de pessoas em 2050. Os cálculos apontam que será necessária para isso uma área extra equivalente a quase duas vezes o tamanho da Índia em relação à área usada globalmente para agricultura em 2010, e o mundo tem uma quantidade de terras limitadas”, afirma Stolle.
“Então, plantar árvores nem sempre é uma boa coisa, se fizermos isso em um solo que é bom para a agricultura. Locais assim devem continuar produzindo.”
Esse é um dos motivos pelos quais Bastrup-Birk acredita que o aumento da área florestal na Europa esteja se mantendo estável nos últimos anos. “Talvez tenhamos atingido seu pico, porque a terra deve ter outros usos. Precisamos buscar um equilíbrio.”
Fonte: BBC
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