Escassez alimentar e hídrica deve gerar colapso da natureza nos próximos 30 anos.
Cerca de cinco bilhões de pessoas, principalmente na África e Ásia Meridional, serão prováveis vítimas da escassez de alimento e água potável nas próximas décadas com o declínio da natureza. Outras centenas de milhões podem ficar vulneráveis ao aumento dos riscos de grandes tempestades litorâneas, de acordo com um inédito modelo que examina de que forma a natureza e os humanos podem sobreviver juntos.
“Eu acredito que não seja surpresa para ninguém que bilhões de pessoas podem ser afetadas até 2050”, diz Rebecca Chaplin-Kramer, ecologista de paisagens naturais da Universidade de Stanford. “Sabemos que dependemos da natureza para muitas coisas”, afirma Chaplin-Kramer, principal autora do artigo “Global Modeling Of Nature’s Contributions To People” (“Modelagem Global das Contribuições da Natureza ao Homem”, em tradução livre), publicado na revista científica Science.
Esse acentuado declínio da natureza foi explicitado na inédita avaliação global da biodiversidade, já divulgada este ano. A atividade humana resultou na severa alteração de mais de 75% das áreas terrestres do planeta e 66% dos oceanos, colocando um milhão de espécies em risco de extinção, de acordo com o Relatório Global de Avaliação da Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.
A relação entre o homem e a natureza
O bem-estar humano depende das contribuições da natureza, também chamadas de serviços ecossistêmicos. O novo modelo analisou três das contribuições ou serviços da natureza: provisão de água potável; proteção costeira e polinização de plantações. O modelo revela que os futuros declínios desses serviços afetarão os povos da África e da Ásia Meridional com mais intensidade, pois eles dependem mais diretamente da natureza, afirma Chaplin-Kramer em uma entrevista. Os habitantes de países mais ricos sentem menos os impactos devido à importação de alimentos e infraestrutura.
Para analisar a provisão de água potável, o modelo mapeou plantas que crescem nas proximidades de lagos e rios. Dependendo da topografia, clima, escoamento superficial e outros fatores, é possível estimar a quantidade de fertilizante de nitrogênio residual nos cursos d’água, oriundo de plantações localizadas à montante. Quando feita uma sobreposição com mapas de fontes de água potável para consumo humano, tem-se uma estimativa da possível exposição à poluição por nitrato. “Foram utilizados outros estudos que mediram os níveis efetivos de poluição para validar o modelo”, diz Chaplin-Kramer.
De mesma forma, também foi feita uma sobreposição entre mapas de recifes de corais, manguezais, algas marinhas e sapais, que oferecem proteção contra erosão litorânea e maré de tempestade, e mapas de áreas povoadas no litoral.
Os polinizadores silvestres precisam de um habitat natural para sobreviver, então também foi feita uma sobreposição entre mapas de áreas de cultivo de alimentos e áreas atuais de habitat natural.
O modelo, em seguida, mapeou as nossas necessidades sociais em termos de escoamento total de nitrogênio, risco litorâneo e produção alimentar com dependência de polinização. Esse mapeamento foi comparado a áreas onde a natureza ainda presta esses serviços, de modo a revelar lacunas entre o que a humanidade precisa e o que natureza nos fornece.
Os pesquisadores, então, analisaram três diferentes cenários futuros envolvendo o uso da terra, o clima e a mudança populacional até 2050, conforme uma análise realizada pela Carbon Brief. São cenários padronizados que incorporam mudanças na sociedade, na demografia e na economia.
O estudo faz um “retrato altamente preocupante do ônus social que teremos que enfrentar ao perdermos a natureza”, escreve Patricia Balvanera, ecologista da Universidad Nacional Autónoma de México, em um artigo publicado na mesma edição da revista científica Science. “O que assusta é que o modelo analisou somente três das 18 contribuições para o bem-estar humano identificadas por nós”, diz Balvanera em uma entrevista.
(Saiba a opinião de E.O. Wilson, uma das maiores autoridades em biologia e preservação, sobre o que devemos fazer para salvar a natureza.)
Revirando cada canto da Terra
O declínio da natureza é visível — já perdemos 85% de todas as áreas úmidas, por exemplo —, mas os impactos desse prejuízo não o são, ela afirma. O novo modelo torna tangíveis esses tipos de impactos, mostrando exatamente quantas pessoas serão afetadas, e onde. Sua precisão também é suficiente para revelar os efeitos da perda da natureza em cada parcela de 300 x 300 metros da Terra. “Com isso, sabemos onde a recuperação da natureza ou sua preservação garante os maiores benefícios”, diz Balvanera.
A magnitude desses impactos não será minimizada pela tecnologia ou pela infraestrutura, afirma. A Ásia Meridional precisaria construir milhares de unidades de tratamento de água para fornecer água potável às pessoas, ao passo que a natureza faz isso de graça. Madagascar não dispõe de recursos para erguer muros litorâneos para proteger seus litorais, mas poderia recuperar suas comunidades costeiras de manguezais e algas marinhas.
O relatório global de avaliação concluiu que são necessárias mudanças drásticas nos nossos sistemas econômicos, energéticos, de governança, de produção de alimentos e outros, diz Sir Robert Watson, ex-Presidente da Plataforma Político-Científica Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), que realizou a avaliação.
“É esse tipo de ferramenta que analisa os futuros plausíveis com base na ciência, e que ajuda os governos a evitar desfechos desfavoráveis”, diz Watson.
O modelo está disponível online para que qualquer pessoa possa estudar os possíveis impactos de diferentes decisões políticas, inclusive as consequências imprevistas. Por exemplo, se a sociedade focar na bioenergia como forma de combater as mudanças climáticas, o modelo pode mostrar os possíveis impactos dessa decisão sobre a biodiversidade e a segurança alimentar, diz Watson.
Fonte: Stephen Leahy – National Geographic
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