quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Vergonha de voar coloca imigrantes entre a família e o clima.

Quando a adolescente alemã Jennifer Asamoah disse à mãe, em 2018, que não voaria para Gana, para o casamento de sua meia-irmã, ela não estava sendo teimosa, e sim tentando salvar o planeta. “Eu perdi um dos dias mais importantes da vida dela por causa da mudança climática”, explica Asamoah, que opta por não usar aviões devido às emissões de gases do efeito estufa.
Voar, uma das atividades mais produtoras de CO2 que um cidadão pode fazer, está se tornando uma questão decisiva para quem queira ajudar a preservar o clima global. Um levantamento realizado em agosto pela firma de análise de dados Yougov mostrou que dois entre cada três britânicos se dispõe a limitar suas viagens aéreas.
A ativista do clima Greta Thunberg trouxe de forma dramática o assunto à tona, em meados do ano, ao atravessar o Oceano Atlântico não de avião, mas de barco, a fim de ir condenar os líderes do mundo por não estarem protegendo devidamente o planeta.
A Suécia, país natal da jovem de 16 anos, cunhou a expressão flygskam (em inglês: flight shame), que significa “vergonha de voar” – a culpa por tomar um avião, enquanto o meio ambiente se aprofunda numa crise talvez sem volta. O termo se tornou sinônimo dos movimentos antivoo que despontam pelo continente europeu.
O dilema dos migrantes
Parece fácil vencer a vergonha de voar: é só tomar trens e tirar férias mais perto de casa. No entanto para os imigrantes, que compõem 8% da população da Europa, e suas famílias, sacrificar as viagens aéreas impõe um dilema que toca fundo nas identidades de alguns: com que frequência se pode viajar para seus países de origem – se é que se pode?
Cidadãos nascidos no exterior voam mais, mas andam menos de carro do que aqueles cujas famílias vivem há mais de três gerações num país, indicou uma pesquisa da Universidade Técnica de Dortmund. Usando dados do Reino Unido e levando em consideração fatores como renda e educação, os pesquisadores concluíram que os migrantes voam 38% mais do que os nascidos no país em que vivem.
“Migrantes têm necessidade de voar para manter seus círculos de família e de amizades”, explica Giulio Mattioli, pesquisador de transportes e principal autor do estudo. “Uma vez que você migra, isso implica um certo nível de viagens e emissões.”
Mudar de país pode significar deixar para trás filhos, genitores, cônjuges e amigos. Laços mais sutis igualmente provocam o desejo de voltar, como, por exemplo, a necessidade de estar perto do local de nascença ou cercado pela língua materna.
Ao queimar enormes quantidades de combustível de aviação para levantar voo e planar acima das nuvens, as aeronaves emitem cerca de 2% do CO2 global. Elas também liberam poluentes como vapor d’água e óxidos de nitrogênio, que, a altitudes elevadas, contribuem ainda mais para o aquecimento do planeta.
Se Asamoah houvesse voado com a mãe da Alemanha para o casamento Gana e retornado, teria emitido cerca de 0,7 tonelada de dióxido de carbono, de acordo com o calculador online da Organização Internacional de Aviação Civil (OACI). Isso é mais ou menos a média do que um ganense emite em todo um ano.
O estudo de Dortmund concluiu que, ao contrário de seus pais, os filhos de imigrantes não voam com mais frequência do que o restante da população – fato que os pesquisadores não associam a preocupações ambientais.
“Minha mãe apoia minha decisão e também acha que seja um tópico importante”, explica Asamoah. “Mas quando se trata de visitar a família, ela não se importa [com suas emissões], só quer ver sua filha, e eu realmente entendo.”
Vergonha: sim ou não?
Deparados com razões mais fortes para viajar, os imigrantes também têm menos alternativas. “Eu me recuso a me sentir envergonhado por tomar um avião, se não há alternativa melhor, mais sustentável”, afirma Quang Paasch, que tem ascendência vietnamita e é um dos organizadores em Berlim do movimento de protesto Greve para o Futuro. “Não me sinto culpado por voar para ver minha família, porque o nosso sistema é baseado na injustiça social.”
Para quem se estabeleceu em outros continentes, as conexões alternativas práticas são escassas: um trem de Berlim a Istambul leva três dias e meio; chegar a outras cidades ainda mais distantes, como Nova Délhi ou Pequim, poderia levar semanas.
“Uma linha de trem daqui a Nairóbi: isso eu adoraria”, brinca Anastasia Nganga, uma queniana que vive na Alemanha e está tentando reduzir sua pegada carbônica. “Não volto ao Quênia toda semana ou mês, só no prazo de alguns anos. Tem gente aqui na Europa que voa para uma folga de fim de semana.”
No cerne do movimento antivoo, está a questão da justiça. Não há dados confiáveis sobre que parcela da população mundial viaja de avião, mas os especialistas em aviação concordam que a maioria não o faz.
Um relatório divulgado em setembro pelo grupo de pesquisa sem fins lucrativos International Council on Clean Transportation, constatou que, embora só componham 16% da população, os cidadãos dos países ricos são responsáveis por 62% das emissões de CO2 da aviação. Mesmo entre os que usam aviões, um pequeno grupo de voadores frequentes, incluindo os migrantes, realiza uma parcela desproporcional das viagens, apontou o estudo de Dortmund.
Isso levanta questões delicadas para os movimentos ambientais em países mais ricos, que tentam se livrar de sua reputação de privilegiados, enquanto exigem que a população e os governos cortem suas emissões.
Pressionar os imigrantes para não voarem criaria muito conflito, antecipa Mothiur Rahman, advogado inglês de origem bangladeshiana e membro do grupo ativista ambiental Extinction Rebellion. “Quem mede tudo segundo as emissões de dióxido de carbono, está hipersimplificando. Há diferentes qualidades de motivos para voar.”
We Stay on the Ground (Ficamos no Solo), um grupo criado na Suécia, mas ativo por toda a Europa e América do Norte, diz ter coletado mais de 12 mil assinaturas de gente que se compromete a não voar em 2020: No entanto tem dificuldade em envolver as comunidades de imigrantes e da diáspora em seu projeto.
“É a questão mais difícil que encaramos”, admite a fundadora da campanha, Maja Rosen. Parte de mim quer dizer que, claro, todo mundo deveria poder ir ver sua família quando queira. O problema é que o clima não vê diferença.”
No entanto há meios de cortar emissões de aviação sem sacrificar os laços familiares, ressalva Rosen. Como viajar com menor frequência, mas ficando mais tempo fora. Ou eliminar as férias no exterior. “Para mim, faz muito mais sentido alguém que tenha família na Índia ir visitá-la do que alguém como eu sair de férias”, diz a fundadora da We Stay on the Ground.
Fonte: Deutsche Welle

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